Powered By Blogger

terça-feira, 27 de fevereiro de 2018

Giant



Do livro “Assim como era no princípio!
O Criador estava em alfa (ou haveria de ter andado fumando coisas e “viajado”) lá pelo sexto dia, momento em que sublimou a espécie. Produziu linhas e tonalidades de formas a consagrar sua mania de perfeição, e simplesmente descartou a fórmula.  Por certo que naquelas horas de fastio e soberba, consolidada a magnífica obra, garganteou seu bordão à eternidade sobre imagem e semelhança.
 Da obra minimizada restaram céu e mar, em dias de incompreensível tom de azul encravados em lousa de alabastro, a fomentar e inquietar sonhos juvenis. Serenos, sombreados de cílios foram ter comigo, certa vez, durante três horas e meia. Flutuei à deriva sobre aquelas águas translúcidas, que simploriamente os mortais chamavam de olhos violeta. A época e a idade propiciavam navegar ao limite (que limite?) da fantasia e produzir roteiros imundos no sono adolescente.
 Sonhava com ela, e eu pergunto: quem não sonhava com Elizabeth Taylor? Ok. Tem gente que sonhava com o Rock Hudson, como a própria Liz, que soube depois e para sua decepção, tratar-se de alguém da “irmandade”. Pobre Rock, que anjos varões o tenham (*)
 Giant é o titulo original do longa metragem Assim Caminha a Humanidade. Sem redundância, gigantesca produção dos anos cinquenta estrelada pelos dois bonitões acima, e a terceira e última aparição em tela do meteórico James Dean, que nem chegou a ver o filme concluído. Morreu antes. (Sobre este, teria dito o feioso Humphrey Bogart, dolorido com o sucesso post morten do colega: ‘’a melhor coisa que aconteceu a ele foi ter morrido cedo’’).
 A história gira em torno de uma família texana tradicional comandada pelo Bick (Hudson), de um humilde empregado Jett (Dean), e uma esposa Leslie (Taylor) que foi ‘’achada’’ pelo futuro marido após uma viagem de negócios. Foi comprar cavalos, imaginem. A história é fantástica, recheada de sentimentos adversos: amor, ódio, preconceitos, com fotografia, figurino e música maravilhosos, tendo recebido dez indicações ao Oscar (levou um, secundário). Jett, além de mim e todos os homens que apreciam cerveja, apaixonou-se pela Leslie, mas não levou, e por isso foi para a porrada com o marido afortunado. O Inconformado Jett, entretanto, enriqueceu quando tratou de subverter a ordem da terra, vigente até então, (terra que estranhamente herdara da invejosa irmã do Bick, morta a coices de cavalo) passando a explorar petróleo.  E em se tornando rico, houve por bem novamente tentar furar os nossos olhos, e tomar na “mão grande” a nossa mulher - minha e do Bick. De novo não levou. Ele, que já “bebia todas, com o novo fracasso foi domiciliar-se em definitivo na garrafa.
 Nesse filme o olhar da Liz estava uma estupidez. Talvez porque o início da produção tenha ocorrido pouco depois dela ter se tornado mãe pela primeira vez e a maternidade tenha conseguido dar ainda mais luminosidade à luz; o céu tenha perdido para sempre as nuvens, e Atlântico e Pacífico tenham se dessalinizado.  E que me perdoe a finada pelas modestíssimas comparações.
 Elizabeth Taylor é dona de vários suspiros que todos demos. Não era, entretanto, de namorar no banheiro, lugar cativo da senhorita Brigitte Anne-Marie Bardot, além de outras trinta e cinco menos votadas. Liz não deveria ter as pernas da Marlene Dietrich; o corpo da Sophia Loren; certamente não tinha os seios da Uschi Digard (Ah, não sabe quem é Uschi Digard. Melhor, mais me sobra); E nem era cachorra como a senhorita Margarita Carmen Cansino, que quando se apresentou a nós já fumava muito e se chamava Rita Hayworth; Não era o "mais belo animal do mundo", como disse certa vez da piriguete-retrô Ava Gardner, o poeta Jean Cocteau, aquele animal. Não. Liz era um raio de luz, sequer deveria pertencer a este mundo. E duvido que alguém, além de seus vários maridos tenha contemplado seu corpo. Não deveria ser lá essas coisas, mas isso não importa.
 Liz gostava mesmo era de casar e isso fez bastante. “A felicidade está em colecionar amores”, repetia (mas também colecionava brilhantes). Com Richard Burton, no entanto, foi reincidente específica.
 Também casei bastante, nenhuma vez com ela. Mas sabe-se lá o que haveria de ter acontecido conosco caso ela frequentasse os bailes da Reitoria.
 (*) Rock Hudson e Liz Taylor tornaram-se muito amigos, depois da descoberta por ela da homossexualidade do galã, que morreu em decorrência de complicações com a Aids, em 1985. A partir de então, a musa mostrou que não basta ser bela nem boa atriz para ser musa. Passou a auxiliar a (American Foundation for AIDS Research). Mais tarde criou a sua própria fundação para o mesmo fim, a ETAF (Elizabeth Taylor Aids Foundation), a quem  doou um anel de diamantes e esmeraldas. A joia, com uma pedra de sete quilates e 12 diamantes lapidados em formato de pera, fazia parte da coleção particular da atriz.


