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sábado, 30 de março de 2013

NÃO VERÁS NENHUM PAÍS COMO ESTE




As vezes me pergunto o por que do patriotismo. Num mundo globalizado, eu poderia muito bem amar a Suíça ou o Canadá. Torceria por eles na Copa, embora não joguem nada; pagaria feliz os seus impostos, na certeza de que não alimentaria amantes de senadores e ladrões de gravata,  ou porque teria a retribuição em serviços. Amaria qualquer país, onde não se comprassem votos pela ilusão efêmera da fome saciada; onde governantes corruptos fossem julgados, presos e que ficassem presos, e não  beneficiados pelo lado da balança perverso e desiquilibrado, que coloca em pratos opostos direito e justiça. Sim: que ao invés de serem indenizados, ressarcissem os cofres públicos.

Amaria qualquer outro país que entendesse o quanto é ampla a palavra “ditadura”. Ampla, sem lado, sem ideologia ou cor. Ela pode ser verde ou vermelha. Pode ter olhos escuros, azuis, ou puxados; cabelo cortado a cadete ou ter longas barbas negras. Mas vivo aqui e amo este lindo país de compreensões distorcidas. De verdades absolutas a mercê de versões convenientes, e de mentiras que passam para a história como na velha propaganda nazista de Joseph Goebbels: "Uma mentira repetida mil vezes torna-se verdade".

Ah, “criança, não verás nenhum país como este...” (Bilac).       

Devo ter dormido por um tempo, não sei quanto, mas sei que antes de adormecer cantávamos hinos e hasteávamos a bandeira derramados de emoção. Como tínhamos orgulho daquilo! Como parecia ser bom o fato de sermos brasileiros!

Ouvia que Brasil não era só o negrinho esperto, de camisa amarela, com número dez às costas e uma coroa na cabeça, e que socava o ar enquanto fazia noventa milhões em ação irem ao nirvana. Também não era só aquele moleque, de igual camisa amarela, com número sete às costas, anjo rebelde de pernas tortas, que se divertia chamando os outros de “joão”. Não, não... O Brasil era muito mais que aquilo. 

E bem mais tarde, cheguei a ouvir que o Brasil se preparava para ser bem mais do que supunha aquele obstinado condutor de tempestades, louco por pódio, aonde chegava quase sempre no final de suas voltinhas autistas pelos autódromos do mundo. Não sem antes fazer tremular o lindo pendão da esperança, símbolo augusto da paz, aos acordes de outro hino que se consagrou aos vitoriosos. 


A mim disseram que Brasil era muito mais do que tudo que isso. Que suas cores representavam riquezas nossas, de todos nós, que suas estrelas significavam lugares abençoados, e que na faixa transversal estava escrito o que deveria ser nosso dogma de fé. Andam querendo trocar os tais dizeres, talvez por não significarem mais nada.

Lamento por este gigante inerte, entranhado de vermes que me causam dores sociais; coletivas, de tal forma absurdas, que o riso transcendeu o choro e ambos esmaeceram. Anularam-se.  A indiferença anda  absolvendo as raivas.

Silencio por essa massa de democracia reposta a custa de muito sofrimento, e que por isto mesmo deveria ser respeitada. Mas não é. Hoje, aquilo pelo que tantos de nós brigamos é de um nada quase tão dolorido, quanto foram os resultados dos riscos que corremos para que pudéssemos ter de volta o direito de falar. O que não sabíamos (e se passou aos mais novos que só sabem o que lhes contaram) é que estávamos a serviço de quem calaria ainda muito mais a nossa boca, e de forma mais sutil. E viemos capitular e capitulados permaneceremos, sob a regência do mais bizarro sistema de governo, único no mundo, o "parlamentarismo judiciário", onde togados biônicos dão as cartas e jogam de mão. 

Uma parte da minha geração passou de inimiga da ditadura a filhote dela. Por mim e por alguns que sei, fica de graça, pois não são as adjetivações que aborrecem. Minimamente perturbam de onde partem, e mais pelo monopólio da verdade na boca de pessoas queridas. Sobrevivemos ao período dos exageros praticados em nome de seus próprios princípios, com baixas de ambos os lados. Foram interdependentes e se retroalimentaram aos limites do ódio por mais de vinte anos. Injustiças houve, como em qualquer revolução; brutalidade também, cada qual ferindo com as armas que possuía. O que não me aconselha, entretanto, a viver dirigindo a vida com o retrovisor maior do que o para-brisa.  

Adormeci, adormecemos. Vez por outra acordo cantando o hino, com aquele sentimento cívico juvenil que não soube passar para os meus filhos, até porque cresceram justamente no tempo em que esse civismo andava na contramão da boa cultura, e jazia politicamente incorreto segundo a classe. Submergi a isso covardemente.

Na visão de hoje, percebo que a mim importa muito mais não ter me tornado um cidadão com restrições cubanas, norte coreanas ou soviéticas, pois nunca consegui aprender a lição de que “em boca fechada não entra mosca”. E paguei caro por isso. Esse valor, entretanto, a manutenção da nacionalidade com suas virtudes e erros, é subtraído de quem nos manteve brasileiros. Classes de pessoas que simplesmente leram e souberam interpretar em suas cartilhas o significado de: “ou manter a pátria livre, ou morrer pelo Brasil". À sociedade civil das épocas litigantes e às força armadas que lhes deram sustentação, e vice-versa, eu agradeço o fato de continuar vestindo o uniforme verde-amarelo e ter, ainda que enxovalhado de mágoas, orgulho disso. 

