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segunda-feira, 29 de dezembro de 2014

FELIZ ANO VELHO



É comum, todos fazem, uns mais outros menos, e aqui vale para longas e derramadas reflexões, ou simplesmente um “ufa!”.

Final de ano é assim: uma catarse. Andei lendo outro dia tudo que venho escrevendo a respeito. É de chorar. Parece que os anos andam se resumindo em dores, e que dezembro, por ser dezembro, talvez, e porque resida lá no décimo segundo andar  do ano, assuste pelo olhar do terraço. Dele tenho a visão, ou revisão, dos desassossegos. Mas porque só deles?

Olhando o tempo, tem sido assim mesmo. Há em dezembro uma espécie de carimbo sinistro, forçando que eu carregue para muito além, as marcas do ano que finda. E a gente sabe que dor tem epicentro e que as felicidades costumam morrer no fim do riso.

Mas neste ano da graça de Nosso Senhor de 2014 não será assim. É decisão minha. Das perdas que houve (e como foram duras as perdas! Quantos amigos queridos se foram?), já sequei o choro. Ficará comigo o que tive antes delas, e em alguns casos o que poderei reconstruir, se for bom para todos que se reconstrua.

A conta assusta um pouco, mas é simples. Digamos que dois terços do caminho já se foram. Assim, o terço que falta será respeitado. E como a decisão é minha, serei respeitado por mim. Se não houver alegria que exacerbe, tampouco me deixarei picar por mínima tristeza, por mais justificada que seja.

Não farei mais retrospectivas. O calendário que siga seu caminho, como seguem as metas comerciais: cumprida a meta; nova meta. Prestações feitas em dezembro não caducam em janeiro; os salários continuarão sendo pagos, despensas e geladeiras com as mesmas necessidades de sempre, e quem foi campeão terá de começar novos campeonatos com zero ponto. 

O que talvez demore um pouco a passar são os 7 x 1 da Copa, mas certamente não terão a força que teve o 2 x 1, do Uruguai, há mais de 60 anos.  O que passou, agora passa mais rápido, e ninguém mais tem tempo, saco ou mesmo direito de viver de glórias ou fracassos passados.


A partir de 2014, ano que agoniza, portanto, será assim: em lugar do “ufa”, um “up!”.  E 2015 está logo ali, mordendo o freio. Então que venha e vamos ser felizes juntos! 

quinta-feira, 20 de novembro de 2014

DILÚVIO



             Do livro Castelo de guardanapos

A Bíblia fala em retornarmos ao pó, mas não sei não. Segundo a classe competente, somos ao redor de oitenta por cento compostos de água, o resto é matéria orgânica de qualidade duvidosa. Se bem que alguns seres vivos honram por demais a categoria. Dá gosto de vê-los nas telas, passarelas, praias, etc. Mas a menos que o Livrão esteja profetizando que iremos, no fim dos tempos, secar o planeta com nossos vícios e maus costumes, e nos matarmos desidratados, não vejo a menor possibilidade  de voltarmos ao tal pó, se é que de lá viemos.

Acho que a coisa está mais para o lado da que consagrou o velho Noé.  Fala-se tanto em aquecimento do globo, derretimento das camadas polares e outros cagaços meteorológicos (vide os tsunamis), fora os não sei quantos desastres naturais de nomes mimosos ( El niño, La niña, imaginem!), que matam e destroem todos os anos, tudo regado a água guasqueada, que penso no nosso fim de caso com o vale de lágrimas, na condição de afogados.

Dizem que vivemos vários ciclos desde os primórdios, e a informação que fica é a que lá, bem no início, isto aqui era tudo água. Tudo o que é gelado na terra vira água, e todo o vapor também. É o ciclo.  Tudo que sobe desce, tudo que nasce morre; quem cai para a segunda divisão sobe depois às estrelas, erguendo-se por Tóquio. O tamanho do ciclo define as grandezas, ora pois.

A metáfora religiosa fala sobre o Dilúvio e eu me ponho cá a pensar,  se não é isso mesmo que acontecerá. A dúvida intrigante é saber quem seriam os escolhidos para subirem à arca. Quem seria o novo Noé, por exemplo? Haveria por certo deputados fazendo lobby, acordos de lideranças, etc. Acontece que pelo tamanho da torta a disputa haveria de ser muito acirrada. Republicanos assexuados versus democratas tarados; petistas e anti-petista, cada um com seu dogma de fé e uma quadrilha de aproveitadores por trás.  Muçulmanos e judeus, católicos e protestantes,  Eta, Ira ; União contra Dom Hermeto e os dois enquadrilhados contra Club Barraca, numa disputa a morrer. Jamais poderíamos admitir um Noé nascido em Libres (mas atenção: o Chicão é argentino!)

Enquanto isso, a turma do oriente nem ai, largando bombinhas nas nuvens para fazer chover mais... Chumbo. Seria difícil encontrar um novo Noé que agradasse a todos. O Mano cansa de dizer “nem eu consegui isso”. Por outro lado, posso imaginar, se é que continua valendo a velha sentença  de que é mais fácil um camelo passar no buraco da agulha do que um rico entrar reino dos céus, alguns figurões sendo barrados na porta da arca pela sua condição social, todos prudentemente acompanhados de advogados com mandado de segurança na mão.

E Paulo Salim e Zé Ribamar? Quem haveria de segurar o Paulo Salim e Zé Ribamar? Não adianta.  Eles vão, vestidos não sei de que espécies, mas vão.

