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quinta-feira, 30 de novembro de 2017

OS PROSCRITOS




Campeão legítimo, incontestável!  E o que é melhor: com a redenção dos proscritos.

Fui defensor de primeira hora de Marcelo Grohe, quando lhe coube substituir Dida e Victor. Capitulei ante os vacilos dele durante um tempo. Neguei Marcelo três vezes antes de o frango cantar, até que nos deu uma Copa do Brasil, matando o Furacão nos pênaltis, e quase nos deu o hexa, não fosse a incapacidade gremista na cobrança de penalidades. Nessa Libertadores, Marcelo fez história, juntando-se a mitos de todos os tempos, proporcionando verdadeiros milagres. A Marcelo Grohe o Grêmio deve o tri campeonato da Libertadores.

Mas o Grêmio também deve a Bressan, o amaldiçoado Bressan, que colocado na fogueira por duas vezes neste ano, mostrou que acima de tudo é um profissional da mais alta categoria, destemido e bravo, ciente de seus limites. Na final lhe coube substituir nada mais, nada menos que a base da pirâmide, sem que fosse percebido: Kannemann, um achado, mas que demonstrou desde o início o porquê a direção gremista tanto lutou para trazê-lo. Esse argentino deu  a Geromel o que Geromel precisava para mostrar o grande zagueiro que é. Bressan está redimido, embora vá ser sempre, caso fique no Grêmio, um estepe de confiança.

Devemos, o Grêmio e eu, um obrigado especial ao pequeno gigante Ramiro. Dele nunca esperei brilhaturas, passes precisos ou lançamentos que até faz, nem gols, que até faz, ou assistências, que também faz (ontem premiou novamente Barrios, mas este... Bem). No entanto, Ramiro se movimenta por todo o campo, ataca, defende; em função do pulmão privilegiado não lhe custa ser auxiliar de lateral, auxiliar do meio campo; auxiliar do ataque e auxiliar do técnico. É uma pequena liderança que se impõe pela fibra. Não é à toa que é titular com todos os técnicos com quem trabalha. Ninguém carrega o piano com tanta facilidade e desprendimento.

Fernandinho é um caso a parte. Talvez só Renato confie nele. Mas confia e sabe por que confia. Ontem vimos. Taticamente foi perfeito, e decisivo na hora de finalizar.

Por fim Luan. Ora, como não gostar de Luan? Mas tem quem não goste, talvez pelo seu jeito indolente de se  movimentar. E afinal, futebol também é uma questão de gosto. Mas como se movimenta! Tudo passa por ele! Sempre que leio críticas a respeito disso, me lembro do Ademir da Guia, maestro da grande Academia do Parque nos anos 60, guardadas algumas proporções.  Luan é um grande jogador. Fundamental para que as coisas na linha de frente do time aconteçam. O gol que fez na final, com calma e classe, só é possível para pessoal de turma especial.


Esses já estão na galeria de heróis imortais, e que jamais serão esquecidos. Mas tudo isso devemos, o Grêmio e eu, a essa figura carismática chamada Renato Gaúcho. Também tem quem não goste dele, que o ache isso e aquilo. Algumas vezes também cheguei a contestá-lo, baseado em seus desempenhos pretéritos. Pois bem: Renato cresceu. Ele e Grêmio são unha e carne; espírito e matéria. Faça-se a estátua imediatamente e arranje-se um espaço para ele na letra do hino tricolor. Renato é o novo Lara.  


Este texto é dedicado aos proscritos, mas qualquer coisa que se escreva sobre o Grêmio, não tem como deixar de citar Arthur. Que jogador é esse? 