Enfim, convicto de que não há mais mundo para girondinos e jacobinos, posto que a virtude está no meio (in medio stat virtus)  durmo. Mas se durmo, logo existo e tenho CPF. É o que indeniza o meu sono e o mesmo que contribui com o sucesso dos muito bem acordados. Per omnia secula seculorum.

sexta-feira, 15 de março de 2013

O NOME DOS ANJOS





Meu pai foi um cantor de bar, voz enrouquecida de abusos e intempérie, com duas espingardas azuis em baixo das sobrancelhas.  Viveu sua juventude à custa do charme e da virilidade. Na idade madura, mesmo desgastado, conseguia arrancar mais do que suspiros das antigas namoradas. Seu nome deveria subscrever os convites para os cultos ou missas de domingo: Santo José dos Anjos, apelidado pelas amantes e os amigos, colegas de copo e de cruz de “Santinho”. Um santo de reino pagão. Quando morreu não resisti, coloquei na sua lápide com toda a minha saudade: “santificado seja o Vosso reino”

Há um ditado que diz: Deus cria, o diabo espalha e eles por si se juntam. Santinho encontrou numa de suas tantas noitadas, uma mulher diferente das que costumava vencer pelos olhos ou pelos ouvidos. Uma ruiva de personalidade fortíssima que lhe custou mais do que um encontro, buquês e muitas canções dedicadas. Era uma mulher vivida, sábia, que aceitara o jogo proposto, mas que se sentara a mesa com um coringa escondido. E quanto mais trabalho gerava aquela conquista, mais foco e empenho do velho garanhão. Um dia ela se entregou, ou se deixou entregar. Nesse dia, contava meu pai, se amaram tanto e com tal intensidade que se finaram à míngua. Horas, talvez dias de confinamento. Despercebidos e sem planos, quando sequer sabiam o que seria da manhã seguinte, se houvesse um amanhã, eu começava a minha caminhada em direção a vida. Quem poderá dizer que o período fértil não era o naipe do coringa?

Contam que minha mãe segurou meu pai com grilhões de sedução até a primeira percepção da transformação física. Alguns meses depois, entretanto, ele foi embora a deixando parada, pregada na pedra do porto. Mas ela também era dessas que apequenam o mundo e nem teve tempo de me ninar cantando cantigas de cabaré, embora tivesse (aqui se junta o que o diabo espalhou) o que muitas candidatas a santa gostariam de ver escrito na sua certidão de nascimento, o nome: Agnes de Jesus Purezza. Minha mãe, de quem guardo uma foto, nossa única proximidade desde que me pariu, foi ao mundo cumprir o seu destino. Não sabemos um do outro, mas eu a compreendo, acho. Deve ter tentando construir a sagrada vida em família tendo, desafortunadamente escolhido o santo pelo nome.

Santinho, meu pai, acabou sendo o anjo torto que ressurgiu tão logo eu nasci, impedindo que eu fosse parar na roda dos enjeitados. Me deu nome, origem e depois me entregou a um orfanato cuidado por religiosas. Uma espécie de remissão de pecados via terceiros.

Cresci encomendado para o sacerdócio. Minha infância e adolescência conheceram um único mundo. O mundo de rezas e privações, perfeito na visão dos conformados e genuflexos operários de Deus. A primeira inquietação adolescente veio à luz quando vi um padre benzendo uma noviça. Ele não rezava, apenas gemia e segurava a cabeça da religiosa, ajoelhada à sua frente, num ritual estranho, que em determinado momento tornou-se frenético. Quando quis saber que tipo de benção era aquela, a noviça nada falou. Em vez disso me mostrou o procedimento. E tantas vezes outras quis repetir a tal benção que fui repreendido, castigado, confinado e acabei excluído da ordem. Santinho tinha me deixado algo mais do que origem e nome. Mas enfim, eis o que queriam dizer com “crescei e multiplicai-vos”.

A propósito, meu nome, certamente mais por ironia que por amor é quase uma homilia: Angelo Purezza dos Anjos, ou simplesmente Anjo, como chamam os amigos. Mesmo que corte pela metade, faça conjugações diferentes não tenho saída, o primeiro olhar que recebo é sempre de reverência. Afinal os nomes dizem o que somos. Ou deveriam.




Nota: Algumas expressões da música Menino Jesus, Chico Buarque.   

sábado, 23 de fevereiro de 2013

DA TERRA NASCEM OS HOMENS









Ao herói brasileiro Demétrio Toniolo 

A tarde escorregava. Lenta, saldo de ressaca, e comportada. Havia uma viagem pela frente e estrada requer concentração e juízo.

A figura observadora de conversas era um senhor, sentado a parte, quieto. Sentei do lado e falamos coisas à toa. Variamos pela temperatura, clima e a indefectível violência urbana. Mortes ocorrem a toda hora, de todas as formas e por quaisquer motivos. Nada satisfaz este bicho racional e incompreensível que não mata apenas para comer. Daí até a guerra entre nações nem precisou interface específico.

O pracinha Demétrio Toniolo tinha estado na Itália, em 1945, lutando pelos aliados contra o Eixo, na tomada de Monte Castelo. E lutara contra seus ancestrais italianos, mas isto pouco contava porque afinal, quem vai ao fronte vai para causas bem definidas, e no mais fundo do íntimo, vai com esperanças de poder voltar. Lá, mata ou morre. Com a cruel especificidade de que no campo de batalha só estarão inocentes guerreiros compulsórios.