quarta-feira, 7 de fevereiro de 2018

À TERRA QUE EU CHAMEI DE SANTA



Eu nasci onde o sol se põe. Na terra onde os campos não tinham fim e o horizonte era logo ali; tudo é logo ali quando se sonha. Alcançaríamos o horizonte quando quiséssemos. Quando eu cresci, lá onde nasci, havia mais pedra que asfalto, mas muito mais pasto que pedra.
Não só lá, mas o mundo impermeabilizou suas ruas de preto, e isto, na contrapartida de fazer com que cada uma vire um rio em tempos de chuvarada, deixa a vida melhor para quem não anda mais de carro de boi, carroça e cavalo. Como era, quando e onde eu nasci. Quando fui apanhado pela vida.
Onde eu nasci, o calor queimava no verão, mas e daí? Não haveria de faltar uma sanga, um olho d’água ou um rio onde pudéssemos mergulhar nossa caixa de Pandora, esta com muitas coisas mais penduradas na aba do que simples esperanças.
O inverno era frio. Mas um frio tão intenso que os cabelos do campo, que na primavera nos enchiam os pés de rosetas, envelheciam, ficavam grisalhos, duros e úmidos de geada. E quando os pais sentenciavam especulantes “se essa geada levantar com vento...”. Vermelhavam bochechas e narizes, cortavam orelhas, e ai passavam a ter mais graça as brincadeiras a beira do fogão a lenha. E como era terrível dobrar numa esquina de sentido norte-sul, ou vice-versa.
Mas porque todos em algum momento precisam apanhar a vida, fui correr atrás do nascente. Viajei um dia inteiro na contramão do sol, até que fui viver onde ele nasce. Lá terminei o longo ciclo de me fazer homem. Lá não encontrei mais campos nem pedras. Só ruas impermeabilizadas; já não havia mais carro de boi; e campos e pedras já não me faziam tanta falta.
 Cresci, multipliquei e iniciei o lerdo caminho de quem desce a lomba da plenitude. Conformei-me para o meu sempre, acordar com o sol, nos perdermos durante o dia, e no fim, ele me apanharia onde eu estivesse e me deixaria em casa. Depois seguiria adiante para dormir com aquela que apelidei de santa e no dia seguinte voltaria para me acordar. Coisa de pai. Os guris da terra onde nasci se dizem filhos do sol. Talvez seja por isso.   
Mas um pouco sempre fica no partidor. Lá, onde o sol se põe, um pouco de mim ainda assombra os campos, mesmo que haja poucos; as ruas pedregosas, mesmo que não haja tantas, e as velhas casas, arrastando correntes douradas inocentes, do bem, para trazer de lá seus cheiros. Que importância tem se no lugar dos campos e casas haja hoje prédios enormes e modernos? A terra é revirada para que se revigore e cumpra sua missão de transformar, mesmo assim não sai do lugar. Pouco importa o que fizeram sobre as nossas primeiras pegadas. Nada vai tirá-las de lá, porque elas estão tatuadas no universo em seu conjunto, e na nossa memória mais afetiva.
É bom vez por outra andar no sentido do sol. É como sair dos álbuns para as calçadas, a fim de corrigirmos as fotos. Aí sim, com certo lamento pela brutalidade cronológica do “fotoshop” natural.
Mas o “sempre”, como lugar é uma incógnita. Mais ou menos como o horizonte dos campos sem fim de onde eu nasci. Chegar lá não deve ser uma promessa, mas representar uma esperança. E assim, tendo um dia acordado com ressaca de destino contrafeito, vi o sol nascer e decidi que era hora de seguir de fato o seu rastro. Saímos separados, mas chegamos juntos onde ele se põe, e de tanta paz encontrada devo ficar com sono por aqui mesmo.  
 A saudade de vê-lo nascer cheio de nervos existe. Querer vê-lo meio sim, meio não, entre um copo e outro; entre um papo e muitos outros; entre ruídos de carros, risos e sons de cordas, e de vê-lo vermelho e com a água pela cintura no grande estuário, me enche os pés de asas.
São coisas para fazer na contramão do dia, mas só quando a inquietude passar da conta. Lembrando que saudade é um lugar incerto, onde todas as ruas se chamam Transformação

terça-feira, 6 de fevereiro de 2018

UMA VEZ...

acarinhe 



Olhe fundo nos olhos, como se fosse a última vez;
Abrace forte, como se fosse a última vez;
Beije; beije como nunca, como se fosse a última vez;
Peça perdão e perdoe, como se fosse a última vez;
Ria largamente, à finitude, como se fosse a última vez;
Coma, beba o mais e o melhor como se fosse a última vez.
Arrisque tudo, como se fosse a última vez,
Ponha o melhor de si em tudo, como se fosse a última vez,
E, pela última vez encare-se, não se arrependa nada.
Assim, caso não seja a última vez,
Você terá vivido ao menos uma vez, da forma que sempre quis.

domingo, 28 de janeiro de 2018

CRUCIFICASHOW



Lula vive comparando-se ao Mano. Bueno, eu já me achei parecido com o Richard Gere, até que diminui a ingestão de álcool.

Tenho algumas fotos do Mano e não me parece que fisicamente, haja similaridade. O Mano era magro, quase subnutrido, em face da dieta rigorosa, de baixa caloria. Pão com peixe não alimenta ninguém, muito em especial para quem é dado a longas caminhadas, um pouco descansando sentado a beira do caminho, outro pouco montando  um ainda mais subnutrido burro.  Ok, vez por outra um pilequinho de vinho para desestressar, mas nada que o alcunhasse de cachaceiro vagabundo.  Depois, o Mano era firme em seus propósitos. Era pobre convicto, não ganhava nada e o que tinha dividia com todos. Talvez fosse socialista. Por outro lado, maledicentes dizem que pegava uma aqui, outra ali, mas não provam, e não consta que tenha  dado uns "pegas" em alguém, em troca de cargo na sua caravana de miséria.

Já Luiz Inacio não. É gordo e são de lombo, foi pobre, mas não se lembra, também não se lembra do quanto ganha, nem de onde vem o que ganha (ele não lembra porque não é obrigado a gerar provas contra si), e é socialista familiar, ou seja, divide tudo com a família. Vez por outra aparece pescando, mas de iate. Também bebe vinho, bacudo, mas não aquele que foi pisado por pés com frieira, fermentado no porão do barracão, gerando um garrafão tosco. O dele, se nem português fala, imagina hebraico. Romaneé-Conti tá bom pra vocês?  Viajar ele viaja. Percorre longos caminhos, mas de jatinho. Até lembra o que é um jegue. Quando criança tinha um, cujo nome era Militante. Ah o Militante... Como era bom de monta o Militante! E não “emburrava”.   

Mas Lula quer ser igual ao Mano. Ô se quer! Mesmo não sendo dado a sacrifícios. Invejosos dizem que o único sacrifício que fez  foi arrancar o mingo da mão esquerda, afinal é destro, e o mingo da canhota só faz falta para coçar o ouvido. No entanto, à época, isso dava lucro, e com o tempo virou marca.

Do lado de cá, como sempre fui beliscado pelo mercado, penso no acontecimento que seria o ápice da “Paixão do Lula”, quando por fim seria sua consagração. Um evento digno de Planeta Atlântida, Woodstock, sermão do Chico na Basílica, GreNal... Essas coisas.

A chamada: CRUCIFICASHOW, LULA É O MANO! Ou Je suis, que tá na moda. (Vai ver foi aí que se deu a confusão: Lula deve ter visto algum cartaz no ABC com essas palavras “JE SUIS LULA”. Je suis... Jesuis, manja?... Enfim).

Faço questão de cuidar do cenário. A coroa de espinhos poderia ser espinilho trançado com tuna, ou uma coisa mais clean, ou mais arrojada, como arame farpado inox da Concertina. O martelo Tramontina; pregos em aço inox da Gerdau (atenção patrocinadores!!). E as vestes, naturalmente vermelhas, essas sim poderiam ser de panos simples, mas que de certa forma lincassem o protagonista às suas origens. Um tafetá infestado das Casas Pernambucanas já estaria de bom tamanho (lembrando que Lula é pernambucano e tal).  A cruz, entretanto, seria de mogno. Um mimo confeccionado com carinho pela equipe de José Stédile, que não só fabricaria o monumento, como a carregaria com seu líder, abanando e molhando seus lábios com água Perrier, durante o percurso da São Silvestre. Depois eu passo o roteiro para eles discordarem.