terça-feira, 7 de novembro de 2017

TRÁGICA BINÁRIA



Em principio não vou me deprimir. Não que esteja imune a essa doença que é grave e cujos resultados são sempre imprevisíveis. Penso que tenho boas forças para resistir, face às ricas reservas de afeto que ainda me restam, vitaminadas pelo que recebo.
Mas nunca se sabe. É desanimador estar vivo para ver o quanto e como evoluímos. Evoluímos sim. O rabo do cavalo também evolui.
Termos crescido em inteligências e seus recursos acessórios, aperfeiçoamos nossos monstros latentes, mas parece que o que dá mais prazer mesmo é a produção da morte no sentido bárbaro. Ver pessoas explodindo, vitimas de artefatos empíricos; pessoas metralhadas nos paredões livres das ruas, ou esmagadas sob as rodas de um prosaico veículo utilitário.
O terrorismo que assusta a Europa e o EUA, não ficará somente por lá. É um mal que se espalha em metástase pelo mundo.  Breve estará entre nós, e aqui encontrará campo fértil para suas ações: um país à deriva, fronteiras franqueadas, Forças Armadas deliberadamente esgualepadas, e uma carência sem precedentes de comandantes. Virão para coadjuvar com as guerras civis urbanas nossas de cada dia. Mas que tomem tento. No método de massacres com caminhões, nossos números são incomparáveis.
O terror tem a sua rotina binária: matar e morrer. De nossa parte, entretanto, o politicamente correto, baseado nos preceitos e princípios dos direitos humanos, precisamos prendê-los, e com cuidados porque antes da prisão tem o exame do corpo de delito; julgá-los e se condenados, trancafiá-los. Mas há chicanas, como sursis, habeas, e se tudo der errado tem o benefício da progressão. Como a maioria é jovem, quando voltarem às ruas terão muita saúde e raiva para aniquilar ainda algumas centenas, antes de explodirem-se.
Por tudo isso, penso que terrorista não deveria ser preso, mas executado no flagrante. É um ser cuja matéria é treinada para a binária trágica citada, e sua alma já foi encaminhada ao inferno no processo de iniciação fundamentalista.  Preso, ele não serve para nada, a não ser realimentar-se de ódio, às custas de suas prováveis vítimas.
Por aqui estamos levando um vareio da turma do joio, que muitas vezes pode viver ao nosso lado, que sabemos quem é, mas nem desconfiamos de seu potencial ofensivo; que vem e vai às prisões aperfeiçoar-se, até que esteja pronto e nas ruas ostentando a máscara do verdugo.
Aqui não precisamos dos outros, mas eles virão.
Não podemos dar-lhes o remédio social adequado, portanto, porque estamos subjugados pelas barreiras inocentes que nós mesmos criamos. Contra a guerra suja, sem escrúpulos ou limites proposta por eles, a nossa deve ser ética. Afinal, somos civilizados.  Mal comparando, continuamos acreditando que David derrubou Golias a “pombaço”.
Não vou me deprimir, acho que não, mas o que o mundo deprime é uma verdade insofismável. Sempre fomos bárbaros, e a nossa trágica história humana está ai para quem quiser comparar seus tempos e seus métodos de extermínio.
Isso tudo, entretanto, o terror e as guerras, é somente a ponta-de-lança do sistema. A origem de tudo; quem espicha o estopim; o cérebro da catastrófica indústria de mortes não suja as mãos, não embarra os pés e não respira pólvora. Apenas conversa, faz acordos e assina papéis.

E alguns ainda rezam e mandam matar, em nome do Pai, do Filho e do Espírito Santo.

sábado, 7 de outubro de 2017

PASSAGEM DE TEMPO

   "Devo ter chorado na infância, mas juro, não me lembro. E hoje... Que o Velho me poupe motivos"

Quando a gente completa cinqüenta anos convém uma pausa para reflexões. Meio século não é pouca coisa. Mas, que diabos, diferente do que era completar cinqüenta anos, cinqüenta anos atrás, hoje somos jovens senhores com um bom metro de tempo para viver.

Já nos sessenta, nos dizem que passamos a viver no amarelo piscante. Todo cuidado é pouco. Há sessenta anos, ter sessenta era ter idade de vovô longevo, não muito mais que isto, com direito a pantufas, cadeira de balanço, mimos e rabugices. Hoje não. As facilidades, o crescimento cultural e os cuidados da vida moderna, fazem com que sejamos sexagenários “envelhecentes” de academia, disputando espaço com “bombadões” formados a ferro, ou a base de sofismas químicos.

É bom ultrapassar essa barreira. A alternativa me parece bem pior, mas como vamos saber? Meus amigos, conhecedores por esperança e fé de outros planos, me dizem que quem morre vai para um lugar melhor. Contraditoriamente, no entanto, dão um duro danado para não serem chamados pelo Criador para a última sabatina. Todos preferem uma inhapa, à simples troca de nível.

