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sexta-feira, 28 de outubro de 2016

O INVERNO E DEPOIS (Livro de Luiz Antonio de Assis Brasil)




(Depois do inverno, meu querido... Não sei, dependendo de você, algo virá, e não apenas a primavera. Constanza Zabala)

"O inverno e depois", de Luiz Antonio de Assis Brasil, é um livro apaixonante. A obra também poderia chamar-se Outrora, ou Al otro lado del río... Ou simplesmente Constanza. É um romance refinado, instigante, exigente, especialmente lindo, com um vocabulário rico e sofisticado, ao mesmo tempo que palatável.

Apresenta o protagonista como um homem tímido, introspectivo, mimado e observador, características invariáveis de todo filho único. Julius, o personagem, é violoncelista, e leva a vida dentro de uma partitura, fria e exata, que executa quase sem desafinar. No primeiro movimento é regido pelo seu talento imberbe e a vontade de tia Erna, que o cria após tornar-se órfão. Troca de regente, mas se mantém ainda em um primeiro movimento, quando vai desenvolver-se na escola clássica de Würzburg, na Alemanha. Lá é assaltado pela sensação própria dos mortais, que não estilizam sentimentos nem os definem com frases mentais. Ao invés das frases, se queda na descrição frenética do óbvio: “Estou apaixonado, é isso”.

Julius conseguiu sair do primeiro movimento quando retornou ao Brasil, dolorido, deixando para trás uma parte de sua vida “a mais rara, a única que foi capaz de amar”.  Passando para o segundo movimento com a regência da esposa Silvia, um morno adagio, e dali só começou a sair para o terceiro 25 anos depois, ao “chocar-se” com Antônia, a meia-irmã, causa de dissabores familiares. Então descobre o afeto e a cumplicidade que só existe entre irmãos, ainda que irmãos pela metade. A obra conspira no terceiro movimento, que tem um momento decisivo, quando Julius despretensiosamente, mira o espelho do camarim exclusivo, de visão poliédrica e, enfim, vê um homem.

O inverno e depois é um romance em que vamos entrando devagar, quase que imperceptivelmente. Uma espera cansativa no aeroporto; uma viagem ainda mais cansativa ao pampa desolado, às lembranças que nunca morreram.  Desconfio, entretanto, que não se consegue sair tão cedo desse enredo.  Ao término, vi um filme, o meu filme de roteiro inacabado, com os personagens me olhando atônitos esperando as últimas falas. Ao invés disso, eu apenas repito a Julius o recado do Elton John, e que Constanza, seu único e definitivo amor, levou a pé da letra: and never forget I'm your man (e jamais se esqueça de que sou seu homem).

Vivo de ser um latinista, em forma e conteúdo. Portanto, da mesma maneira que passei um terço do livro aborrecido com Julius e suas inseguranças, sempre batendo em retirada, me apaixonei perdidamente por Constanza. Nela coloquei todos os rostos dos meus amores, os que tive e os que imaginei ter, e todas as amarguras que se sucederam após as eventuais separações, sempre temperadas por sons, cores e músicas de época.

Onde andará Constanza? Cheirando a água Farina Gegenüber, misturado com tabaco e cloro de piscina?  E súbito me dou conta que ela está aqui, bem aqui ao meu lado, me olhando curiosa. Que não tem segredos ou mistérios, porque deve estar no pacote das atenções de quem ama, perscrutar as entrelinhas do outro.  É assim que se faz, seu Julius! De resto, jamais esperar trinta anos para viver cada segundo sem hesitar, como ensina o Elton.

Sei, e não vou esquecer tão cedo como são, em vida, todos os personagens de O inverno e depois. De Julius a Peter Ustinov, passando por Boots, Antonia e Mickey Rooney. Os reconheceria na rua, caso nos cruzássemos. Já Constanza... Ah, Constanza com seu jeito e cheiros... estará sempre comigo.

Dvorak compôs a obra, obsessão de Julius, em três movimentos, como a vida que vi no protagonista. Este, entretanto, porque custou a descobrir-se e pelas intercorrências que viveu, contentava-se em executar somente o primeiro.   Ao fim, entretanto, não poderia, depois de um lapso tão longo de tempo, um amadurecimento repentino, culminando com uma extraordinária sucessão de “coincidências” (que seria mais justo  chamar de Sincronicidade, na linguagem de Jung), deixar de executar a obra completa, que tinha “de cor e salteado”, à plateia do presente; do pretérito que poderia ter sido mais-que-perfeito, e para um especial futuro do pretérito.

Depois de ouvir Dvorak, porque se impunha que ouvisse, fui ouvir as Bachianas, do Villa Lobos. Quando Bidu Saião terminou, fui àquele que, de certa forma, inspirou o romance. Ouvi Elton John e sua apostolar I Guess That's Why They Call It The Blues (Acho que é por isso que eles chamam de tristeza - ou algo assim), tema de vida de Julius. O texto instiga a ouvir clássicos concomitante e compulsivamente.  


sábado, 7 de maio de 2016

A TODAS AS ÚNICAS





Mãe é uma só, dizem, e biologicamente é incontestável. Mas a vida e a história de cada um traz peculiaridades.

A minha querida se foi cedo demais, nem tivemos muito tempo e eu só fui saber de fato o que é uma mãe, na sequência triste de sua ausência.

Ernestina era uma guria de 28 anos quando foi trilhar o mesmo caminho de luz que a trouxe.

Então vieram as outras: Nena, Toninha, Iolanda, Neci, Mercedes e outras, que antes de me colocarem debaixo de suas asas carinhosas, eu mesmo invadi e fui lá dividir espaço com os irmãos que adotei. Alguns até nem ficaram sabendo disso.  Mas sempre recebi amor, conforto e cuidados.

Teve, porém, uma que também viajou cedo, mas teve o tempo suficiente para, como se lê por ai tornar-se inesquecível. Amada e incomparável Cecy, que transbordava em carinho. Tinha idade de mãe, ou tia, mas gostava que eu a chamasse de vó.  Talvez por querer ser duas vezes minha mãe.

Deixou comigo essa lembrança que escondo além dos meus guardados, como uma foto mimosa ou uma tatuagem em lugar estratégico, no caso, no coração, e que exponho neste Dia das Mães para homenageá-las. E por elas, todas as minhas amigas que tem a felicidade de serem mães.

Beijo em todas. Em suas faces ou em suas memórias, mas sobretudo em minhas saudades, com muito amor.