Lembrava com detalhes seus meses de privações, onde a única saída para vencer o medo era não ter medo. Demorou uma vida inteira para limpar dos tímpanos os zumbidos de bala, matraquear de metralhadoras, canhões e minas. Por muito tempo viu sangue em lugar de poças d’água; ouvia gritos em vários idiomas. 

Saíram daqui meninos, e ficaram marcados para o resto da vida, física e moralmente, pelo convescote sangrento com os Quatro Cavaleiros do Apocalipse.

Entre tantos fatos impressionantes de suas lembranças, ele recordou um colega de farda, companheiro de primeira hora, que embarcara junto no Porto de Santos, com o qual permanecera irmanado a jornada inteira, e que junto retornou ouvindo os vivas da vitória. Não só pela amizade formada, mas por um detalhe peculiar: Enquanto a "cobra fumava", o amigo resolvera registrar em um diário todo o processo que passaram. E como era poeta, registrou em versos.

Na conjunção impensada entre a brutalidade da guerra e o lirismo, ficou o relato de um poeta; de um momento inesquecível para o bem e para o mal da humanidade.

É uma figura e tanto, seu Toniolo. Um veterano de guerra, que traz no espírito a paz que foi buscar. Um documento vivo da história; Um herói brasileiro, que só não é anônimo porque onde mora, a cada semana da pátria é reverenciado. Mas a república não o visita vez por outra para perguntar sobre eventuais sequelas, do tempo em que arriscou a vida para que pudéssemos continuar respirando os ares da liberdade.


(*)Dia 02 de maio, dia do Ex-combatente










quinta-feira, 14 de fevereiro de 2013

UM DIA VIERAM E LEVARAM MEU RISO






Um dia me pediram as armas que eu tinha guardado. Não seriam usadas; repugnava-me, e porque não dizer, me assustava ter de um dia usá-las. Mas estavam ali. De certa forma me sentia seguro com elas. Mas disseram que era por uma boa causa e eu as entreguei, mesmo antes de ser coagido a isto, ainda que sem convicção.

Em outra oportunidade me proibiram de beber. Nem um pequeno drinque poderia, caso fosse dirigir. Sempre me mantive dentro dos limites, uma e outra vez quem sabe tenha me excedido, não me lembro, nada que me tivesse tirado a consciência e o equilíbrio. Jamais provoquei ou sofri acidente de carro nestas condições, mas assustado com os números trágicos da mídia, e convencido que iria ajudar, ou muito mais que isto, me preservar física e economicamente, aquiesci. Diziam que o grande vilão das mortes do trânsito era o álcool, e enfim as boas causas estavam postas e eu não iria contrariá-las.

As noites ficaram mais longas e chatas; os amigos foram se recolhendo mais cedo e eu fui ficando mais em casa. Casa que sem as armas foi adquirindo cada dia mais grades, porque as mãos que acompanham os olhos da noite continuam armadas e cada vez mais violentas. E nos cérebros que gerenciam esses olhos, a vida ganha cada vez mais desimportância.   

Então criaram o sistema de cotas. Nossos irmãos afrodescendentes teriam privilégios em universidades em função de séculos de repressão, supressão e pobreza. Eu que já não podia chamar meus amigos negrões de negrões, ainda que isso demonstrasse carinho, não ousaria fazê-lo agora, que passaram de iguais a privilegiados. Corrigir a história com erros que um dia serão históricos cria injustiças imediatas; no caso oficializa a desigualdade racial; promove novos conflitos que só o tempo haverá de materializar, e talvez nunca mais recomponha. 

Mas também não perguntaram qual era a minha opinião a respeito e eu tive de concordar. Não sem antes pensar nos milhares de filhos pobres que não tiveram o privilégio de nascerem negros. Penso que haverá, mas não sei se chegarei a presenciar, hordas de brancos empobrecidos clamando por justiça racial.

AÍ resolveram que homossexuais seriam uma casta especial de pessoas; uma nova e moderna família, sobre as quais pouco poderia ser dito que não fosse do seu agrado. Além disso, talvez lhes providenciassem cotas de acesso aos serviços públicos. Meus amigos negros e meus amigos homossexuais perderam (não quero pensar que talvez tenham ganhado com a perda) a minha espontaneidade. Eu, que não consigo viver  de alegrias contidas ou patrulhadas, por certo perdi o jeito leve de interagir com eles.

Antigamente se dizia, e se brincava com isso, no quanto era terrível ser feio, pobre e morar longe. É? Experimente ser feio, pobre, branco, hétero,  morar longe e ter bom gosto? Por sorte eu cresci, e sem problemas de auto-estima. Mas viver a juventude nessas condições hoje teria sido uma teimosia imperdoável.

Vi, por fim, que talvez tirem o nome dos velhos Ramão e Ernestina da minha identidade; que meus netos possam não cantar e representar no Dia dos Pais, e que o Dia das Mães das escolinhas sequer seja lembrado.