Como o Noé haverá de ser biônico, espera-se dele que, no exercício da função, não faça conchavos, não edite MPs, não distribua cargos de confiança, não pratique nepotismo, nem seja fisiológico, e muito menos faça acordo com o anjo caído para livrar “o seu”. Tipo duas almas por uma. Que faça as licitações corretamente na aquisição da matéria prima para a construção da arca; que leve moças do sul, por que  lá  é que a gente deve casar quando a chuva parar, e os  rios  e os juízos voltarem ao leito normal;  que leve ovelha texel e gado  de sobre-ano,  e não repita a burrice histórica de juntar serpente com maçã.

Ah! E que verifique na entrada atentamente as mãos de quem entra. É fundamental que todos tenham todos os dedos. Não podemos arriscar.


E desde já convido meu amigo Precioso, para manipular a bomba e gelar a serpentina, porque ninguém é louco ou burro de ficar quarenta dias e quarenta noites de bico seco, ou bebendo água da chuva.

sexta-feira, 7 de novembro de 2014

GRENAL




Escondido sob a saia da recente festa democrática, eis que aparece um GreNal. É, um GreNal, aquele jogo que antes dividia o estádio ao meio, e que era uma festa para os olhos, ouvidos e que acelerava os corações.

Mal percebi, talvez pela distância, mas no domingo sela-se o destino de um dos dois no campeonato brasileiro. Qualquer  resultado diferente de vitória deixará um dos gaúchos longe da Libertadores, único trunfo que resta para o ano da graça de Nosso Senhor de 2014.

Ah, sim, o Inter ganhou o Gauchão. Bueno, bueno... Como dizia o inesquecível mestre Cabeça, Seu Ênio, ganhar o campeonato Gaúcho é uma bela porcaria. Mas experimente perder!

Enfim, domingo tem GreNal e a comunidade rubra faz festa com o longo período em que o Grêmio não ganha. Prova cabal de que esse confronto é uma competição à parte. Como pouco ainda resta, melhor é ganhar do rival e chegar à frente dele. Já é consagrador.

Time por time, o Internacional é melhor. Tem o meio de campo dos sonhos de qualquer treinador, e um jogador raro; único no Brasil: D’Alessandro. Tem uma defesa frágil, mas recuperaram o juízo ao sacar Dida do gol (desde quando goleiro dispensado pelo Grêmio serve ao Inter?), e um ataque que recebeu o acréscimo – e que acréscimo – do Nilmar. Na minha visão, continua favorito.

O Grêmio, por tudo e por nada, jogará a morrer, e isso poderá fazer alguma diferença.

Mas o que eu desejo mesmo é que as milícias (malditas milícias) se comportem. Há muito não escrevo nada; não falo nada em vésperas de GreNal. E há muito abomino senhores multiplicadores de ódio, principalmente nas ondas do rádio, que armam e incentivam espíritos bélicos, e cito nominalmente dois, em especial: Kenny Braga e Cacalo, da rádio Gaúcha. Anacrônicos. E não percebem isso!

Paz total não vai haver. Não está no DNA moderno do clássico, mas que a guerra seja suave, e de preferência que fique circunscrita às quatro linhas do campo. Se briga houver, que seja pela vitória.


Como disse, estava despercebido do clássico, mas a partir de agora começam as contrações. Domingo, às quatro da tarde, terei dilatação de quatro dedos.

quinta-feira, 6 de novembro de 2014

ESCONDAM O ESTOPIM

Sou dos que pensam que uma eleição nunca termina. Finda a campanha e “escrutinadas” as urnas, a meu ver, não é hora de recolher opiniões, conceitos ou calarem-se os debates. O que se deve recolher são bandeiras, gritos ensandecidos, carros de som; e que se limpem as sujeiras (a parte inocente delas).

Sou dos que pensam, e agradeço ao Velho por pensar assim, que o after day de uma consagração ou de uma derrota eleitoral, passa a ser hora de arregaçar as mangas, pranchetear promessas e partir para as cobranças. Estando eu do lado que esteja.

E por último, sou dos que pensam que uma eleição não termina com um ou outro lado da população vencedora. Não disputamos um pleito contra outro país. A disputa é interna e o resultado das urnas, para o bem ou para mal, repercutirá na nossa realidade. Talvez por isso tenha me aborrecido muito (MUITO!), o nefasto discurso maniqueísta da briga entre o “nós” e o “eles”. Quando alguém quis separar o Rio Grande, o Brasil inteiro apedrejou o lunático. Nestas eleições, entretanto, metade do Brasil aplaudiu a mesma ideia separatista. Prova que algumas lideranças não sabem o tamanho do estopim das bases, e como elas raciocinam quando em massa.

O pleito acabou (acho). Hora, portanto, de fiscalizar, e aqui me refiro a quem realmente se importa com a causa-Brasil, não com a causa partidária.

Mas há algo muito perigoso no ar. A insatisfação com a rédea frouxa, para dizer o mínimo, do governo em relação as coisas públicas, trouxe um novo elemento das sombras: os militares.

A mim não resta dúvida, porque vivi e tive problemas no período em que o verde-oliva comandava: é um povo honrado, que aprendi a respeitar e que teve menos culpas de tudo que lhes foi atribuído.  Entretanto, existe um fator concreto: militar negocia muito pouco. Militar é treinado para a guerra; é treinado para defender a nação contra o perigo externo; militar não tem adversário, tem inimigo, portanto, suas balas não são de festim e suas porradas são preparadas para matar. Tem pouco ou nenhum treinamento de polícia.

Há pedidos para que os militares retornem ao comando e sinto que muitos deles estão gostando da ideia. Por outro lado, vejo Zé Dirceu e outros saindo da prisão por seus “malfeitos”, e serem ovacionados pela parcela da população que adotou o “rouba-mas-faz”, versão festiva; vejo amigos queridos, de visão absolutamente obstruída com a ideia de alternância no poder, e por isso, só por isso, não tenham dúvidas: uma ação militar contra o governo nos faria chorar milhões de mortes, algumas bem próximas.