Imagino a abertura com Pablo Vittar e Anitta cantando o hino do Corinthians, e no gran finale, uma miada chorosa com a dupla sertaneja Poncio & Pilatos, tendo ao fundo um telão mostrando flashes do filme “Squid the son of Brazil” (Lula o filho do Brasil). O local? Ah, sim. Poderia ser na Paulista, frente a Fiesp.


Mas o protagonista deveria estar só para que proferisse suas últimas palavras: “Pai, eles não fabem o favem...” Mesmo porque, no meio de dois ladrões seria formação de quadrilha. 

sexta-feira, 19 de janeiro de 2018

PÃO E CIRCO




Desde a formação do império romano existe a tática de servir ao povo o pão recheado com circo. Lá, o populista Imperador Otavio Augusto concentrava o poder e flertava com meia dúzia de puxa-sacos das elites, a fim de garantir e expandir apoio. E claro que com estes se comprometia, mas e daí? Quem peitasse o imperador seria escalado para um rola-rola sem regras na arena dos leões.

Por aqui, a demonização da família Marinho também é antiga. Vem desde os tempos do companheiro Leonel (ele que também vinha de longe). Mas, puxa vida, eu dei fim a minha teoria da conspiração quando decidi que não haveria de ser a telinha global, com meia dúzia de caras engravatados a fazer com que suas versões, eventualmente contrárias as minhas, redirecionassem meu cérebro. Não, não. Aprendi a pensar certo e errado; e agir por minha conta, certo e errado.

Vem aí mais um BBB, e com ele a pilha de comentários, justos é verdade, mas com o fito de garantir aos comentaristas seu próprio padrão cultural.  Que o BBB é um besteirol não se discute. Compatível a outros tantos de horário nobre, mas daí a transformá-lo no grande vilão dos costumes e da família brasileira, já acho forçação de barra. Aí, penso ser, a sublimação do politicamente correto. Ora, estamos falando de TV aberta. O controle remoto está na nossa casa, e me consta que por mais erma que seja a região; por piores serviços públicos e sociais que tenha, sempre haverá no mínimo dois canais a disposição do povo.

(Sei de lugares, no entanto cara-pálida, onde a TV exibe a programação estatal e no controle remoto (se é que já chegou por lá este artefato) só funciona o on e o off. Que tal assim? Tem um logo ali, acima da linha do Equador).

Ora, eu procuro canelas mais duras para bater. A corrupção descarada e impune, por exemplo; a classe politica “merdificada”; os três poderes da república instalados abaixo do fiofó do cachorro, etc...Também pouco tem adiantado espernear, mas vejo mais ato cidadão nesse grito contra a horda de hunos que nos comandam, do que esse de ficar puteando a TV, só porque ela é uma bosta e coisetal. Temos a opção de nos alienarmos pelas redes sociais, ou assistirmos um filme ou série, ler, ou apenas conversar em família (ops! Mas que coisa mais antiga!).

Por princípio, sou contra qualquer cerceamento de liberdade. O fato de há alguns anos termos começado a fiscalizar a imprensa considero saudável, apenas acho inconveniente a patrulha excessiva. Inconveniente e perigosa.

Enfim, algumas certezas me movem, e uma vem a calhar para o momento: se nos deixarmos escravizar por qualquer tipo de mídia, a culpa nunca será do algoz, e sim da inércia onde deitamos a nossa capacidade de raciocinar.

Como no sistema presidencialista o poder decisório continua na mão do Imperador, digo presidente, que continua flertando (e cooptando) com algumas oligarquias para ganhar apoio, azar o nosso que não sabemos escolher aqueles que irão decidir por nós. Na contrapartida, estes haverão de ficar mais ricos e o governo mais comprometido. Até já conseguiram transformar a inocente militância em torcida organizada! E sabemos que torcida é paixão, e paixão é cega.  

Quanto aos pobres... Dê-lhe bolsa família e dê-lhe BBB. Pão e circo, válido para o Império romano e para o Brasil. É o sistema “quero-quero”, canta longe do ninho para desviar o foco.

quinta-feira, 30 de novembro de 2017

OS PROSCRITOS




Campeão legítimo, incontestável!  E o que é melhor: com a redenção dos proscritos.

Fui defensor de primeira hora de Marcelo Grohe, quando lhe coube substituir Dida e Victor. Capitulei ante os vacilos dele durante um tempo. Neguei Marcelo três vezes antes de o frango cantar, até que nos deu uma Copa do Brasil, matando o Furacão nos pênaltis, e quase nos deu o hexa, não fosse a incapacidade gremista na cobrança de penalidades. Nessa Libertadores, Marcelo fez história, juntando-se a mitos de todos os tempos, proporcionando verdadeiros milagres. A Marcelo Grohe o Grêmio deve o tri campeonato da Libertadores.

Mas o Grêmio também deve a Bressan, o amaldiçoado Bressan, que colocado na fogueira por duas vezes neste ano, mostrou que acima de tudo é um profissional da mais alta categoria, destemido e bravo, ciente de seus limites. Na final lhe coube substituir nada mais, nada menos que a base da pirâmide, sem que fosse percebido: Kannemann, um achado, mas que demonstrou desde o início o porquê a direção gremista tanto lutou para trazê-lo. Esse argentino deu  a Geromel o que Geromel precisava para mostrar o grande zagueiro que é. Bressan está redimido, embora vá ser sempre, caso fique no Grêmio, um estepe de confiança.

Devemos, o Grêmio e eu, um obrigado especial ao pequeno gigante Ramiro. Dele nunca esperei brilhaturas, passes precisos ou lançamentos que até faz, nem gols, que até faz, ou assistências, que também faz (ontem premiou novamente Barrios, mas este... Bem). No entanto, Ramiro se movimenta por todo o campo, ataca, defende; em função do pulmão privilegiado não lhe custa ser auxiliar de lateral, auxiliar do meio campo; auxiliar do ataque e auxiliar do técnico. É uma pequena liderança que se impõe pela fibra. Não é à toa que é titular com todos os técnicos com quem trabalha. Ninguém carrega o piano com tanta facilidade e desprendimento.

Fernandinho é um caso a parte. Talvez só Renato confie nele. Mas confia e sabe por que confia. Ontem vimos. Taticamente foi perfeito, e decisivo na hora de finalizar.

Por fim Luan. Ora, como não gostar de Luan? Mas tem quem não goste, talvez pelo seu jeito indolente de se  movimentar. E afinal, futebol também é uma questão de gosto. Mas como se movimenta! Tudo passa por ele! Sempre que leio críticas a respeito disso, me lembro do Ademir da Guia, maestro da grande Academia do Parque nos anos 60, guardadas algumas proporções.  Luan é um grande jogador. Fundamental para que as coisas na linha de frente do time aconteçam. O gol que fez na final, com calma e classe, só é possível para pessoal de turma especial.