Pensei em protestar, mas vejo olhos sinistros à espreita; canetas com tinta fresca e carimbos que sacramentam essas opções, e que embora não possam me tolher da liberdade, por certo tratarão de tisnar a minha alegria. Meu riso ainda não se foi, embora todo esforço legal para que ele me abandone; minha felicidade até poderá não ser completa, mas quem sabe possa acabar se e quando portugueses, loiras, gordos, magros, feios, brancos pobres, baixinhos e papagaios resolverem se  juntar e pressionar a OAB para o derradeiro golpe na alegria. 

Há espaço, clima sustentado pelo cinismo mórbido politicamente correto; gente com sede de fazer história a qualquer custo, intermediários de viseiras, e na ponta de tudo isso as maiorias inocentes que trocam seus novos privilégios por votos a cada dois anos.  

quinta-feira, 31 de janeiro de 2013

SOFRIMENTO COMO MEIO, IMORTALIDADE COMO FIM



A história de São Paulo e Bolivar já estava contada, bem como a generosa quantidade de gols. Enquanto houve pernas, os bambis fizeram valer sua melhor qualificação, depois, o craque bolivariano (um gigante de 3660 metros de altura) entrou em campo. Feito. O São Paulo é sério candidato a jogar em Tóquio em dezembro.

Em Porto Alegre a cobra fumou, bem no estilo gremista de ser. Parto de fórcipes. Contrações de cinco em cinco segundos, dilatação de quatro dedos e respiração cachorrinho.

O Grêmio mostrou um início esperançoso, forçando o ferrolho composto por onze equatorianos (ou seriam espartanos?), que se dedicaram a rebater tudo que representasse matéria, bola, corpos, leivas, quero-queros... Sob o olhar complacente do juiz argentino. Parêntese.  “Deixar o jogo correr” não está entre as dezessete regras da arbitragem. É critério, estilo, etc, desde que coadjuvado pelo bom senso. No caso de ontem, além da cera impune por cartões, os equatorianos estavam liberados para o anti-jogo. Tanto que o no final um cidadão, dos onze defensores, sentiu-se a vontade para retirar de bicicleta a cabeça de um atacante gremista (ao menos tentou). Ok foi expulso, mas já passava de 40 min. do segundo tempo, e a eminência de pênaltis se consagrava. Fecho parênteses, não sem antes pensar na mãe daquele juiz. A verdadeira, não a do campo.

A má atuação gremista pode ser creditada a vários fatores, como pressão pela necessidade de vencer sem levar gols, tendo uma defesa formada por reservas; a monumental retranca equatoriana, o início de temporada, o dia “não” de alguns (dia não, ou fase não?), a arbitragem frouxa, mas acho que o principal está no gramado. A gestão anterior não quis deixar para a atual o privilégio de inaugurar a Arena, e assim, apressou, bem como fazem os políticos em final de mandato, a inauguração da obra.

Não há um campo de futebol e isso, claro, prejudica quem precisa jogar. Um areão mal disfarçado no meio do pasto. E para completar, frágeis gradis para segurar a turba em debandada.

Espero que o bom senso impere e se retire as condições de jogo na Arena, antes que algo de mais grave ocorra.
            

sábado, 15 de dezembro de 2012

O ANJO ROSALINO


O anjo Rosalino

Meu pai, com a sabedoria dos velhos me aconselhava: “melhor baixar os braços a perder os dentes”; “nenhuma discussão ganha vale a perda de uma amizade”. E particularmente me dizia: “tu não tens nem tamanho para ser valente”.

E de fato nunca fui de brigar, mas o verbo sempre me atormentou e nunca houve travas suficientes que o fizesse acomodar-se antes da língua. Nem em situações críticas e de perigo eminente como quando de minha passagem pelo quartel, prestando serviço militar em pleno AI-5. Penso, logo falo. Sem meditações metafísicas, não é mesmo seu Descartes? Mas pago por isto. E a respeito de amizades que se perdem por discussões vagas, penso que elas também o tenham sido.  

Eu tinha pouco mais de dez anos e vinha de um bate-boca forte com outro menino, este com tamanho de quinze. O motivo era o futebol, um coicezinho desproporcional, uma cotovelada, ou apenas um “paninho”... Essas coisas. Em um determinado momento, o oponente, perdendo o argumento, não lembro se com um soco, ou com o vento do seu soco me jogou ao solo. Eu ainda me preparava para levantar, quando lá veio a maldita mão pesada, que vi chegar perto do meu rosto. Mas não alcançou. Não alcançou e na seqüência lá estava o “provalecido” estatelado ao meu lado, surpreso e manso. De pé, um amigo da idade dele, enfurecido, mas controlado, dizendo apenas: “tiscapa daqui! Se te pego de novo te cago a pau!”.

Também em outra oportunidade, na saída de um jogo no campo do Ferro Carril, eu estava prestes também a pagar caro por alguma firula debochada, e o mesmo anjo da guarda, ai com calma e jeito afastou o desaforado, abraçando-o e aconselhando. Afinal, aquele era vizinho e amigo.

Minha mãe, vendo o fato, perguntou: “aquele guri mais velho é teu amigo?”. Sim, ele era meu amigo e detalhei às vezes em que ele esteve ao meu lado. Minha mãe perguntou: “sabes por que ele faz isto?”. Eu não sabia, mas desconfiava que ele gostasse de mim. Ela, por fim, com a calma exigível me esclareceu: “ele cuida de ti por que é teu irmão”.

Não lembro se entendi, mas lembro de ter ficado intrigado. “Como assim, meu irmão?”. Jeitosa, me contou que antes de casarem, meu pai tinha tido outra esposa e dali nascera aquele filho. Disse-me ainda que eu deveria gostar sempre muito dele, uma vez que ela também gostava, embora ele não soubesse. 