Eis mais uma passagem de tempo. Com ela o refluxo de um lamento antigo pela mãe que se foi ainda menina, pouco mais que isso. A cada passagem destas, por melhor que tenha elaborado a perda, me surpreendo pensando à toa. Perco os olhos por ai, buscando o esboço mais preciso da mulher que nunca esqueci, mas que não tem mais forma própria. Seu jeito se confunde com o de todas essas que vieram e foram da minha vida, e o dessas outras tantas que ficaram aconchegadas no meu desarranjado berço edipiano.

Minhas festas em família sempre acusaram essa a ausência. Do olhar materno; do amor que a mulher dedica ao filho, seu homem definitivo na obra mágica em que brinca de ser Deus. Faz falta a torta de bolacha sabor-mãe e seus jeitos de enfeitar a mesa. E mais lamento por não ter tido a chance de vê-la enchendo os balões da festa com os netos e bisnetos que começaram a chegar. É dela, que papai do céu chamou ainda com idade de filha, que mais me lembro nesses dias. 

O preto com que o Criador pintou as minhas passagens de tempo veio paulatinamente desbotando, acompanhando o tom dos cabelos. E o tempo... Este desmanchou a camada espessa da dor. Já não sofro tanto com isso, embora o bichinho da rã-rã me engasgue por alguns segundos, enquanto busco fôlego para assoprar velinhas. Afinal, já são sessenta e tantas. 


E eu sei, por esperança ou por uma fé que nem sei se tenho, que em algum lugar do cosmo ficou dela uma energia boa conectada ao meu destino. E sou, ou me sinto iluminado pelo mesmo rastro de luz que a trouxe, mas que a levou de volta assim, cheio de pressa, como uma estrela ascendente.




terça-feira, 6 de junho de 2017

UNIVERSO EM DESENCANTO





Nos românticos anos 70, Khalil Gibran emoldurava algumas conversas de bar, depois fazia trilha sonora em vozes cansadas, apaixonadas, em momentos que vagavam interpostos entre o uísque e o cigarro. Lembram-se das três melhores coisas da vida? Eram, nessa ordem, um uísque antes e um cigarro depois. Quem não sabe do que se trata pergunte ao avô.  Quem não lembrar, urge uma consulta.

Parecia não serem necessárias tantas coisas para sermos felizes. Mas era assim mesmo, e aqui entram os outros três componentes fundamentais daquele processo lúdico: juventude, saúde e um sonho. Ou vários. Nem havia cabeça suficiente onde coubessem tantos.

Nessa época topei com um cidadão, ou melhor, com uma parte dele: Manuel Jacinto Coelho e sua Cultura Racional.

Era um visionário, gênio para alguns, enlouquecido para outros. E como naquela época minha vida era fundista, ou seja, buscava viver 100m em menos de 10’, nem me detive nos detalhes mais profundos de sua obra. Tratava-se de viagens filosofais dispostas em mil livros, que ele chamou de Universo em Desencanto. Mas li alguma coisa, o suficiente para nunca mais esquecê-lo, porque no fundo, a despeito das viagens propostas como não filosóficas, mas sim, extremamente filosóficas, percebi no raciocínio, guia e deus do que ele propunha, o melhor fator para o equilíbrio pessoal.

Bueno, tendo a pensar que todas as coisas se complementam, portanto, e em tese, não sou contrário a nada. Até me contrariar, coisa que tenho feito muito e amiúde. Mas ainda há em mim espaços para Jacintos e cristãos.   

Ultimamente tenho pensado nele. No entanto, muito mais pelo nome de sua obra do que propriamente por seus conceitos. 

Porque universo em desencanto é o retrato fiel do momento em que vivemos. Estamos deprimidos como sociedade; estamos esgotados de esperanças. A luz que buscamos no final do túnel... Que luz? Que túnel, se estamos soltos e compungidos nesse universo perdido que produzimos em nome, entre outras coisas menos nobres, da liberdade? Essa guerra silenciosa, suja e sem ogivas que nos é imposta; que mata mais lentamente; que mata por depressão e desencanto é ainda mais criminosa do que as ancestrais que, por sistêmicas, já estamos acostumados. Essa mata em escala, pulveriza culpas e nos joga sadicamente no carrossel trágico de Dante,  

E sempre nos picos desses momentos, antes apenas vagos, me ocorre lembrar também de Dante Alighieri, aquele que sabia tudo sobre comédia e tragédia, mas muito em especial de inferno.