Esses já estão na galeria de heróis imortais, e que jamais serão esquecidos. Mas tudo isso devemos, o Grêmio e eu, a essa figura carismática chamada Renato Gaúcho. Também tem quem não goste dele, que o ache isso e aquilo. Algumas vezes também cheguei a contestá-lo, baseado em seus desempenhos pretéritos. Pois bem: Renato cresceu. Ele e Grêmio são unha e carne; espírito e matéria. Faça-se a estátua imediatamente e arranje-se um espaço para ele na letra do hino tricolor. Renato é o novo Lara.  


Este texto é dedicado aos proscritos, mas qualquer coisa que se escreva sobre o Grêmio, não tem como deixar de citar Arthur. Que jogador é esse? 

terça-feira, 7 de novembro de 2017

TRÁGICA BINÁRIA



Em principio não vou me deprimir. Não que esteja imune a essa doença que é grave e cujos resultados são sempre imprevisíveis. Penso que tenho boas forças para resistir, face às ricas reservas de afeto que ainda me restam, vitaminadas pelo que recebo.
Mas nunca se sabe. É desanimador estar vivo para ver o quanto e como evoluímos. Evoluímos sim. O rabo do cavalo também evolui.
Termos crescido em inteligências e seus recursos acessórios, aperfeiçoamos nossos monstros latentes, mas parece que o que dá mais prazer mesmo é a produção da morte no sentido bárbaro. Ver pessoas explodindo, vitimas de artefatos empíricos; pessoas metralhadas nos paredões livres das ruas, ou esmagadas sob as rodas de um prosaico veículo utilitário.
O terrorismo que assusta a Europa e o EUA, não ficará somente por lá. É um mal que se espalha em metástase pelo mundo.  Breve estará entre nós, e aqui encontrará campo fértil para suas ações: um país à deriva, fronteiras franqueadas, Forças Armadas deliberadamente esgualepadas, e uma carência sem precedentes de comandantes. Virão para coadjuvar com as guerras civis urbanas nossas de cada dia. Mas que tomem tento. No método de massacres com caminhões, nossos números são incomparáveis.
O terror tem a sua rotina binária: matar e morrer. De nossa parte, entretanto, o politicamente correto, baseado nos preceitos e princípios dos direitos humanos, precisamos prendê-los, e com cuidados porque antes da prisão tem o exame do corpo de delito; julgá-los e se condenados, trancafiá-los. Mas há chicanas, como sursis, habeas, e se tudo der errado tem o benefício da progressão. Como a maioria é jovem, quando voltarem às ruas terão muita saúde e raiva para aniquilar ainda algumas centenas, antes de explodirem-se.
Por tudo isso, penso que terrorista não deveria ser preso, mas executado no flagrante. É um ser cuja matéria é treinada para a binária trágica citada, e sua alma já foi encaminhada ao inferno no processo de iniciação fundamentalista.  Preso, ele não serve para nada, a não ser realimentar-se de ódio, às custas de suas prováveis vítimas.
Por aqui estamos levando um vareio da turma do joio, que muitas vezes pode viver ao nosso lado, que sabemos quem é, mas nem desconfiamos de seu potencial ofensivo; que vem e vai às prisões aperfeiçoar-se, até que esteja pronto e nas ruas ostentando a máscara do verdugo.
Aqui não precisamos dos outros, mas eles virão.
Não podemos dar-lhes o remédio social adequado, portanto, porque estamos subjugados pelas barreiras inocentes que nós mesmos criamos. Contra a guerra suja, sem escrúpulos ou limites proposta por eles, a nossa deve ser ética. Afinal, somos civilizados.  Mal comparando, continuamos acreditando que David derrubou Golias a “pombaço”.
Não vou me deprimir, acho que não, mas o que o mundo deprime é uma verdade insofismável. Sempre fomos bárbaros, e a nossa trágica história humana está ai para quem quiser comparar seus tempos e seus métodos de extermínio.
Isso tudo, entretanto, o terror e as guerras, é somente a ponta-de-lança do sistema. A origem de tudo; quem espicha o estopim; o cérebro da catastrófica indústria de mortes não suja as mãos, não embarra os pés e não respira pólvora. Apenas conversa, faz acordos e assina papéis.

E alguns ainda rezam e mandam matar, em nome do Pai, do Filho e do Espírito Santo.

sábado, 7 de outubro de 2017

PASSAGEM DE TEMPO

   "Devo ter chorado na infância, mas juro, não me lembro. E hoje... Que o Velho me poupe motivos"

Quando a gente completa cinqüenta anos convém uma pausa para reflexões. Meio século não é pouca coisa. Mas, que diabos, diferente do que era completar cinqüenta anos, cinqüenta anos atrás, hoje somos jovens senhores com um bom metro de tempo para viver.

Já nos sessenta, nos dizem que passamos a viver no amarelo piscante. Todo cuidado é pouco. Há sessenta anos, ter sessenta era ter idade de vovô longevo, não muito mais que isto, com direito a pantufas, cadeira de balanço, mimos e rabugices. Hoje não. As facilidades, o crescimento cultural e os cuidados da vida moderna, fazem com que sejamos sexagenários “envelhecentes” de academia, disputando espaço com “bombadões” formados a ferro, ou a base de sofismas químicos.

É bom ultrapassar essa barreira. A alternativa me parece bem pior, mas como vamos saber? Meus amigos, conhecedores por esperança e fé de outros planos, me dizem que quem morre vai para um lugar melhor. Contraditoriamente, no entanto, dão um duro danado para não serem chamados pelo Criador para a última sabatina. Todos preferem uma inhapa, à simples troca de nível.

Eis mais uma passagem de tempo. Com ela o refluxo de um lamento antigo pela mãe que se foi ainda menina, pouco mais que isso. A cada passagem destas, por melhor que tenha elaborado a perda, me surpreendo pensando à toa. Perco os olhos por ai, buscando o esboço mais preciso da mulher que nunca esqueci, mas que não tem mais forma própria. Seu jeito se confunde com o de todas essas que vieram e foram da minha vida, e o dessas outras tantas que ficaram aconchegadas no meu desarranjado berço edipiano.

Minhas festas em família sempre acusaram essa a ausência. Do olhar materno; do amor que a mulher dedica ao filho, seu homem definitivo na obra mágica em que brinca de ser Deus. Faz falta a torta de bolacha sabor-mãe e seus jeitos de enfeitar a mesa. E mais lamento por não ter tido a chance de vê-la enchendo os balões da festa com os netos e bisnetos que começaram a chegar. É dela, que papai do céu chamou ainda com idade de filha, que mais me lembro nesses dias. 

O preto com que o Criador pintou as minhas passagens de tempo veio paulatinamente desbotando, acompanhando o tom dos cabelos. E o tempo... Este desmanchou a camada espessa da dor. Já não sofro tanto com isso, embora o bichinho da rã-rã me engasgue por alguns segundos, enquanto busco fôlego para assoprar velinhas. Afinal, já são sessenta e tantas. 