Depois disso eu o procurei várias vezes para falarmos, mas como era muito tímido, desconversava. O tempo se ia, veloz como quem corre atrás de uma bola, e ele aos poucos iam percebendo que sua missão de anjo anônimo fora cumprida, embora permanecesse sempre vigilante. Falávamos pouco, mas sempre que falávamos o sangue puxava, e a partir de um momento melhor de maturidade e compreensão fomos carinhosos e muito amigos.

A última vez que o vi, combinamos um encontro no final daquele ano em uma das praias, e finalmente praticarmos juntos os abusos permitidos a irmãos em férias. Mas não deu tempo. Um descuido o levou embora mais cedo. Sempre é cedo para morrer, mas irmãos devem viver pelo menos cinqüenta anos juntos, e algumas praias.  
Cumpro assim outra sina. Saudades eternas, Rosalino Ribeiro, meu irmão. Ainda temos uma praia agendada.   





sexta-feira, 14 de dezembro de 2012

RETRATO PRESUNÇOSO





Vivo de convicções, certas e erradas. Talvez por isso meu metro de vida até agora, mais do que ser apenas uma linha de tempo, reta e despercebida de si mesma, tenha sido de sobressaltos, margeada por céus e purgatórios. São as minhas escolhas. Por mim, nada pode ser morno; nada foi e não será sem sal e pimenta. E minhas doçuras, ah, essas repugnam as abelhas. Tenho a presunção, uma de tantas, de não ter vindo mais ou menos viver.

Sou um ser atormentado pela lógica, buscada com intransigência, ainda que em causas absurdamente mínimas. São as minhas miudezas. E tenho como antepenúltima presunção ser, das três coisas que meu pai precisava para seu complemento, o livro que ele plantou.

Vivo de ventos fortes, sol escaldante e tempestades, permeadas por recuos de marés. Sei que o saldo disto tudo são marcas, melhor, voçorocas em corpo e alma. Nunca me vejo um pátio bucólico com folhas caídas, pequenos galhos frágeis e velhos esparramados; ou pouco chamuscado. Por vezes racha-me o tronco, remexem minhas raízes e me incendeio. Por outro lado, não consigo me imaginar num fim medianamente feliz.  Prezo o “ser” por permanente, embora não seja; provoco o “estar”, qualquer que seja, de prazer ou dor, para que não seja apenas o vão momento.  E descubro certo sadomasoquismo em viver com intensidade.

Digo aos meus afetos como sou. Alguns acreditam, outras não dão bola, e ainda outros vivem de se sobressaltarem. Contrariam-se, depois sem saber o que fazer comigo acabam esquecendo, que é seu modo de perdoar e me aceitarem. E há outros que, passado o momento de contrariedades, ao serem perguntados por mim, acredito que gostariam de responder “quem?”. Isto, no entanto, esbarra na minha penúltima presunção: Passar pela vida das pessoas de tal forma que impeça este tipo de pergunta. E como venho de aquerenciar afetos, e como já é tarde demais para trocar de roupa, sigo fiel e desconstrangido com a indumentária cedida pelos anjos tortos que me anunciaram.

Por precaução sempre revejo os picos anímicos, suas antevésperas e seus rescaldos. São os meus coquetéis; os espumantes e chazinhos pósteros espirituais, mas são também minhas jurisprudentes terapias. O sem graça disto é que hoje pouco me surpreendo.

Por fim, quando a luz ficar esmaecida, bem no finzinho da tarde, por certo vou estender a rede em estágios temporais de riso e paz, e isto, mais do que ser meu desafio, é minha última presunção.

terça-feira, 20 de novembro de 2012

TODAS AS GUERRAS SÃO MUNDIAIS

Foto da agência Reuters. Soldado russo na Chechênia, em 1994. 
                                                                                                       
Ando sentindo dores constrangidas;
Sociais, coletivas,
Que é o tanto que me deixo doer.
Tive dor por Beirute, Jerusalém,
Neste lado do Golfo me doeu também,
Como me doeram Coréia e Vietnam.
E, caso recue mais no tempo,
Não haverá lado que não tenha lacerados.

Dor e culpas vão ao mundo sem bandeiras.
Traduzem gemidos que se espalham pelo vento;
Transcendem as razões dos continentes
Causados pelo ódio ancestral.
Ódio por ódio, que abstrai motivos; 
E entre vivas e gemidos;
Entre ação e reação, balas e ogivas,
Faz a morte dos nexos, onde todos são bandidos.

Machucam-me em nome de coisas santas.
Por tudo, por nada, apenas porque sim.
Por fim, derrotas e vitórias se confundem,
Se fundem na massa amarga do caos. 
Vivas às muitas mortes de lá!
Vivas às poucas mortes de cá!
E que transborde a taça com sangue irmão!

A dor que me dói por guerras
Tem gosto amargo de fim.
Pedaços de nós irrigam os chãos,
Em meio a ferros e sentimentos contorcidos.
São gentes esquecidas de ser gente, 
Que guardam e realimentam em suas essências
A peculiaridade humana de matar para viver...
...Ou de matar por matar sem saber porquê.