Além do quê, no futuro, isso oneraria irremediavelmente o erário a título de indenizações. E nossos netos ou bisnetos iriam à loucura, de saco cheio com uma nova comissão da verdade. No ciclo das verdades.

Considero essas lembranças importantes para quem vive a politica, mas especialmente para quem deseja o retorno dos militares ao comando. Àqueles que repudiam esta ideia, e que respeito também por isso, eu costumo perguntar a idade. Então deixo manifestar a presunção que reservo para esses momentos. Só considero opiniões de pessoas nascidas até a década de 60. Os outros que me perdoem, mas não sabem do que falam.    


   

sexta-feira, 17 de outubro de 2014

FENOJO





















Estamos às vésperas do encerramento da Feira Nacional do Joio e do Trigo, a FENOJO, e muitos ainda não sabem o que fazer. Quem joga no time do joio? Quem joga no time do trigo? E não esperem que os últimos dias esclareçam, uma vez que as assessorias, encarregadas pelos chicletes de ouvido, não conhecem rima com joio. Mas em loiros e límpidos trigais se esbaldam, como se lidassem com as mais santas verdades.

Ao final de uma campanha política, todos nós parecemos mais cansados. Mesmo que a grande maioria dos nossos esforços seja tão somente nos fincarmos no sofá, a fim de ouvirmos o matraquear interminável de criadores de países de sonhos; Da lavanderia de roupas brancas, embebidas de chorume e múltiplos excrementos.

A FENOJO tem comercial caro, equipes caríssimas e grandes produções. Rola um volume de dinheiro quase nunca bem contado, embora use horário gratuito para divulgação. A cada debate, e não falo de debate entre moleques, sempre espero que não; falo de pessoas que atingiram o mais alto escalão das pretensões públicas; falo de homens e mulheres que irão nos representar nas Nações Unidas; que levarão o nome do Brasil a todos os rincões desse mundo de Deus, me estarreço. O nivelamento rasteiro, a falta de educação e postura, me faz lembrar brigas que fariam corar o chinaredo ribeirinho. É bate-boca de tasca, às quatro da manhã, na disputa pelo último borracho.

Fui acostumado com padrões definidos para malandros. Meu pai os classificava assim: espertos, espertinhos e espertalhões, e me mandava escolher qual deles eu pretendia ser. Ele tinha orgulho quando eu me mantinha no primeiro, mas me punia proporcionalmente quando arriscava os outros estágios. 

Por fim, ando desconfiado que democracia, cuja festa máxima é a FENOJO, é um artifício destinado a uma pequena casta formada por espertalhões, que viram na política uma forma fácil de fazer carreira, e que se especializaram em vender almas sem pecado. E nós, cidadãos comuns, não passamos de desclassificados malandros sociais, quase só quando fazemos nossa declaração de bens, ou quando estamos à frente de uma entrevista de emprego.

Em política, muito especialmente no apagar das luzes da FENOJO quadrienal, desconheço a participação de espertos. Mas o Brasil é de quem participa; o mundo é deles, e nós damos graças a Deus por ainda podermos ajudá-los.  



quinta-feira, 16 de outubro de 2014

VERSOS SATÂNICOS 106 – NÚMERO DE VEREADORES




Maior número de vereadores, câmara mais eficaz!
Como dizia Cel. Chagas e Silva: “meu nobre rapaz,
... Estão querendo te passar para traz”.

Mas e essa continha esperta quem faz?
E essa tese sem prova o que me diz?
Claro: nossos preclaros e conspícuos edis.

Querem multiplicar a força motriz,
E para isso usam os mais diversos ardis.
Uns sutis, outros pueris e entre tantos, esse infeliz,
De secar por via escusa o já sofrido erário.

Engraçado.

Sempre ouço profusões verbais em plenário,
De que o legislativo é um verdadeiro calvário;
E que uma vez eleitos, para Cristos, só falta o sudário.
(Puro exercício vocabulário para compor o cenário)

O cofre que sustenta esses beneficiários
É o nosso, portanto, aumentar o contingente ou diminuir,
Não deveria caber  a eles concluir,  consentir, aderir, ganir.
Nem por bastante haveriam de servir as opiniões a seguir:
Do papa, do  emir, do vizir ou do Jair;
O povão é quem deveria decidir.
Então iríamos ao decreto da plebe, o plebiscito;
Ali não ficaria o dito pelo não dito.
Mesmo que vá gerar conflito, que nos ganhem no grito,
(Só de lembrar eu me irrito).
Esse é sempre o mais justo veredicto.
Por esse direito não derrubamos um regime proscrito?
E que não nos embutam o Referendo.
Parece a mesma coisa, mas não é, e se há dúvida, desvendo:
Um é antes do fato, o outro depois, por isso não recomendo,
Porque em política (entendo) o que não podem, acabam fazendo.
Agora imaginem podendo! Ai não tem remendo.

Antecipo meu voto!

Que aumentem o número de edis,
Desde que não me peguem pelos quadris,
Como fizeram no Último tango em Paris.
Assim, que os atuais servidores varonis
Sejam agraciados em seu pleito estatutário,
Mas que não infeccionem o tumor orçamentário,
Na sofrida rubrica que abriga esse numerário.
Ou seja, que dividam seus próprios salários,
Com os novos e valentes correligionários.
Portanto, para o legislativo continuaria a mesma verba,
Independente do número de beneficiários.
(Mas aposto que continuaria a “lesma lerda”).  
E todos continuariam ganhando
Mandatários, partidários, funcionários...
Voluntários, sectários, mercenários...
Teúdas, manteúdas e coadjuvantes salafrários...

