“Por longo que seja o caminho percorrido,
Que incontáveis aventuras eu tenha vivido,
E nem por trinta e três de envido
Eu abro mão das minhas saudades.
Não há jura de alegria imorredoura
Que me faça esquecer as gurias de eslaque;
Do charme soberbo da Dora Jacques
E dos mistérios da Pata Moura.
Como esquecer o tilintar da frigideira
Das baterias de Cova e Rouxinóis,
No improvável carnaval da fronteira?
E jamais esquecer o lambuzo dos lençóis
Na formação dos pubianos caracóis.
Da terra que eu apelidei de santa
Tenho um duro nó na garganta
Quando peço ao Velho que me garanta
A alegria de sempre voltar.
Mas como poesia só entra no meu balaio
Quando me lembro da irmã do papagaio,
Não truco, não retruco e não minto,
Pego uma garrafa de tinto,
Canto flor e saio”.
Nunca deveria começar com versinhos. Não sei compatibilizar direito os ritmos, muito menos consegui definir o tal modelo estruturante das métricas. Não me entendo bem com os aspectos técnicos da poesia e estamos conversados. Porém, o prenúncio de ir à minha terra santa mexe com os guardanapos escondidos e rabiscados, e fico cá tomado de wamosys, o Alceu que me perdoe.
A Uruguaiana nunca vou, sempre volto, e penso que este é um pensamento comum a todas as pessoas amigas que fazem parte da enorme delegação prestes a chegar em mais um setembro, esse cheio de cuidados e medos. Vamos atrás da nossa saudade. Lá vamos nós tentar crucificá-la, ela que tanto nos judia, para depois, logo ali no terceiro dia, como aconteceu com o Mano, ressuscitá-la. E assim há de ser até que tenhamos esquecido o número do nosso CPF.
É teimosa nossa saudade e imorredoura, porque a cada volta, menos sabemos da terra que estamos visitando. Não é a mesma, claro. Alguns sorrisos já se perderam; as ruas se impermeabilizaram de negro, as casas treparam umas sobre as outras e as quadras traçadas pela régua cuidadosa de Domingos de Almeida, pela periferia expandida, se entortaram. Mas é lá, bem lá e antes de tudo isso, que mora quem vamos visitar. Ou é aqui, bem aqui onde só nós pensamos ver.
Breve estaremos em Uruguaiana. Ainda de máscaras, receosos, com beijos e abraços amordaçados. Somos sempre uma comitiva moribunda de lembranças, só as boas. Que possamos festejar o fato insólito de mais uma vez viajarmos no tempo, naquela equação improvável de quilômetros, raiz quadrada de anos, cumprindo um paradoxo temporal, sem a menor intenção mudar nada. Os nativos verão o mesmo bando de velhos adolescentes em excursão colegial. Meninos e meninas-avós em busca de novas fotos que retratem um passado mais que perfeito, mesmo que a esse passado se agreguem fatos novos. Mas passado é passado, vale como for contado, e do jeito que eu conto às vezes até eu acredito.
Quando setembro vier!
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