E eu sei, por esperança ou por uma fé que nem sei se tenho, que em algum lugar do cosmo ficou dela uma energia boa conectada ao meu destino. E sou, ou me sinto iluminado pelo mesmo rastro de luz que a trouxe, mas que a levou de volta assim, cheio de pressa, como uma estrela ascendente.




terça-feira, 6 de junho de 2017

UNIVERSO EM DESENCANTO





Nos românticos anos 70, Khalil Gibran emoldurava algumas conversas de bar, depois fazia trilha sonora em vozes cansadas, apaixonadas, em momentos que vagavam interpostos entre o uísque e o cigarro. Lembram-se das três melhores coisas da vida? Eram, nessa ordem, um uísque antes e um cigarro depois. Quem não sabe do que se trata pergunte ao avô.  Quem não lembrar, urge uma consulta.

Parecia não serem necessárias tantas coisas para sermos felizes. Mas era assim mesmo, e aqui entram os outros três componentes fundamentais daquele processo lúdico: juventude, saúde e um sonho. Ou vários. Nem havia cabeça suficiente onde coubessem tantos.

Nessa época topei com um cidadão, ou melhor, com uma parte dele: Manuel Jacinto Coelho e sua Cultura Racional.

Era um visionário, gênio para alguns, enlouquecido para outros. E como naquela época minha vida era fundista, ou seja, buscava viver 100m em menos de 10’, nem me detive nos detalhes mais profundos de sua obra. Tratava-se de viagens filosofais dispostas em mil livros, que ele chamou de Universo em Desencanto. Mas li alguma coisa, o suficiente para nunca mais esquecê-lo, porque no fundo, a despeito das viagens propostas como não filosóficas, mas sim, extremamente filosóficas, percebi no raciocínio, guia e deus do que ele propunha, o melhor fator para o equilíbrio pessoal.

Bueno, tendo a pensar que todas as coisas se complementam, portanto, e em tese, não sou contrário a nada. Até me contrariar, coisa que tenho feito muito e amiúde. Mas ainda há em mim espaços para Jacintos e cristãos.   

Ultimamente tenho pensado nele. No entanto, muito mais pelo nome de sua obra do que propriamente por seus conceitos. 

Porque universo em desencanto é o retrato fiel do momento em que vivemos. Estamos deprimidos como sociedade; estamos esgotados de esperanças. A luz que buscamos no final do túnel... Que luz? Que túnel, se estamos soltos e compungidos nesse universo perdido que produzimos em nome, entre outras coisas menos nobres, da liberdade? Essa guerra silenciosa, suja e sem ogivas que nos é imposta; que mata mais lentamente; que mata por depressão e desencanto é ainda mais criminosa do que as ancestrais que, por sistêmicas, já estamos acostumados. Essa mata em escala, pulveriza culpas e nos joga sadicamente no carrossel trágico de Dante,  

E sempre nos picos desses momentos, antes apenas vagos, me ocorre lembrar também de Dante Alighieri, aquele que sabia tudo sobre comédia e tragédia, mas muito em especial de inferno.

Não há “Esc” e não há “Control z” para que possamos recomeçar. Mesmo porque, mal sabemos em que parte do texto da nossa história estávamos quando bifurcamos.

Um novo começo é impossível; um novo encaminhamento ao fim, até pode ser feito, mas aí, bacudo, faltam boas tintas; falta mão com traço firme para um desenho confiável. Desenho sim, uma vez que não entendemos o que estava escrito. E talvez aqui esteja o furo da bala: não nos ensinaram a ler adequadamente, e depois não buscamos aprender, a fim de que pudéssemos decifrar a bula da vida antes de usá-la, especialmente na parte que toca aos efeitos colaterais.

Há que ser desenhada e construída uma nova arca; há que ser pensada e desenhada uma nova vida. Perdemos.


E por fim, posso estar me referindo ao Brasil ou ao mundo e suas diversidades, mas também posso estar falando unicamente de mim e do meu desencanto como raça.

sábado, 13 de maio de 2017

A SUA BENÇÃO, SAUDADE



Quero dizer que me lembro de tudo. Herdei uma memória privilegiada e assim como me enche de alegrias e saudades boas, me castiga. E me castiga ao ponto de viver cada momento do nosso último dia; chego a sentir o cheiro das flores que te acompanhavam. Havia tantas! Meus olhos já não se salgam, claro, secaram há muito. Mesmo porque me obriguei cedo a pensar como os que crêem, num novo e melhor lugar que estivesse a tua altura. É mais reconfortante. 

Desde sempre, entretanto, me pergunto: onde haveria de ser o melhor lugar para quem ainda não tem trinta anos? Aqui dividindo e multiplicando vidas, espalhando alegrias, chorando mortos ou lá, num tal indecifrável melhor lugar? A ausência de respostas, estranhamente, me conforta.

Lembro-me de tudo, apesar de termos vivido tão pouco tempo juntos. Por isso talvez tenha se tornado clichê, o fato de haver pessoas que vivem o suficiente para se tornarem inesquecíveis.

Era um rosto meigo, quase envergonhado, cabelos longos e lisos caídos sobre os ombros como cascata de piche, e grandes olhos negros. Quando ria, ria tudo, boca, olhos, enchendo de vincos a pele ainda sem rugas. E seu choro só não era imperceptível, porque vez por outra o nariz fungava. E, convenhamos, sem ter completado trinta anos deve ter havido pouquíssimos motivos para chorar, além das coisas comuns às gurias.

Há muito não tenho idade de filho, embora jamais tenha perdido a orfandade. Mas nesses dias tudo parece que foi ontem. Sinto gosto de tortas de bolacha sabor-mãe, cheiro de roupa passada; olhares críticos aos redemoinhos do meu cabelo, fiscalização rigorosa nas unhas e ouvidos, ponta do lápis afinada, borracha limpa e caderno sem orelhas. Tudo acompanhado por melodias indecifráveis, quebradas por sustenidos risonhos.

Lembro de tudo sim. Mais do que o chinelo na mão e o avental todo sujo de ovo.  Do pouco/tudo que tivemos, mas que se revigora duas ou três vezes por ano, quando de uma forma ou de outra festejo o fato de estar vivo, e posso me permitir a esses devaneios piegas e meio Peter Pan.

A sua benção, saudade.  

sábado, 29 de abril de 2017

IX ENCONTRO DOS BASQUETEIROS DE URUGUAIANA... OS DIAS ERAM ASSIM




Explicar o sentimento de amor a terra para um gaúcho é desnecessário. Falar sobre o que ficou em um lugar e em um tempo para quem esteve lá nesse tempo e nesse lugar, é levá-lo de volta, ainda que por instantes. Se esse lugar for Uruguaiana e o tempo, o nosso tempo, sou capaz de dizer que um pedaço importante de nós nunca saiu de lá.

Esse pedaço ainda assombra a velha casa onde nascemos, arrastando correntes douradas inocentes, do bem, pelo assoalho velho. Que importância tem se no lugar da casa haja hoje um prédio enorme e moderno? A terra é revirada para que se revigore e cumpra sua missão de transformar, mesmo assim não sai do lugar. Portanto, essa parte importante de nós não está nem ai com que o que fizeram sobre as nossas primeiras pegadas. Nada vai tirá-las de lá, porque elas estão tatuadas no universo em seu conjunto, e na memória mais afetiva.

