Uma
moça chamada Ernestina, aos dezenove anos fazia o que hoje se reverbera como
trabalho social. Não tinha grande preparo a não ser na delicada missão de ser
mãe, mas o que a maturidade precoce e a escolaridade média lhe ensinaram
distribuía graciosamente à vizinhança ainda menos favorecida. Assim, brincava
de dar aulas alfabetizando crianças, e ensinava as meninas coisas práticas para
as exigências vigentes, como costurar, cozinhar, aplicar injeções. Tarefas que
a levavam a percorrer grandes distâncias vez por outra. Lembro que era muito
querida e requisitada naquela periferia erma, distante do grande povo. Parte do
contexto, ganhei com isso a alfabetização aos quatro anos e as honras mal
percebidas de ser o filho da “santinha”. Ela morou pouco por aqui, viveu com
urgência extrema, mas fez além da parte dela, um grande pedaço da minha.
Fez
o que manda fazer aquele velho pescador da fábula, que ao amanhecer encontrou a
orla repleta de estrelas do mar. Uma por uma ia gastando seu dia devolvendo-as à
água, esquecendo de sua própria tarefa de sobrevivência. Alguém que observava
teria lhe dito: “meu velho, nem que leves a vida inteira poderás devolver todas
ao mar”. Ao que ele teria respondido: “mesmo
que conseguisse devolver apenas uma já teria feito a minha parte”. Piegas? Pode
ser. Pessoas assim se multiplicam pouco, tornam-se fototrópicas negativas e
vicejam apenas no substrato social, pela grandiosidade da sua modéstia.
Minha
mãe morreu numa idade de chorar perdas. Foi enterrada numa idade de enterrar
seus mortos: vinte e oito anos. Não deve ter levado nada, pois tudo que teve e foi, sepultou na enorme cova que deixou no peito
dos que a amam, com um recado monossilábico, mas suficiente na lápide: inesquecível.
Foi um lapso de vida de desfecho incompreensível, resistente a curas. E se foi brilhar
no nada, deixando um homem e meio tateando caminhos de penas, abrandadas pelas
pegadas de luz que deixou cair.
Neste
dia eu paro um tempo, não sei quanto. O tempo suficiente para desenhar seu
jeito. Sei que existem ameixas pretas e até as vejo por ai, graúdas e lindas,
mas nunca terão o brilho e a doçura que ela tinha no olhar. A grande floresta
negra que despencava em linha reta para muito
além dos ombros, hoje talvez tivesse outra cor, ou outras cores, mas ai já não
seria a grande floresta negra onde eu enroscava meus dedos infantis. Paro um
tempo e paro no tempo. Lá longe, onde nem lembro mais, mas onde tenho certeza
que vivi por que é o endereço da minha saudade.
Passados dezenas de anos, neste dia, ela bate na porta do meu coração
trazendo seus biscoitos com sabor de mãe.
Feliz
Dia das Mães, guria. E que estejas bem e feliz ai onde nossos queridos,
contemplados por fé dizem que estás.
Um comentário:
Parfabéns pelo escrito, Jair. LIndo...
Postar um comentário