Disseste-me uma vez: “se tiver chance, não desiste, mas não
dá soco em faca de ponta”. Não me lembro de que se tratava, mas independente do
que fosse, continuo mantendo como verdade.
Passei um naco de tempo desistindo das coisas, mas não sem antes tentar muito
para ver se davam certo. Portanto, essa foi uma coisa que aprendi.
E também repetias, premonitoriamente: “a gente é o pai, que foi como filho”. Hoje
não tenho dúvidas disso.
Mas vezes também não me dizias nada, apenas sacudias a
cabeça, vertical ou horizontalmente, aprovando ou reprovando alguma coisa que
eu fazia.
É, meu velho, não foi fácil lidar comigo. Eu sei disso, mas
tu sabias muito mais. Sabias por que foste o precursor de uma dinastia inteira, que se caracteriza por ter o beiço mais duro que matungo de quartel. Certa vez te ouvi
dizendo a um amigo: “não adianta, esse é meu filho. O beiço não nega”. Não há orgulho nenhum nisso. Ao contrário, acho que há muito mais coisas a
lamentar, e o preço caro demais. Paciência, que se cumpra a sina.
Orgulho tenho, entretanto, por ter convivido contigo, lamentavelmente por pouco tempo. Por
poder dizer por ai, que sou filho de um cara singular, que brilhou quando quis;
no que quis e que depois deixou pra lá, porque sabia como poucos o quanto o
brilho é sensível, fugaz e ilusório.
Hoje seríamos quase contemporâneos, contando a idade da tua
partida. Amigos, muito amigos, certamente. Não nos sentaríamos no bar, porque
tu não bebias e eu não gosto de beber sozinho, mas procuraríamos uma arquibancada
para travarmos severa discussão sobre futebol. E não adiantaria nada tentarmos
convencer um ao outro, afinal, somos Portella, e isso basta para que não haja
acordo.
Meu querido, meu velho, meu amigo... Hoje, 96 aninhos. Soprem-se as velinhas em algum lugar do
espaço.
Saudades, muitas saudades,
e muito mais do que perdi de viver contigo.
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