Uruguaiana também é o epicentro de uma geração de apaixonados por uma juventude, que se nega a assumir os efeitos dos seus brancos, caso haja ao menos brancos; suas rugas e modificações de estrutura físicas. Estar em Uruguaiana em um momento especial é ser, por um lapso roubado de história, um pouco do que fomos. É como se saíssemos dos álbuns velhos de fotografia, colados com Goma Arábica, para as calçadas, a fim de corrigirmos status, e sem o lamento pela brutalidade cronológica do foto shop natural. Não somos então o que somos; somos brevemente o que fomos, abençoados por bafejos fortuitos de energia, de fonte autossustentável. Eis porque chamo a minha cidade de Terra Santa. Lá ganho fôlego de vida.

Lá também é célula de um grupo de amigos que adotou o basquetebol como início, meio e fim, por suas circunstâncias convergentes e catalisadoras, capaz de produzir reações improváveis; retornos inimagináveis. Porque um dia alguém ousou sonhar com uma bola quicando nas quadras de antes; porque outro alguém se perguntou “por que não?”. E, por fim, porque nesse caso todos os meios conspiraram para que o fim se justificasse.

Assim, no nosso espaço/tempo de 2001, a nave não era uma nave, era uma bola, e o diretor não era Kubrick, era Saldanha. De comum, o fato de ambos terem dirigido uma odisseia no espaço. Kubrick para o futuro do presente, Saldanha para o passado mais que perfeito. 2001, ano da remasterização de nós mesmos; ano do Primeiro Encontro dos Basqueteiros de Uruguaiana.

E lá se foram 16 anos! Neste abril de 2017, acabamos de viver intensamente o IX Encontro. Um acontecimento difícil de narrar, porque é um coquetel de sentimentos, onde os cérebros apenas flutuam sem registros novos, e é como se estivéssemos contando várias vezes a mesma história. São momentos em que raciocinamos com os olhos e nos manifestamos através de beijos e abraços.

O fato de passarmos dois anos nos preparando para esse evento, em tese, quando de sua realização, haveria de ter esgotado o fator surpresa. Todos os passos são previamente definidos, com seus dias, locais e horários combinados. Os protagonistas são todos, e seus papéis já estão decorados, basta vive-los lembrando de como eram, meio século atrás, ou apenas se deixar levar.

Certo, alguma surpresa pode haver para um e outro homenageado, mas como tantos já estão potencialmente inscritos, ser escolhido ou não, não muda seus estados anímicos, ou eventuais discursos. Para estes, falar sobre um eventual troféu ou comenda recebida seria apenas contar um pouco de suas vidas.

A sensação de pertencimento de grupo do Encontro dos Basqueteiros, no entanto, se esvaiu. A programação esportiva que já fazia parte do coletivo de abnegados da cidade, e adotada pelo seu calendário, teve agregado a si outra parte do sonho. Jogar, jogávamos, mas também dançávamos. Que juventude dançante aquela nossa! Assim, vendo a migração para a cidade de tantos amigos antigos, alguns músicos, ícones da época, houveram por bem voltar aos palcos e fazer também o que faziam, ou seja, nos encantarem com o som das músicas dos anos 60/70.

O show Jovem Guarda para sempre se juntou a programação esportiva, e Uruguaiana, que já respirava um passado limpo e lindo, com a presença de ex-atletas e aficionados, passou também a dançar ao som das músicas de antes.

Que dias, esses que vivemos! Dias de realimentar a saudade, porque saudade a gente não mata. Mas é fato que poderemos morrer dela, caso não a realimentemos.

Há muitos agradecimentos a fazer. À organização geral do evento; à dedicação e desprendimento dos músicos; à entidade realizadora SESC FECOMERCIO, aos patrocinadores; ao vendedor de sonhos Matheus Saldanha Filho, e a toda comunidade uruguaianense que sempre nos abraça quando chegamos, e custa a nos soltar dos braços quando precisamos ir embora. Saibam todos que também são esses abraços e laços que nos prendem e nos fazem ter sempre vontade de voltar. Seja em matéria, como estas cedidas em comodato pelo Criador; seja como “poeira ou folha levada, no vento da madrugada...”

Resta dizer do sentimento que tive ao ver o teatro lotado, quando do show, que me sugeriu repetir Paulo Leminski: “haja hoje para tanto ontem”. E haja amanhã para tanto hoje; e haja eu para tantos nós.




sexta-feira, 28 de outubro de 2016

O INVERNO E DEPOIS (Livro de Luiz Antonio de Assis Brasil)




(Depois do inverno, meu querido... Não sei, dependendo de você, algo virá, e não apenas a primavera. Constanza Zabala)

"O inverno e depois", de Luiz Antonio de Assis Brasil, é um livro apaixonante. A obra também poderia chamar-se Outrora, ou Al otro lado del río... Ou simplesmente Constanza. É um romance refinado, instigante, exigente, especialmente lindo, com um vocabulário rico e sofisticado, ao mesmo tempo que palatável.

Apresenta o protagonista como um homem tímido, introspectivo, mimado e observador, características invariáveis de todo filho único. Julius, o personagem, é violoncelista, e leva a vida dentro de uma partitura, fria e exata, que executa quase sem desafinar. No primeiro movimento é regido pelo seu talento imberbe e a vontade de tia Erna, que o cria após tornar-se órfão. Troca de regente, mas se mantém ainda em um primeiro movimento, quando vai desenvolver-se na escola clássica de Würzburg, na Alemanha. Lá é assaltado pela sensação própria dos mortais, que não estilizam sentimentos nem os definem com frases mentais. Ao invés das frases, se queda na descrição frenética do óbvio: “Estou apaixonado, é isso”.

Julius conseguiu sair do primeiro movimento quando retornou ao Brasil, dolorido, deixando para trás uma parte de sua vida “a mais rara, a única que foi capaz de amar”.  Passando para o segundo movimento com a regência da esposa Silvia, um morno adagio, e dali só começou a sair para o terceiro 25 anos depois, ao “chocar-se” com Antônia, a meia-irmã, causa de dissabores familiares. Então descobre o afeto e a cumplicidade que só existe entre irmãos, ainda que irmãos pela metade. A obra conspira no terceiro movimento, que tem um momento decisivo, quando Julius despretensiosamente, mira o espelho do camarim exclusivo, de visão poliédrica e, enfim, vê um homem.

O inverno e depois é um romance em que vamos entrando devagar, quase que imperceptivelmente. Uma espera cansativa no aeroporto; uma viagem ainda mais cansativa ao pampa desolado, às lembranças que nunca morreram.  Desconfio, entretanto, que não se consegue sair tão cedo desse enredo.  Ao término, vi um filme, o meu filme de roteiro inacabado, com os personagens me olhando atônitos esperando as últimas falas. Ao invés disso, eu apenas repito a Julius o recado do Elton John, e que Constanza, seu único e definitivo amor, levou a pé da letra: and never forget I'm your man (e jamais se esqueça de que sou seu homem).

