Este não é um domingo comum. É dia do
filho, porque é assim que se faz um pai. Dia daquele que tão logo se desmama, passa a mirar um modelo e até a disputar
a mesma mulher com o homem que, apesar de tê-lo como estorvo progressivo entre
os momentos mais íntimos, lhe alcançou a mão desde os seus
primeiros vacilos externos. Dele levará o jeito de ser homem e de tanto
ouvi-lo, e deixar de ouvi-lo, acabará aprendendo que não será o tamanho das
calças que definirá o padrão de conduta, moral e ético. O certo e o errado de acordo com seus conceitos. E por ser em primeiro
lugar dia do filho, é o dia da rebeldia. Das profundas transformações que
começam com a revolução hormonal a fazer com que aquele menino “se ache” e vá perceber-se muito além dos seus limites.
Hoje é também o dia do sonho. Do sonho
interminável desse filho, e do outro, seu precursor, que lhe deu pedaços de si, investindo em fundo de risco ao portador. Será perdido ou não dependendo de
quando, e a que horas, o beneficiário resolver acordar. E o mais velho estará em
permanente vigília, ou rezando à distância, para que acorde bem.
É dia do Espírito Santo, formatação religiosa de alguns. Não se iluda,
rapaz, a mulher ama somente dois homens incondicionalmente: pai e filho. Por
eles se dará por toda vida. O primeiro porque é a figura ímpar do sexo oposto, primeiro
homem (o Adão, a quem deve uma costela) a partir do qual começará a desenhar um
ideal a ser buscado nos olhares transeuntes, mundos afora. O segundo porque é
fruto, carne e sangue de si, gestado no desconforto de uma transformação física
que fará dela, mulher, o verdadeiro Deus, pois lhe consagra o dom da criação. Nossa parte nessa trindade é, portanto, o Espírito Santo, figura etérea, alegórica, adquirida, que quando encontrado, o ser ou não ser, dependerá dos estímulos físicos, químicos e espirituais, e do talento desse protótipo ocasional. Ser por vezes príncipe, por outras sapo, de paixão incubada, nos resumimos no gameta do Altíssimo espalhados
pelo mundo sendo monitorados por RG e CPF, e irremediavelmente coadjuvantes da trina. Não mais que isso para alguns, e
“porque querer mais que isso?”, para outros. Mas todos seremos cobrados pelo
zigoto.
Mas isso é parte de uma pretensiosa e curiosa teoria, cuja conclusão me diz que
para ser incondicionalmente amado, um homem deve ser de pai de uma menina, e
a mulher de um menino para completar a trindade (ou devolver a costela emprestada). Ainda que a mãe venha a projetar em uma filha, tudo o que gostaria de ser ou de ter sido.
Não é um domingo qualquer. E dia daquele que passa o metro da vida correndo atrás da mãe virgem Maria, mas
vive tropeçando em Madalenas, convictas e arrependidas, cujas diferenças nem
serão percebidas quando o processo químico do amor e circunstâncias fizerem parte do kit. É dia do babão alienígena, que
quase nunca sabe o que fazer quando enxerga um recém-nascido de si; onde coloca
as mãos, o riso e o choro, todos concomitantes, e cobra, e desafia o Criador para
que o seu coração, que passa a bater longe do corpo, o faça para sempre. Ou ao menos que nunca o veja silenciar antes que o seu próprio enfim se aquiete. Dia em
que o homem, por ter cumprido a tarefa básica encomendada pelo Criador, senta, por fim, em um trono real para assumir a condição
de parte na obra divina de se ver multiplicado.
É dia de perdoar e de buscar perdão, e peço aos meus que
me perdoem, se e quando puderem, pelos modelos inválidos transferidos, e pela irrecuperável tarefa de mal ter sido um e outro. Filho e pai. Dia de me penitenciar por não ter sabido a importância do que é ser suficiente, presente e único.
É dia dos pais, e
eu, por viver na saudade do velho Portella e dos meus filhos, recomendo ser dia de
reforçar afetos a quem ainda pode, porque hoje, homens, é dia de amar homens,
dia agradecer ao deus-mulher que nos permitiu a condição de parte na
história da criação, e de nos deixarmos mimar por elas porque, afinal, é fato:
a divina comédia humana não estaria completa sem o Espírito Santo, a imagem e
semelhança do melhor que podemos ser.
Certo
que hoje, enquanto lembro e vou a um canto molhar um lenço pelas minhas
desatenções paternas e filiais, estarei na fila de um restaurante qualquer da
cidade, pois por ser dia dos pais serei liberado da cozinha. E haverei de ser
mimado pelo esforço que faço para merecer carinhos.
*Dia dos pais de 2007