A serenidade da morte circunda a terra,
Embalada por atavismos ruminantes.
E na pressa mórbida de improvisar túmulos,
Morrem primeiro despercebidos inocentes;
Depois morrem inocentes escravizados;
Depois morrem inocentes de ódio inoculado;
Depois morrem inocentes... Inocentes,
Esses, que jamais quiseram medalhas.




quinta-feira, 8 de novembro de 2012

TUCA




Tenho saudades do irmão emprestado; do irmão que quase tive e por não poder tê-lo mais hoje, tenho um buraco impreenchível no peito. 

Sinto falta do amigo que, sozinho era a festa, e que ao seu redor fazia luzir todas as barbaridades inocentes de uma noite barulhenta, por vezes bizarra.  As noites, sim, não tinham fim. Confundiam-se as luzes amarelas, vermelhas ou negras de dentro de qualquer boteco onde se ouvisse uma batida razoavelmente harmônica com os raios do sol, e tudo continuava no mesmo diapasão. 

Ele era incansável, com um fôlego improvável; vivia com urgência, como se tivesse medo que de hora para outra fosse chamado para uma farra no andar de cima e ainda não tivesse gastado tudo por aqui.

Tuca se foi como se estivesse fazendo um vestibular para a vida eterna. Preparou-se, esforçou-se muito e amiúde nas lições diárias de não conformidade. Desafiava até dormindo seu status físico, como se estivesse acima do bem e do mal. Abusava de tudo, mas muito e especialmente da desgastante tarefa de se fazer feliz a qualquer custo. E se fez. E fez também a nós, que a cada noitada o agradecíamos com nossos olhares cínicos de repreensão. E acho que, afora suas penas clínicas, seus últimos meses de vida foram seu paraíso. Só vi medo em seus olhos na última vez que nos olhamos, e quando ainda lúcido, percebeu que preparava longa viagem. Naquele momento sabíamos, ele e eu, que não nos veríamos de novo. Até porque somos formados da mesma cepa incrédula dos que vivem com tudo, com força e atrevimento, com arrojo, sujeitos a todos os erros e suas sequelas porque, no fim, quando nos formos, seremos nada mais do que restos da carcaça cedida pelo Criador em comodato, até o pó definitivo. 

Se morrer, morremos. E Tuca morreu, as noites ficaram menores, e ninguém depois dele contará as histórias que ele viveu, reais ou fictícias não importa, mas incomparavelmente fantásticas.

Maldito seja nosso metro de vida estabelecido lá, não sei em que momento, quando apertaram nosso “enter”.  Os que se amam deveriam partir todos juntos, como se uma dinastia afetiva inteira perdesse seu reinado, a fim de que não houvesse este residual enorme e quase infindável de sofrimento, quando da ausência de um elemento.  A rigor, ninguém sabe perder afetos, mas pessoas que vivem com o coração no cartão de visitas nunca estarão minimamente preparadas, nem na situação mais candente e finada de seu ente, para o momento de dizer “até breve”, mesmo que não acredite nisso.

Hoje, particularmente hoje, dia em que estarei contigo vivo na memória, desconfiarei de qualquer música alta que escutar. E caso beba uma cerveja o farei em dois copos. Vamos brindar a essa festa de aniversário que em algum lugar está acontecendo.

terça-feira, 6 de novembro de 2012

PEDRO COUTINHO




Não me lembro dele com precisão. Era uma figura imponente, fundida com o cavalo. Perto dele não havia molecagem, nem dos moleques mirins da bucólica Uruguaiana de pretérito tão perfeito, muito menos dos provectos.  Meu pai era amigo dele, mas o chamava de “comandante”, quase um pronome. E era mesmo.

Em momentos como este quando eu, em especial os irmãos paulistanos, e de resto toda torcida verde-amarela andamos por ai encagaçados, entrincheirados em nossos bunker’s, enquanto a marginalia toma conta, destemida, livre e debochada, estabelecendo uma nova federação criminosa plenipotenciária, figuras como aquela me passam da mera lembrança à cruenta saudade.

Segurança pública parece não dar votos. Ou por outra, bandido também vota, e vejam que nicho populoso de interesses que não deve ser contrariado! Por isso talvez não haja legisladores a fim de investir campanha mexendo no Código Penal. Muito menos executivos eleitos aportando verba, ou melhorando as estruturas em nome da defesa do cidadão. A omissão tem duas formas nocivas: a covardia e a cumplicidade. Ou, concluo por simples, que não desejam legislar contra si.

O cidadão que me empresta o título e o símbolo era uma espécie de personalização da liderança autoritária. Jamais falei com ele, mas sei que quando andava por perto havia ordem.  E é do que mais sentimos falta do Chui para cima: ordem; lideranças; Gente que não apenas mande, mas que saiba mandar; que não apenas seja transeunte de cargo, mas o faça respeitar. Crescemos, evoluímos e nos modernizamos, mas se há algo que ficamos devendo ao passado é na formação de lideres, embora haja hoje escolas, cursos, orientadores e outros gurus para esse fim. Hoje sabemos, por exemplo, que se comanda por autoridade, capacidade e/ou influência; Que essas características juntas fazem um grande líder. O duro, porém, é identificá-las, com tantos jogos de interesses que os circundam. Poder também é recurso de comando (na Democracia este é o nosso).  O poder está na base, na massa, mas ela continua sendo de manobra. Nem vamos considerar que atualmente nos falta até mocinho para rodarmos um bang-bang, seja porque os atuais estão comprometidos, ou porque atualmente andamos nos apixando até para os índios. E bobota tem um monte. Ah, como a minha geração tem culpa por isso!