E quem pagaria a conta? Os mesmos otários


quarta-feira, 15 de outubro de 2014

DIA DO PROFESSOR




1) As férias de julho se aproximavam e eu não me aguentava nos cascos para varzear.

Faltaria bola, faltaria campo, faltaria rua... Enfim, faltaria tempo para tudo. Nada enche mais o dia de um guri de onze anos, que não ter nada para fazer.

Mas no penúltimo dia a professora me chamou: “leve esse bilhete aos seus pais”. Lá estava escrito algo como isso: “pai e mãe, precisamos melhorar a letra do Jair. Eu me proponho a ajudar durante as férias de julho, na minha casa. Assim, caso concordem, providenciem um caderno de caligrafia para amanhã”.  

Amanhã!!! Era o fim. Nada poderia ser pior.

Entretanto, acabou sendo um mês de julho muito agradável, embora trabalhoso. A professora, com a doçura que a caracterizava, não dava folga. Tratava-se de preencher um caderno, dois cadernos, três cadernos... Repetitivamente. A folga era para um café, uma “batida” de banana e algum bolinho.

Onde acabou essa história: até pouco tempo atrás eu era convidado a subscrever cartões e fazer atas em função da minha caligrafia.

2) Um dos professores de linguagem (língua portuguesa) que tive era jovem, orgulhoso; duro como tronqueira de guajuvira. Um determinado dia pediu uma “composição”. Fomos às letras.

Apresentei o meu trabalho e ele leu atentamente como sempre; releu uma, duas vezes e sentenciou mais ou menos assim: “aqui tem vocabulário, quando tiver sentido poderá ficar bom”.  Não entendi, mas isso foi o suficiente para que eu passasse dois metros e meio de tempo da minha vida buscando sentido no que escrevo.

Nunca pude ser grato o suficiente a professora Ruth Argimon pelo carinho e empenho, mas ao mestre José Edil de Lima Alves eu posso e sou a cada oportunidade que tenho.


Obrigado mestres, e em nome deles abraço a todos.

terça-feira, 14 de outubro de 2014

OVOS PARA O BEM DO BRASIL!


Quando Mario Henrique Simonsen, lá em 1977, a bordo de um barril de carvalho denunciou o chuchu por formação de quadrilha, assalto a cesta básica e principal líder pró-inflação, virou piada.

Certo, na época a gente podia gritar, mas não muito; podia espernear, mas com calma. Protestar, enfim podia, desde que não cheirasse a pólvora. Lembro que um diferencial para o protesto era usar terno e gravata, e nunca fazendo bagunça na rua. Barbudo de brim Coringa e alpargatas era risco. Com bandeira, então, ia direto ao teste de amperagem testicular nos jacarezinhos do Dops.

Mas na época, quem dava mais do que chuchu na serra eram os índices inflacionários. Que segundo me prometeram em 1994 “já eram”.

Não vi ninguém do governo atual culpar o ovo pelo aumento da inflação, ao contrário, ele, o ovo, dizem, é a salvação. Ex-vilão e grande parceiro do LDL, chega agora à consagração para as fumacentas manhãs de domingo.  

Assim gauchada velha, largue mão da minga, do salsichão e outras “hachuras” assadas a meia-guampa. Picanha, então, nem pensar. Assem ovos, não os de touro, que esses se come apenas uma vez por ano. Assem ovos! Ovos para o bem do Brasil.

Essa do ovo, como há muito foi o chuchu, vai para os anais (ou no caso específico volta, posto que dos anais veio) da economia, como coadjuvante na história tragicômica da retomada da inflação, por conta das sumidades que hoje nos dirigem.


A situação, entretanto, me parece “clara”: não “gema”. Vote para mudar.

sábado, 11 de outubro de 2014

HOY SOY TU SILENCIO


Um dia fui visitá-lo. Morava sozinho. Viuvara cedo e nunca mais quis arriscar no ofício de marido. Melhor dizendo, morava quase sozinho, posto que, vez por outra, alguma amiga comparecia para “arrumar a casa” segundo ele. Nunca a mesma para não criar vínculos “trabalhistas”. E quase sozinho porque nunca abria mão de ter com ele um cachorro. O meu amor pelos bichos vem daí.

Nesse dia quente de dezembro a tarde se arrastava, e nós, como sempre, contávamos as mesmas histórias, que sempre pareciam novas. E o que um dia o deixara brabo e a mim receoso, virara piada. Coisa leve, tipo: “Pai, tu sabias que eu tinha sido expulso do colégio?”. “Não, quando foi isso, filho da puta?”. Bem leve.

De tempos em tempos ele ralhava “já pra fora, meu filho”. Eu ria. Histórias e mais histórias, risos e mais risos e ... “já pra fora, meu  filho”.

Puta que pariu! “Quiéisso pai? Já tá me mandando embora?”. Então a revelação: “Não, guri. Meu filho é o nome do cachorro”.

Ele era assim. Irônico, brincalhão, extremamente inteligente, apaixonado por futebol, esporte em que foi mestre. Dele herdei alguma coisa. Não muitas. Caso fosse agraciado com essa última virtude, por exemplo, estaria rico.


Beijo, velho, hoje seríamos quase contemporâneos. Quero dizer com isso que me fazes mais falta ainda. Feliz 95.

quinta-feira, 11 de setembro de 2014

LUTAR, AINDA QUE SEJA COM O TOCO DA ADAGA



Há uma brisa de esperança soprando pelos lados do Humaitá. Um clima de anos 90, lá, bem no início, quando o gringo birrento e antissocial reassumia uma nau à deriva.  Foi um duro recomeço, coalhado de desconfianças e pedidos de “fora” ou “burro”.