Não há “Esc” e não há “Control z” para que possamos recomeçar. Mesmo porque, mal sabemos em que parte do texto da nossa história estávamos quando bifurcamos.

Um novo começo é impossível; um novo encaminhamento ao fim, até pode ser feito, mas aí, bacudo, faltam boas tintas; falta mão com traço firme para um desenho confiável. Desenho sim, uma vez que não entendemos o que estava escrito. E talvez aqui esteja o furo da bala: não nos ensinaram a ler adequadamente, e depois não buscamos aprender, a fim de que pudéssemos decifrar a bula da vida antes de usá-la, especialmente na parte que toca aos efeitos colaterais.

Há que ser desenhada e construída uma nova arca; há que ser pensada e desenhada uma nova vida. Perdemos.


E por fim, posso estar me referindo ao Brasil ou ao mundo e suas diversidades, mas também posso estar falando unicamente de mim e do meu desencanto como raça.

sábado, 13 de maio de 2017

A SUA BENÇÃO, SAUDADE



Quero dizer que me lembro de tudo. Herdei uma memória privilegiada e assim como me enche de alegrias e saudades boas, me castiga. E me castiga ao ponto de viver cada momento do nosso último dia; chego a sentir o cheiro das flores que te acompanhavam. Havia tantas! Meus olhos já não se salgam, claro, secaram há muito. Mesmo porque me obriguei cedo a pensar como os que crêem, num novo e melhor lugar que estivesse a tua altura. É mais reconfortante. 

Desde sempre, entretanto, me pergunto: onde haveria de ser o melhor lugar para quem ainda não tem trinta anos? Aqui dividindo e multiplicando vidas, espalhando alegrias, chorando mortos ou lá, num tal indecifrável melhor lugar? A ausência de respostas, estranhamente, me conforta.

Lembro-me de tudo, apesar de termos vivido tão pouco tempo juntos. Por isso talvez tenha se tornado clichê, o fato de haver pessoas que vivem o suficiente para se tornarem inesquecíveis.

Era um rosto meigo, quase envergonhado, cabelos longos e lisos caídos sobre os ombros como cascata de piche, e grandes olhos negros. Quando ria, ria tudo, boca, olhos, enchendo de vincos a pele ainda sem rugas. E seu choro só não era imperceptível, porque vez por outra o nariz fungava. E, convenhamos, sem ter completado trinta anos deve ter havido pouquíssimos motivos para chorar, além das coisas comuns às gurias.

Há muito não tenho idade de filho, embora jamais tenha perdido a orfandade. Mas nesses dias tudo parece que foi ontem. Sinto gosto de tortas de bolacha sabor-mãe, cheiro de roupa passada; olhares críticos aos redemoinhos do meu cabelo, fiscalização rigorosa nas unhas e ouvidos, ponta do lápis afinada, borracha limpa e caderno sem orelhas. Tudo acompanhado por melodias indecifráveis, quebradas por sustenidos risonhos.

Lembro de tudo sim. Mais do que o chinelo na mão e o avental todo sujo de ovo.  Do pouco/tudo que tivemos, mas que se revigora duas ou três vezes por ano, quando de uma forma ou de outra festejo o fato de estar vivo, e posso me permitir a esses devaneios piegas e meio Peter Pan.

A sua benção, saudade.  

sábado, 29 de abril de 2017

IX ENCONTRO DOS BASQUETEIROS DE URUGUAIANA... OS DIAS ERAM ASSIM




Explicar o sentimento de amor a terra para um gaúcho é desnecessário. Falar sobre o que ficou em um lugar e em um tempo para quem esteve lá nesse tempo e nesse lugar, é levá-lo de volta, ainda que por instantes. Se esse lugar for Uruguaiana e o tempo, o nosso tempo, sou capaz de dizer que um pedaço importante de nós nunca saiu de lá.

Esse pedaço ainda assombra a velha casa onde nascemos, arrastando correntes douradas inocentes, do bem, pelo assoalho velho. Que importância tem se no lugar da casa haja hoje um prédio enorme e moderno? A terra é revirada para que se revigore e cumpra sua missão de transformar, mesmo assim não sai do lugar. Portanto, essa parte importante de nós não está nem ai com que o que fizeram sobre as nossas primeiras pegadas. Nada vai tirá-las de lá, porque elas estão tatuadas no universo em seu conjunto, e na memória mais afetiva.