Vivo de ser um latinista, em forma e conteúdo. Portanto, da mesma maneira que passei um terço do livro aborrecido com Julius e suas inseguranças, sempre batendo em retirada, me apaixonei perdidamente por Constanza. Nela coloquei todos os rostos dos meus amores, os que tive e os que imaginei ter, e todas as amarguras que se sucederam após as eventuais separações, sempre temperadas por sons, cores e músicas de época.

Onde andará Constanza? Cheirando a água Farina Gegenüber, misturado com tabaco e cloro de piscina?  E súbito me dou conta que ela está aqui, bem aqui ao meu lado, me olhando curiosa. Que não tem segredos ou mistérios, porque deve estar no pacote das atenções de quem ama, perscrutar as entrelinhas do outro.  É assim que se faz, seu Julius! De resto, jamais esperar trinta anos para viver cada segundo sem hesitar, como ensina o Elton.

Sei, e não vou esquecer tão cedo como são, em vida, todos os personagens de O inverno e depois. De Julius a Peter Ustinov, passando por Boots, Antonia e Mickey Rooney. Os reconheceria na rua, caso nos cruzássemos. Já Constanza... Ah, Constanza com seu jeito e cheiros... estará sempre comigo.

Dvorak compôs a obra, obsessão de Julius, em três movimentos, como a vida que vi no protagonista. Este, entretanto, porque custou a descobrir-se e pelas intercorrências que viveu, contentava-se em executar somente o primeiro.   Ao fim, entretanto, não poderia, depois de um lapso tão longo de tempo, um amadurecimento repentino, culminando com uma extraordinária sucessão de “coincidências” (que seria mais justo  chamar de Sincronicidade, na linguagem de Jung), deixar de executar a obra completa, que tinha “de cor e salteado”, à plateia do presente; do pretérito que poderia ter sido mais-que-perfeito, e para um especial futuro do pretérito.

Depois de ouvir Dvorak, porque se impunha que ouvisse, fui ouvir as Bachianas, do Villa Lobos. Quando Bidu Saião terminou, fui àquele que, de certa forma, inspirou o romance. Ouvi Elton John e sua apostolar I Guess That's Why They Call It The Blues (Acho que é por isso que eles chamam de tristeza - ou algo assim), tema de vida de Julius. O texto instiga a ouvir clássicos concomitante e compulsivamente.  


sábado, 7 de maio de 2016

A TODAS AS ÚNICAS





Mãe é uma só, dizem, e biologicamente é incontestável. Mas a vida e a história de cada um traz peculiaridades.

A minha querida se foi cedo demais, nem tivemos muito tempo e eu só fui saber de fato o que é uma mãe, na sequência triste de sua ausência.

Ernestina era uma guria de 28 anos quando foi trilhar o mesmo caminho de luz que a trouxe.

Então vieram as outras: Nena, Toninha, Iolanda, Neci, Mercedes e outras, que antes de me colocarem debaixo de suas asas carinhosas, eu mesmo invadi e fui lá dividir espaço com os irmãos que adotei. Alguns até nem ficaram sabendo disso.  Mas sempre recebi amor, conforto e cuidados.

Teve, porém, uma que também viajou cedo, mas teve o tempo suficiente para, como se lê por ai tornar-se inesquecível. Amada e incomparável Cecy, que transbordava em carinho. Tinha idade de mãe, ou tia, mas gostava que eu a chamasse de vó.  Talvez por querer ser duas vezes minha mãe.

Deixou comigo essa lembrança que escondo além dos meus guardados, como uma foto mimosa ou uma tatuagem em lugar estratégico, no caso, no coração, e que exponho neste Dia das Mães para homenageá-las. E por elas, todas as minhas amigas que tem a felicidade de serem mães.

Beijo em todas. Em suas faces ou em suas memórias, mas sobretudo em minhas saudades, com muito amor.          

domingo, 1 de novembro de 2015

GOLD FINGER

Do livro Castelo de guardanapos

Você chega aos cinqüenta anos e nada, nunca mais, será a mesma coisa. É uma idade que dá para contar em séculos, meio, o que impacta até o mais despercebido ego.

A idade traz na mala de garupa muito mais do que uma eventual e simples aposentadoria. A vida cobra pesados ônus, na razão direta das gastanças físicas, intelectuais e financeiras. Mas cobra também pelo simples fato de estarmos vivos e ousarmos desafiar a idade. Antes éramos velhos aos cinqüenta, hoje podemos ser quase jovens ou metidos a isso. 

Há homens que justificam plenamente esta versão. Em nossos encontros anuais de Uruguaiana, observamos companheiros cuja cor dos cabelos em nada se alterou, o Wieczorek, por exemplo, ou o porte do Nogueira, que até hoje chama a atenção de seu antigo professor de geografia.

Na balada dessa pretensão, as mulheres, felizmente estão anos-luz à nossa frente. Há um grupo de amigas, quase um clube, que se intitula PQG (Pensa Que é Gatinha) e curtem muito isso, mas dá um trabalho danado conferir calorias, medir índices de gordura e outras ginásticas, além das atividades de mães e profissionais. Tudo dá trabalho a partir da meia-idade.

Dia destes chegou a minha vez. Busquei no plano de saúde um especialista. Ninguém conhecido meu ou de meus amigos. Urologista.  Marquei consulta. 

Na noite anterior não dormi e na manhã do dia fatídico experimentei acordar mal-humorado. Jamais sou mal-humorado de manhã. Tenho várias testemunhas, todas femininas que atestam isso. Criei pretextos para não acordar, depois para não sair de casa. Sentia-me velho, um traste, indigno de vestir as calças que até então atestavam a minha condição de  homem. Na porta do edifício de casa fingi que havia esquecido as chaves do carro, na porta do consultório quis voltar, deixar para lá, afinal não tinha nada mesmo. A saúde estava como nos velhos tempos. Entrei. Na porta do consultório vacilei. Não uma vaciladinha qualquer como aquela quando o sinal troca do verde para o amarelo. Uma grande vacilada, como uma falha na hora H, brincando de bombeiro com a Luma.  Mas enfim, não era o único homem a fazer exame de próstata.

Entrei. Havia dois senhores quietos, quase sem respirar para não serem notados, olhos fixos em  revistas que até poderiam ser sem letras. Não queriam ler, queriam esconder os olhos. A educação me ensinou a dar bom dia. E fiz isso, mas nem eu ouvi o som da minha voz. Por outro lado, bom dia quando e onde, cara pálida? 