A nau, como é cíclico no mar de angústias que cerca o futebol, voltou à deriva. Mas também em busca de uma tábua andava o velho comandante, arrasado por uma batalha que dizimou tropa e moral a golpes mortais.

Ao se reencontrarem devem ter entendido ser um a salvação do outro, e se entregaram em busca de águas mais calmas.

Mas o perfil de ambos não conhece águas calmas. Não são nadadores de piscina. Precisam da energia das tempestades para dar fôlego à vida.

Luiz Felipe, o Felipão, e o Grêmio são um do outro. Realimentam-se nos fracassos. Tropeçam e caem no decorrer de suas jornadas; lutam até o último segundo para encontrar o mínimo, que às vezes foge, mas que daqui a pouco vem com sobras.

Não sei até onde poderá ir este atual time do Grêmio. Há muitas carências. Percebo, porém, que na mudança de casa, algo que havia sido esquecido no Olímpico, finalmente chegou à Arena: a garra gremista, que no longo de sua história quase sempre esteve acima dos aspectos técnicos.  E nisso se nota o indefectível estilo Felipão. Do velho e quixotesco Felipão e seu indefectível Murtosa, que faltou à seleção brasileira.

O trabalho é novo, não há muito ainda a ser cobrado, mas a renovação, ao estilo do que havia sido feito nos anos 90, tem sido importante para isso.


Aguardemos, esperando que a torcida gremista tome tento; que se comporte em campo porque o prejuízo deste ano já foi grande. E quem quiser cobrar resultados agora, que assista outro esporte.  Futebol precisa de tempo, mesmo que não haja.         

terça-feira, 9 de setembro de 2014

Versos satânicos 102 - VERDE QUE TEMIA VER-TE



VERDE QUE TEMIA VER-TE

Se eu fosse deputado
Estaria preocupado com os ares do quartel.
Os milicos da antiga andam com cara de briga,
E o povo até que se liga, quando enxerga um coronel.

Se eu fosse deputado,
Que o AI-5 tivesse cassado,
E se me tivessem encarcerado,
Colocaria as barbas de molho.

Me lembraria do exílio, longe da mulher e do filho,
Sem poder sair dos trilhos, tendo na nuca um ferrolho.  
Quem viveu a ditadura,
Sabe que não é frescura andar sob a linha dura,
Dormindo com um só olho.

Se eu fosse deputado
Estaria muito bem alinhado no direito e na justiça,
Pois o Partido Verde de agora, não é igual ao de outrora,
Que há muito foi embora, deixando cheiro de carniça.

Aquele era o verde-oliva-cassetete,
Que tinha como premissa
Choque em testículos, torniquete,
E colocava alfinete no furinho da linguiça.

Se eu fosse deputado,
Que da liberdade tivesse abusado,
Ou que tivesse feito vista grossa,
Com quem nos colocou na fossa,

De pronto apelaria ao Exu,
Porque se sair o Urutu,
Vai esquentar pra chuchu.
Que até o belzebu se cagará de medo.

E desde agora me antecedo:
Milico não é brinquedo,
Onde quer que enfie o dedo,
Não escapa nem tatu

O soldado não tem nada a ver com política.
É duro e treinado pra guerra,
Portanto, aqui deixo uma dica:
Bom cabrito não berra!

Sem general não se faz revolução.
Hoje, já andam pedindo continência;
E cuidado: pois por mera coincidência;
Tem um da família Mourão. 

segunda-feira, 1 de setembro de 2014

O QUE ME NUTRE, ME DESTROI



Sou contra as torcidas organizadas. São verdadeiras milícias urbanas subsidiadas pelos clubes. Têm pouco de torcida e nada, absolutamente nada de organização. São fachadas sociais que abrigam o pior da marginalidade sob o guarda-chuva covarde e interesseiro de dirigentes, que se tornam tão criminosos quanto, pois além da cobertura oferecem subsídios à baderna. Criminosos por responsabilidade.

Oponho-me a elas, mas desgraçadamente, a instituição da democracia nos clubes dá às “organizadas” poder de voto e a sacanagem assim se retroalimenta.

O Grêmio vai pagar caro, e defendo que pague, pela grosseria da sua torcida. E uma pena digna seria jogar o restante do campeonato com estádio vazio. Pode ser que aprendam. Não acho que uma pena técnica (eliminação ou perda de pontos) seja justa. Digo isso mais por coerência que por saber jurídico, pois também achei absurda a decisão do STJD de 2005.  

As evacuações verbais de ontem (31/08) na Arena do Grêmio, não tinham, entretanto, um alvo no campo. Foram manifestações políticas de sócios e conselheiros, adversários da atual direção, que torcem não pelo time, mas pelo quanto pior melhor nesta gestão, que lhes tirou alguns privilégios. Mas isso não será compreendido, e é entendível que não seja por quem não conhece a intimidade tricolor. O que ocorreu ontem haverá de ser somatizado aos lamentáveis acontecimentos do jogo contra o Santos.

E quanto aos profissionais de imprensa engajados. Estes, indiferentes aos canhões de mídia que têm a disposição; que são ouvidos, aceitos e seguidos pelos seus leitores e ouvintes, vivem de criar animosidades, comprimir mandíbulas e fomentar violência entre adversários. Que me poupem de seus arroubos histriônicos.

Como nas revoluções ou guerras, só as inocentes massas de manobras sangram o chão.


quarta-feira, 27 de agosto de 2014

Ora ( direis ) ouvir estrelas!