Uruguaiana também é o epicentro de uma geração de apaixonados por uma juventude, que se nega a assumir os efeitos dos seus brancos, caso haja ao menos brancos; suas rugas e modificações de estrutura físicas. Estar em Uruguaiana em um momento especial é ser, por um lapso roubado de história, um pouco do que fomos. É como se saíssemos dos álbuns velhos de fotografia, colados com Goma Arábica, para as calçadas, a fim de corrigirmos status, e sem o lamento pela brutalidade cronológica do foto shop natural. Não somos então o que somos; somos brevemente o que fomos, abençoados por bafejos fortuitos de energia, de fonte autossustentável. Eis porque chamo a minha cidade de Terra Santa. Lá ganho fôlego de vida.

Lá também é célula de um grupo de amigos que adotou o basquetebol como início, meio e fim, por suas circunstâncias convergentes e catalisadoras, capaz de produzir reações improváveis; retornos inimagináveis. Porque um dia alguém ousou sonhar com uma bola quicando nas quadras de antes; porque outro alguém se perguntou “por que não?”. E, por fim, porque nesse caso todos os meios conspiraram para que o fim se justificasse.

Assim, no nosso espaço/tempo de 2001, a nave não era uma nave, era uma bola, e o diretor não era Kubrick, era Saldanha. De comum, o fato de ambos terem dirigido uma odisseia no espaço. Kubrick para o futuro do presente, Saldanha para o passado mais que perfeito. 2001, ano da remasterização de nós mesmos; ano do Primeiro Encontro dos Basqueteiros de Uruguaiana.

E lá se foram 16 anos! Neste abril de 2017, acabamos de viver intensamente o IX Encontro. Um acontecimento difícil de narrar, porque é um coquetel de sentimentos, onde os cérebros apenas flutuam sem registros novos, e é como se estivéssemos contando várias vezes a mesma história. São momentos em que raciocinamos com os olhos e nos manifestamos através de beijos e abraços.

O fato de passarmos dois anos nos preparando para esse evento, em tese, quando de sua realização, haveria de ter esgotado o fator surpresa. Todos os passos são previamente definidos, com seus dias, locais e horários combinados. Os protagonistas são todos, e seus papéis já estão decorados, basta vive-los lembrando de como eram, meio século atrás, ou apenas se deixar levar.

Certo, alguma surpresa pode haver para um e outro homenageado, mas como tantos já estão potencialmente inscritos, ser escolhido ou não, não muda seus estados anímicos, ou eventuais discursos. Para estes, falar sobre um eventual troféu ou comenda recebida seria apenas contar um pouco de suas vidas.

A sensação de pertencimento de grupo do Encontro dos Basqueteiros, no entanto, se esvaiu. A programação esportiva que já fazia parte do coletivo de abnegados da cidade, e adotada pelo seu calendário, teve agregado a si outra parte do sonho. Jogar, jogávamos, mas também dançávamos. Que juventude dançante aquela nossa! Assim, vendo a migração para a cidade de tantos amigos antigos, alguns músicos, ícones da época, houveram por bem voltar aos palcos e fazer também o que faziam, ou seja, nos encantarem com o som das músicas dos anos 60/70.

O show Jovem Guarda para sempre se juntou a programação esportiva, e Uruguaiana, que já respirava um passado limpo e lindo, com a presença de ex-atletas e aficionados, passou também a dançar ao som das músicas de antes.

Que dias, esses que vivemos! Dias de realimentar a saudade, porque saudade a gente não mata. Mas é fato que poderemos morrer dela, caso não a realimentemos.

Há muitos agradecimentos a fazer. À organização geral do evento; à dedicação e desprendimento dos músicos; à entidade realizadora SESC FECOMERCIO, aos patrocinadores; ao vendedor de sonhos Matheus Saldanha Filho, e a toda comunidade uruguaianense que sempre nos abraça quando chegamos, e custa a nos soltar dos braços quando precisamos ir embora. Saibam todos que também são esses abraços e laços que nos prendem e nos fazem ter sempre vontade de voltar. Seja em matéria, como estas cedidas em comodato pelo Criador; seja como “poeira ou folha levada, no vento da madrugada...”

Resta dizer do sentimento que tive ao ver o teatro lotado, quando do show, que me sugeriu repetir Paulo Leminski: “haja hoje para tanto ontem”. E haja amanhã para tanto hoje; e haja eu para tantos nós.