Sentei e busquei desesperadamente uma revista, qualquer uma. Sabe revista de consultório? A mais nova mancheteava: Caras-pintadas derrubam Collor !  Acho que uma das outras era O Cruzeiro. Não importava nada disso, queria, como todos os desafortunados presentes, esconder o olhos. Por prudência ou discrição, o consultório não tinha recepcionista. Já pensou, você ali, mortificado, e uma secretária lhe olhando, séria, talvez com  pena, vez por outra rindo, sabe-se lá de quê, ruminando um chiclete? Seria muito pior.

A porta se abriu e eu gelei. De lá saiu um cidadão, mais constrangido do que nós da sala, boné enterrado até os olhos, olhando para algum ponto do carpete, ou para o infinito além do solo. A seguir saiu o médico. Imediatamente olhei para o tamanho de suas mãos. Meu Deus! Porque não busquei alguém conhecido? O cara era enorme. Como um sujeito daquele tamanho se propõe a passar anos na universidade, gastando os olhos da cara, normalmente explorando os pais, só para se tornar urologista? E sai de sua sala sorrindo e dando bom dia! Só pode ser sádico. Vacilei de novo. 

O seguinte, ou a próxima vítima, foi chamado. Levantou-se da cadeira como uma ovelha cansada de se debater contra a fúria dos cães selvagens, entregue, arrastando-se penosamente até ser recebido à porta por aquele monstro. Fecharam-se.

Na sala de espera restava-mos dois, olhos fixos nas páginas da mesma revista de horas atrás. Então nos olhamos com profunda sinceridade. Ele tinha mais ou menos a minha idade e parecia em boa forma. Constrangimentos à parte, conversamos sobre o que nos levava a passar por aquilo, e que estávamos ali mais em respeito aos nossos familiares, etc. 

E variamos os assuntos, e seguimos conversando até o elevador, depois tomamos um cafezinho no bar do prédio, acabamos combinando um jantar com as famílias e um treininho da basquete no final de semana. Nos despedimos, cada um pegou seu carro e nunca mais nos vimos.  O exame!  Pela quarta vez, por motivos diversos foi transferido. Pior é que digo em casa que está tudo ok. Acho até que está, mas quem garante? Aliás, é mesmo da garantia que estou fugindo. Sei que não posso adiar ad eternum, até porque a eternidade pode chegar antes.

sexta-feira, 23 de outubro de 2015

VS 105 – A NAU DOS INCENSADOS.



A esperança me relincha na alma,
Mesmo mantendo a calma e a temperança,
É certo que não vou afrouxar a cincha,
Pois esse mundaréu de lambanças,
Me manda surfar entre o pentelho cristão,
Que gostava do Mano como irmão,
Porém tirou a mão, quando esta deveria ir ao fogo.
(“Pagar pra ver é do jogo, disse o cagão”).
E foi morar na história como chato.
Falo do velho e rançoso São Thomé,
E do outro lado, da Velhinha de Taubaté,
Seu paradoxo comportamental,
Etecetera e tal.

Fico cá, com um olho no peixe, outro no gato,
Esse é o fato, e que a vigilância nunca me deixe,
A fim de que ela, a esperança, saia barato.
Porque, senhores murmuradores,
De cujos temores eu me empresto:
Há deputados, senadores e outros incensados doutores,
Que são verdadeiras bandeiras deste novo país,
(Meu Deus! meu Deus! mas que bandeira é esta, 
Que impudente na gávea tripudia? 
Silêncio.  Musa... chora, e chora tanto 
Que o pavilhão se lave no teu pranto!)

Muito obrigado, querido Castro,
Falta o mastro, se não para hasteá-los
Como estandarte do lixo que representam, empala-los.

Na ponta dessa lança,
Que a brisa cálida do Brasil beija e balança,
Tripudia, pálida a esperança, 
Como nos porões das trágicas esquadras de negreiros.
Mas seu sobrenome, esperança, atende por Calheiros. 

Que este e tantos outros alcoviteiiros,
Que indelével tisnararm a moral deste país,
Encontrem a corgem de um juiz que os enquadre,
Que não reste apoio de compadre,confrade, nem de padre, 
Porque lugar de bandido é atrás das grades.

Mas nesse jogo da mentira, onde todo honesto é burro,

 Não me achico para o "testa" flor de indigesto
Abro meus "güeimes" e meto o urro:


CONTRA A FLOR E O RESTO! 

quinta-feira, 15 de outubro de 2015

OPS!




Tenho cinco anos. Não existe nada mais fofo que um pai e um filho da minha idade irem ao estádio.  Está bem, existe, mas não vem ao caso.
  
Meu pai gosta do Grêmio e eu também acabei gostando. Eu gosto de ir ao estádio com ele, embora não saiba muito bem do que se trata. Acho zoado demais aquele monte de tiozinhos brincando de pega-pega.

Ah, mas lá tem pipoca, picolé, refrigerante à vontade; um monte de gente gritando, coisa que meu pai não faz, mas lá ele faz. E sabe porque tem todas essas delícias à vontade? Meu pai se concentra no jogo, e cada vez que eu falo, ele me compra uma coisinha para que minha boca fique ocupada.   Mimoso! Ele sabe que meu silêncio não é barato.

Às vezes tanto mimo me dá problema. Por isso, prudentemente, a gente sempre senta perto de um banheiro. Vez por outra, quase nem dá tempo de ir até lá.  E hoje não deu. Foi tanta pipoca, amendoim, picolé, refrigerante (o jogo deveria estar encrencado) que as comportas se abriram, digo, a comporta.

Meu pai olhava o jogo concentrado e eu comecei a sentir qualquer coisa. Essa qualquer coisa foi apertando, apertando... Mas eu não queria tirar o meu pai da concentração. Apenas olhava para ele. Então, despercebido, ele me olhou.  Primeiro carinhosamente, depois ficou sério. Nos olhamos por mais alguns segundos, ele cada vez mais sério e eu cada vez mais vermelho, acho.  Senti que ele ficou muito apreensivo (porra! Apreensivo? E eu?). Finalmente ele me disse uma única palavra:

- Não!

Eu não disse nada, mas arregalei os olhos. Ele repetiu:

- Nããããão! Fazendo uma careta estranha, meio medo, meio raiva. Tipo dia de vacina.

Ai passei a fazer olhar de cachorro (eu sei a força que tem o meu olhar de cachorro). Então, na terceira vez que ele disse não, imediatamente me pegou no colo, baixou o meu calção e pegou no ar (como um gato!) o resultado de tanta comilança. Ufa, que alívio! Acho que isso é o que querem dizer com paz interior.

A cena seguinte foi ir ao banheiro, pendurado no braço direito do meu pai, fedendo. Na mão esquerda dele... Bem, ele não iria deixar na arquibancada aquela nojeira toda. Por sorte (dele) eu era um homenzinho, cocô durinho e tal. Enquanto subia os degraus, sem efeito solo, ouvi gargalhadas da galera que estava por perto. Teria sido gol do Grêmio?  

Ah, minha cuequinha do Grêmio. Ela ficou por lá, mas não deve ter dado para aproveitar.