Lendas
"sharpeanas" (2)
Maria era uma mulher de fé. Não só por suas
ações como pela quantidade de guias multicoloridas que pendurava no pescoço,
uma para cada entidade, e segundo ela, todas do bem.
E a filial Porto Alegre da Sharp era cheia de
criaturas sempre dispostas a fazer graça com tudo, inclusive com a boa fé dos
outros. Mas uma em particular.
O fato de esta criatura ter, certo dia,
quebrado uma bolinha de pingue-pongue na sala da associação de funcionários lhe
sugeriu uma idéia. Imaginou de cada metade da bola um globo ocular enorme.
Então, com pincéis atômicos preto e vermelho desenhou pupilas e vasos
sanguíneos, testou para ver se seguravam bem franzindo o cenho, e reservou.
A cozinha da filial, reduto da Maria, era um
pequeno corredor escuro, com os equipamentos necessários à limpeza e ao
cafezinho, situados no final deste espaço.
Na primeira oportunidade, quando Maria
voltava do almoço e se recolhia à sua cozinha, lá estava o engraçadinho
esperando por ela, na luz difusa do ambiente. Mas ele simulava um ritual de
umbanda, girando, gesticulando e resmungando cantos típicos, de costas para a
porta. Maria entrou, se impactou, mas imediatamente se sentiu privilegiada,
afinal, estava sendo visitada por uma entidade de poder, ela tinha certeza. Em
posição de respeito e ansiosa por participar perguntou: “Saravá, que tu qué
de mim, meu pai?”. O “pai” atendeu: “Saravá! A zifia tem colírio?”.
E virou-se para ela mostrando o rosto com os dois enormes olhos inventados.
Maria desmaiou, houve pedido de socorro,
muita preocupação, sobretudo demoradas explicações, e uma grande mijada com ameaça de demissão. E por muito
tempo um comportamento quase exemplar do engraçadinho.
Maria nunca mais tratou o malandro, que era
mimado por ela, da mesma forma. Não gostava mais dele, claro, mas tinha um
respeito... Vá que fosse?
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