... Certo perdeste o senso! (Olavo Bilac)
                                               
Há ouvidos capazes de ouvir estrelas. Especialmente uma que cintilou um dia como Dalva; brilhou num universo de esperanças, foi portadora de sonhos e iluminou por muito as grandes maiorias então caladas. Mas dela pouco restou além da forma e a maneira de plantar verdades.

Ela nada mais tem sido que o velho e combatido populismo nas querelas de antanho, hoje grife de um homem que passou a ser desconhecido por muitos. Basta que se compare falas, fatos e fotos; se perceba seus novos discursos cuspidos e o líquido percolado que deixou escorrer atrás de si. Um homem que ainda mantém a ordenação das vontades companheiras; o poder das bolsas pobres em nichos pontuais; a batuta competente e sinistra dos bastidores onde rege a orquestra dos iludidos eleitores do assistencialismo. O dono da estrela.

Messianismo puro, antes detratado. Liderança fundamentalista que cega e ensurdece. Induz a ouvir uma única toada e ver o único corpo celeste com o qual conversa. Doce como o veneno mais traiçoeiro: Lula-lá, brilha uma estrela, Lula-lá.... Como disse o poeta, só quem ama pode ter ouvido capaz de ouvir e entender estrelas. Ou cegar-se por elas. 

Nada parece abalar esse brilho de luz carmin, como o das velhas tascas. Não por acaso, portanto, há por trás disso uma camarilha de cafetões a copular com a nossa sorte e a manter seduzida esta legião de convictos, que sustentam seu ícone no mesmo e até o momento inabalável percentual indicativo de, no mínimo, segundo turno em qualquer eleição majoritária. O partido que engrossa a fileira dos revoltados com Guantánamo se orgulha desse aprisionamento.

E aqui jaz, amigos que eu mantive, e outros tantos que tenho, mas cujo senso comum se dispersou, o meu mais constrangido respeito. E pena.

Por ser um desportista e até algum tempo frequentador de estádios, faço parte de uma comunidade que olha as torcidas como um modelo distorcido e especial de inconsciente coletivo. E é assim que também vejo os portadores da bandeira vermelha com estrelinha no meio: não são eleitores, são torcedores. A despeito do que venha a acontecer com a sigla, dos desmandos e falcatruas que seus representantes venham praticar, lá estarão eles fiéis e apaixonados, no entanto, de janela aberta, pálidos de espanto. Tresloucados irmãos que se importam pouco com a segunda divisão da ética.

Essa parcela de povo acredita ser possível o líder de um grupo não saber o que possam ter feito seus pares. Temo que chegue o momento em que o próprio líder, com a consciência em metástase, use o palanque do horário nobre, diga que sabia de tudo e mostrando seu sorriso de retirante e gesticulando com a mão desfalcada, se confesse arrependido. Temo pelo eventual resultado das pesquisas imediatamente posteriores. Prêmio pela sinceridade.

Lula sabe. Impossível que não saiba. Até o Bobota saberia quem é quem, e quem fez o quê nos bastidores da estrela de cor carmin. Segue, entretanto, impermeável em sua balada peregrina, ora comparando-se a Jesus, ora a Abraham Lincoln. E na condição de estrela, oferece sua luz magnânima aos postes que o sucedem.


Supernova é o nome de uma estrela explodida. Mas isso pouco interessa, porque que alguns continuarão conversando com ela, ainda que se torne um buraco negro.

sexta-feira, 25 de julho de 2014

ENQUANTO ISSO, NO CIRCO, O PALHAÇO BRIGAVA COM O ANÃO



Pouco tinha ouvido falar do cidadão Yigal Palmor. Com a desqualificada de ontem, chamando-nos de “anão diplomático”, tive por ele, num primeiro momento, uma espécie de sentimento robertojeffersiano, uma vez que "despertou em mim os instintos mais primitivos". Depois, pensando melhor, perguntei se ultimamente andamos mesmo lendo as cartilhas do Instituto Rio Branco, instituição responsável pela formação de nossos diplomatas.

Temo que o nosso Itamaraty tenha se ideologizado; não esteja olhando mais as questões internacionais com distanciamento crítico saudável. Temo que tenha avermelhado os olhos. Sempre há uma opção de lado, quando o que se recomenda é a equidistância.

Por aqui defendemos a ditadura cubana como se fosse a melhor e mais pura das democracias, e não só isso, ajudamos a sustenta-la. Aplaudimos Zelaya, Chaves e Maduro; gostamos de quem Putin nos manda gostar, como se a velha “cortina de ferro”, finalmente, cobrisse o sol da liberdade em raios fúlgidos, que já brilhou no céu da pátria em algum instante.   

Ora, os povos do deserto estão em guerra. Faz tempo isso. Algo em torno de sempre, e até que pingue a última gota de sangue deverão estar. Digo isso com um lamento tão grande; tão consternado, porque tenho amigos queridos dos dois lados, e porque sei o quanto rezam para que por lá se encontre a paz.

Mas e então, vamos permitir que um porta-voz boquirroto nos coloque no nosso devido lugar, dizendo que o time do Itamaraty é tão vexatório quanto foi time que nos representou na última Copa? Dona Dilma já havia dito algo parecido com “nosso governo tem padrão Felipão”. Deve ser isso.

O tal Ygal conseguiu me convencer que sou mesmo um anão diplomático, mas o Itamaraty deles também não é lá grande coisa. Talvez por isso não consigam conquistar (ou será que não querem) a paz.

E o nosso embaixador deveria ter lembrado àquele cidadão, o quanto nossa terra tem sido acolhedora para com seus patrícios, e lembrar-lhe que por aqui vivem em paz e em perfeita harmonia com os coirmãos que por lá estão sempre na linha de tiro.