Por outro lado, as vezes observo postagens, listas, correntes pedindo para anular o voto. E gente esclarecida, o que potencializa a responsabilidade ou falta dela. Para qualquer vivente de médias luzes deveria ser fácil perceber que é muito melhor ter o poder de decisão na mão do que transferi-lo para terceiros. A questão é: não votar é a solução? Claro que não. Não podemos permitir que o desencanto com os políticos e seus partidos faça com que eles se eternizem em seus postos. Se os atuais não estão resolvendo, ou por outra, trabalham e/ou legislam em causa própria, se apropriam de bens públicos, e não estão nem ai se você “dança na corda bamba de sombrinha e em cada passo dessa linha pode se machucar”, então trabalhe para renovar os quadros. Opte por não reeleger. Energia nova, gente que venha prospectar novos caminhos e levar não só como plataforma, mas como dogma os anseios e medos de quem vive longe do Olimpo. Os pedrocoutinhos surgem naturalmente, mas hoje só vamos descobri-los garimpando nas urnas eletrônicas.

Não custa lembrar que Democracia requer disciplina, ordem e regras. O que não requer nada disso chama-se anarquismo (acorda São Paulo!).  Excluir-se, omitir-se; é conformar-se em ver a marginália cantando tá tudo dominado, dando as cartas e jogando de mão, enquanto que você, pagador dos maiores impostos do mundo está proibido de tomar mate na calçada às sete da noite.   

domingo, 19 de agosto de 2012

SASHENKA




Sashenka, de Simon Montefiore, é um romance de fôlego, inspirado na história soviética. Montefiore tem, como eu, paixão pela história russa, e talvez, também como eu, medo dela.  Conta a vida de uma jovem idealista, de origem judia que aos 16 anos, nos dias turbulentos do início do século dezenove, rompe com sua família, rica e de grande influência no czarado, comensais assíduos da Casa Romanov, e se lança na grande utopia revolucionári
a bolchevique. A revolução social mais importante da História da humanidade.

Quando menina, Sashenka viveu a fartura e o glamour imperial dos Romanov,  depois conspirou para sua derrocada, ajudando erguer a fantástica dinastia proletária. Mesmo convicta na causa, acabou sendo morta por ela, sob o terror de Stalin, o monstro social que ajudara a criar. Uma história comovente que descreve em minúscia a luta pela fé no ideal socialista. A supressão da identidade pela causa; o obscurantismo do pensamento padrão, o culto a personalidade totalitária e o massacre das contrariedades, por ínfimas que pudessem ser. Um sistema que tinha nas mãos o poder da vida e da morte de irmãos.

Os vários personagens reais 
e seus comportamentos 
são retratados com  fidelidade, através do que os 
arquivos secretos que Kremlin permitiram que viessem à luz
. Mas não há como não supor, que o pior virou cinza nevada, indo morar no substrato junto dos milhares que ousaram desviar-se da linha mestra moral e política estabelecida pela burocracia do Politiburo. Regras duras e casos omissos decididos pela Punição Maior dos inimigos do povo (leia-se oligarquia), sem contemplação, dor ou remorsos.

Sashenka é um personagem fictício, segundo o próprio autor, mas sua história bem pode ter sido a de milhares de pessoas, atores da revolução de 1917, que tornou a União soviética centro do que ficou conhecido na Guerra Fria como Cortina de Ferro. Uma história que também pode ter sido nossa; Que também pode estar sendo a nossa, salvadas atrocidades peculiares, pois não aprendemos nada com o passado político. 

É uma leitura intensa, dramática desenvolvida com maestria, pois prende o leitor em sua trajetória de 90 anos, narrada em mais de 400 páginas. 

quarta-feira, 8 de agosto de 2012

EM NOME DO ESPÍRITO SANTO


Este não é um domingo comum. É dia do filho, porque é assim que se faz um pai. Dia daquele que tão logo se desmama, passa a mirar um modelo e até a disputar a mesma mulher com o homem que, apesar de tê-lo como estorvo progressivo entre os momentos mais íntimos, lhe alcançou a mão desde os seus primeiros vacilos externos. Dele levará o jeito de ser homem e de tanto ouvi-lo, e deixar de ouvi-lo, acabará aprendendo que não será o tamanho das calças que definirá o padrão de conduta, moral e ético. O certo e o errado de acordo com seus conceitos. E por ser em primeiro lugar dia do filho, é o dia da rebeldia. Das profundas transformações que começam com a revolução hormonal a fazer com que aquele menino “se ache” e vá perceber-se muito além dos seus limites. 
Hoje é também o dia do sonho. Do sonho interminável desse filho, e do outro, seu precursor, que lhe deu pedaços de si, investindo em fundo de risco ao portador. Será perdido ou não dependendo de quando, e a que horas, o beneficiário resolver acordar. E o mais velho estará em permanente vigília, ou rezando à distância, para que acorde bem.