Também não consigo ver como uma guerra poderia ser “proporcional”. Guerras não são justas. Não é um jogo, ou uma luta de boxe, onde se digladiam adversários de categorias iguais. É uma ação onde o que tem mais poder de fogo usa em busca da vitória. E sempre, em qualquer situação, morrem apenas os inocentes.  


Mas isso fica para o campo de batalha, não para o campo das ideias, onde definitivamente, e com pesar devo admitir, o nanismo grassa em metástase.    

quinta-feira, 5 de junho de 2014

ADEUS, COMPLEXO DE VIRA-LATAS!


Somos um país riquíssimo, e isto já não é novidade. Veja o que pagamos de impostos, o quanto pagamos de salários oficiais, o quanto emprestamos a fundo perdido para países menos afortunados, ou parceiros, e o que ainda sobra para falcatruas oficiais, passivas e ativas. Desmandos que devem justificar o PIB raquítico.

Disseram que as jazidas de petróleo descobertas nos dariam auto-suficiência, a ponto de nos tornarmos exportadores do produto e derivados. Uma riqueza igual as esmeraldas de Minas e a Serra Pelada de tantas mortes. A maioria viu pouco, mas uma minoria viu muito e ganhou muito. Não é o caso, no momento.

As perguntas que faço são as seguintes: Em que produto fomos líderes mundiais e poderemos rapidamente voltar a ser? Qual produto nos deu um subproduto apelidado de rei, cuja soberania será para a eternidade? O que mexe com tantas paixões, no mínimo onze meses no ano, gerando recursos estratosféricos? E isto em nível mundial.

Um dia alguém nos chamou de “país do futebol”. Já fomos, mas voltar a ser é uma expectativa que pode acontecer logo ali, afinal, mesmo com uma safra de atletas sofrível, continuamos exportando e muito. Infelizmente não nos organizamos profissionalmente do túnel para fora.  Ainda somos dirigidos por aproveitadores no primeiro escalão e amadores no segundo.

Mal comparando, nosso rebanho ainda é criado no velho estilo da pecuária expansiva. Perde-se um aqui, outro acolá, mas como a produção é farta, não mudamos os métodos. A Europa, entretanto, há muito adotou o confinamento, pesquisa e melhoramento da espécie. A produção por aqui continua farta, mas a qualidade, por conta do desleixo expansionista, mixou.   

Veja, no entanto que, apesar de tudo isso, estamos ali, taco a taco, com os poderosos (putz!), e não só por sermos sede, somos novamente candidatos ao título.

Vai ter Copa, agora não adianta espernear. Deveriam tê-lo feito há oito anos, caso fossem contrários. E percam as esperanças: o dinheiro gasto, jamais seria destinado a hospitais e escolas, infelizmente. Seria desviado para outras ações, talvez menos nobres. Há um amplo histórico para provar isso.


E eu vou torcer pelo Brasil, claro. Nasci aqui, moro aqui e há muito rasguei o recibo. Larguei o complexo de vira-latas.  

sábado, 24 de maio de 2014

MULHERES QUE MATAM BARATAS


Um jovem amigo acaba de separar-se da família, há não muito constituída, e ainda não conseguiu elaborar bem a nova situação. Tateia no mundo especulando novos rumos afetivos, sujeito aos apelos e oportunidades que encontra; procura-se em outros corpos; procura o brilho antigo, ora ofuscado, mirando pupilas de por ai. Enfim, caiu de um barco que já zarpara à deriva, e busca um porto, ou uma tábua. Ou um colo. Ou um porto, uma tábua e um colo.

Disse-me ele que, caso pudesse voltar atrás, faria tudo igual, ou seja, entende que pela força dos motivos, a separação seria inevitável, mas por tudo que perdeu, caso soubesse disso, jamais teria abandonado o barco. 

Tem tentando voltar atrás, a opção dela, entretanto, é outra.
 
Meu amigo jovem não compreende como pode sua ex-esposa aceitar tão facilmente a nova situação, mesmo com um lindo fruto da relação. E até se deprime por vê-la feliz e resolvida.  Ele sabe mais por autoconfiança que por informações do mercado que é um bom amante, e é um cidadão nos limites da normalidade. Não haveria justificativa para que ela, que há não muito o amava, ele tinha certeza disto, num zás, o esquecesse.    
  
A superação da mulher como ente não é tema novo. Mas de fato, e voltado estritamente para as relações pessoais, quantos de nós percebemos isto? Quantos compreendemos e aceitamos ver a ex-dona-de-casa, na cabeça do casal? E luzindo por conta de seus talentos e força, sem um “oi” da nossa presença? Acho que os mais veteranos compreenderam antes, e não só por estarem a mais tempo na pista. Compreenderam na marra e, claro, por juízo, se adequaram. Talvez tenham esquecido de repassar o novo estágio aos filhos varões, embora estes já devessem estar acostumados a duelar com as parceiras em casa e no cotidiano. 

Duelar, sim. Antes os homens não aceitavam competir por prepotência, agora, os que não conseguem fugir da raia têm de ir para o embate. Mas atenção: este pode ser um jogo muito gostoso, e que até sirva de salvo-conduto para uma relação duradoura, desde que percebam que o oponente não é adversário, é apenas o outro lado da cama que precisa ser conquistado constantemente, e o outro lado da mesa que precisa ser olhado nos olhos. Que os homens, principalmente estes, não percam a boca, mas que a façam coadjuvar-se pelos ouvidos também. Adversários há, mas estão sempre do lado de fora e permanentemente à espreita. Um vacilo e eles atacam. Como parece ter acontecido com o meu jovem amigo.

Crescemos nós, machistas veteranos, vendo as irmãs e primas brincando de casinha e boneca, preparando-se para a nobre atividade doméstica. O estudo era quase facultativo e às vezes até proibitivo. Sem ser redundante, o normal era que cursassem a Escola Normal (o nome não deve ter sido escolhido ao acaso). Estudar era tarefa mais para homens: “tem que ser dotor”, ouvia-mos.  

Mas em meio ao murmúrio que se formava lá nos anos 60, de repente as saias subiram para além dos joelhos (quatro dedos! Pois sim...) e a coisa não parou mais de mudar. As saias só voltaram ao leito antigo por circunstancialidades de modas, ou mera opção. Isso é apenas o símbolo de uma época, mas foi assim que  passamos a dividir o protagonismo, quando muito.

As mulheres de hoje nada tem a ver com as que conhecemos até a revolução de 60. E se nós, veteranos do batalhão precursor da “redentora” não preparamos os nossos filhos, a culpa é mais nossa que deles. Mais uma na conta dos nossos erros. Era preciso repassar mais do que o orgulho de termos recriado a liberdade, e revolucionarmos costumes.

Virou o dia. Hoje a caça também caça. A gazela que toda manhã deveria correr mais que o leão ou seria morta, agora tem dentes; e o leão, que toda manhã deveria correr mais do que a gazela ou morreria de fome, hoje tem de ser mais forte, mais esperto, saber negociar. Eis a questão final: Num relacionamento há que saber negociar, perder para ganhar; dividir para multiplicar; diminuir para somar. Uma contabilidade simples. Um livro razão, não por isso racional, mas também afetivo.

Por fim, é justo e democrático que o sentimento que consagra a estima seja via de duas mãos: o desejo de ser escolhido só é menor que a possibilidade de escolher. Esta sim realiza.

A mulher moderna já não perde o chinelo subindo na cadeira, ao contrário, pega o chinelo e mata a barata.

terça-feira, 20 de maio de 2014

HIER ENCORE



Hier encore/ J'avais vingt ans/ Je caressais le temps/ Et jouais de la vie
Ontem ainda eu tinha vinte anos; eu acariciava o tempo e brincava de viver...”

Minha juventude pampeana "bombeou" à distância o surubão de Woodstock como momento ícone do novo tempo, ainda que carregada de espanto.  Mas não me rendi à maioria de seus arquitetos e suas obras, bem como a boa parte dos conceitos resultantes daquela "Exposição aquariana". No entanto, lembro-me de tudo. Gostei de ser uma das partículas minúsculas, eternas e indivisíveis; um átomo daquele momento. Foi ainda ontem, eu tinha vinte anos, brincava tanto de viver que fiz votos de ser jovem para sempre. 
Foi ainda ontem também, e eu nem tinha vinte anos, que a música francesa ultrapassou meus tímpanos e se instalou na memória randômica. Descobri e amei Nana Moskouri, a grega de timbre anômalo, e que não veio só. Trouxe Adamo, Piaff, Dalidá, Vartan, Hardy,  entre vários outros, e... Charles Aznavour, o franco/armênio de voz única.
Aznavour chegou para ser um grande parceiro  de insônias, involuntárias por arritmias cardíacas de curto prazo, ou induzidas por absoluta necessidade de que a noite não terminasse. Com ele, Sinatra, Jobim e os quatro cavaleiros de Liverpool, apocalípticos de muitos sonhos juvenis. São os que deixaram sons reverberando no cosmo, para que pousem em momentos sensíveis de afeto ou falta dele, de alegria ou falta dela. Aznavour nunca será passado. Ele é um dos verbos de Deus que se fez carne. Nele vejo tão somente uma conjugação e um tempo possíveis: o presente do indicativo de “ser”. O verbo de ligação dele com o sempre.
Ainda ontem éramos todos jovens, talvez um pouco mais românticos que os de hoje e acariciávamos o tempo. Éramos menos afeitos às sinfonias rudes. Hier encore foi o modo mágico que Aznavour escolheu para descrever (descrever?) o que foi o “ainda ontem” de todos nós. Não é apenas uma música linda, é um hino à reflexão. Uma regressão sentida; o sonho impossível de extinguir os calendários e estancar o inexorável. Ou uma confissão de culpa por tudo que ficou na estação de partida, lá onde deixamos coisas a serem feitas; momentos que quiséramos reviver a cada sexta-feira, e outros  judiados e jogados fora, marcas que serão os danos emergentes cobrados no juízo final.

Charles Aznavour é eterno! Digo obrigado à vida por ter vivido no mesmo mundo que ele e com todo tempo que tive para deixar que o som da sua voz desse menos rusticidade às coisas. E Hier encore é para mim inesquecível porque, entre outras coisas, pulsa com algo que já foi promessa e que, por impossível, contenta-se com o simples desejo e esforço de ser sempre como ainda ontem. Parte dos tantos projetos que ficaram no ar (J'ai fait tant de projets/ Qui sont restés en l'air).

Ainda ontem imobilizei meus sorrisos e congelei meus choros. Onde estão agora meus vinte anos?  (Hier encore ... J'ai figé mes sourires/Et j'ai glacé mes pleurs/ Où sont-ils à présent/A présent mes vingt ans?). Os anos se vão, e os vinte há muito já se foram. Deles me lembro, porque lembranças e sons sempre me comovem e enfim, porque  trouxe comigo os bolsos do coração cheios de afetos que não envelhecem, e assim a minha passagem por lá não tem como ser esquecida.  

Primeiro de outubro é um dia comum na galeria dos melhores. Charles apenas não fará apresentação ao vivo. E nem precisa.  

Merci, Charles. Toujours.

https://www.youtube.com/watch?v=cjEQVeGIRJc