É dia do Espírito Santo, formatação religiosa de alguns. Não se iluda, rapaz, a mulher ama somente dois homens incondicionalmente: pai e filho. Por eles se dará por toda vida. O primeiro porque é a figura ímpar do sexo oposto, primeiro homem (o Adão, a quem deve uma costela) a partir do qual começará a desenhar um ideal a ser buscado nos olhares transeuntes, mundos afora. O segundo porque é fruto, carne e sangue de si, gestado no desconforto de uma transformação física que fará dela, mulher, o verdadeiro Deus, pois lhe consagra o dom da criação. N
ossa parte nessa trindade é, portanto, o Espírito Santo, figura etérea, alegórica, adquirida, que quando encontrado, o ser ou não ser, dependerá dos estímulos físicos, químicos e espirituais, e do talento desse protótipo ocasional. Ser por vezes príncipe, por outras sapo, de paixão incubada, nos resumimos  no gameta do Altíssimo espalhados pelo mundo sendo monitorados por RG e CPF, e irremediavelmente coadjuvantes da trina. Não mais que isso para alguns, e “porque querer mais que isso?”, para outros. Mas todos seremos cobrados pelo zigoto. 

Mas isso é parte de uma pretensiosa e curiosa teoria, cuja conclusão me diz que para ser incondicionalmente amado, um homem deve ser de pai de uma menina, e a mulher de um menino para completar a trindade (ou devolver a costela emprestada). Ainda que a mãe venha a  projetar  em uma filha, tudo o que gostaria de ser ou de ter sido.

Não é um domingo qualquer. E dia daquele que passa o metro da vida correndo atrás da mãe virgem Maria, mas vive tropeçando em Madalenas, convictas e arrependidas, cujas diferenças nem serão percebidas quando o processo químico do amor e circunstâncias fizerem parte do kit. É dia do babão alienígena, que quase nunca sabe o que fazer quando enxerga um recém-nascido de si; onde coloca as mãos, o riso e o choro, todos concomitantes, e cobra, e desafia o Criador para que o seu coração, que passa a bater longe do corpo, o faça para sempre. Ou  ao menos que nunca o veja silenciar antes que o seu próprio enfim se aquiete. Dia em que o homem, por ter cumprido a tarefa básica encomendada pelo Criador, senta, por fim, em um trono real para assumir a  condição de parte na obra divina de se ver multiplicado. 

É dia de perdoar e de buscar perdão, e peço aos meus que me perdoem, se e quando puderem, pelos modelos inválidos transferidos, e pela irrecuperável tarefa de mal ter sido um e outro. Filho e pai. Dia de me penitenciar por não ter sabido a importância do que é ser suficiente, presente e único. 

É dia dos pais, e eu, por viver na saudade do velho Portella e dos meus filhos, recomendo ser dia de reforçar afetos a quem ainda pode, porque hoje, homens, é dia de amar homens, dia agradecer ao deus-mulher que nos permitiu a condição de parte na história da criação, e de nos deixarmos mimar por elas porque, afinal, é fato: a divina comédia humana não estaria completa sem o Espírito Santo, a imagem e semelhança do melhor que podemos ser.

Certo que hoje, enquanto lembro e vou a um canto molhar um lenço pelas minhas desatenções paternas e filiais, estarei na fila de um restaurante qualquer da cidade, pois por ser dia dos pais serei liberado da cozinha. E haverei de ser mimado pelo esforço que faço para merecer carinhos.

                                                                                          *Dia dos pais de 2007

sexta-feira, 25 de maio de 2012

ESQUERDA, VOLVER!

VERSOS SATÂNICOS (50) – 
Grande chefe da tribo Tupiniquim, morubixaba Molusco que Voa estava muito a fim de andar por ai à toa, ele mais patroa, a índia galega Caturrita de Pirata. Com o fim da  mamata, não iria querer embrenhar-se na mata. Por que não ser diplomata? Ah, botar um biquíni à moda Gabeira, um maiozinho tomara-que-caia, muito coco na algibeira e um Panamá estilo Zelaya! Mas ele, por influente, precisou dar suporte à pretendente que é oriunda da tribo afluente Val Palmares. Morubixaba Molusco que Voa, ele mais patroa, queria novos ares, porém, não sem antes de eleger um sucessor. Queria alguém que lhe fizessem um favor singular: que lhe guardasse  faixa, cetro e cocar, e que depois lhe restituísse. Alguém da casa que o substituísse, usufruísse, mas que soubesse que no ano da Copa, dali a quatro luas, chave da oca seria de novo sua.

Deve ter pensado numa embaixada de além-mares, onde pudesse exercitar seus milhares de conhecimentos invulgares. Suaves formas de sugar jugulares e outras artérias auxiliares. Morubixaba Molusco que Voa, ele mais patroa, queria ficar numa boa, mas sabe que o oceano não se atravessa de canoa. Meio apedeuta pode ser, mas não é burro nem louco, portanto, todo cuidado seria pouco. Assim, aceitaria viver em outros lugares, de preferência onde não houvesse militares. Não que descarte, pois sabe que existem em toda parte, mas sabe que seria vigiado desde o desembarque, a menos que.... a menos que estivesse na jurisdição das FARC.

E assim, com uma oposição mequetrefe, nem precisou de blefe. Temos um novo comandante-em-chefe. Por sinal, acho que morubixaba Molusco que voa quase se deu mal. O marsupial não se bandeou do curral, e não que venha a ser rival, mas é poste de luz própria, etcétera e tal. Apesar da herança recebida do antigo patrão, roubalheira do primeiro ao quinto escalão, parcerias indigestas; a companheirada em festas; mensalão, ela se vira pelas Emendas. Óbvio, tem que contentar a legenda, ajeitar-se com os coligados, nem sempre do mesmo lado, mas sempre exigentes e quase sempre descontentes. A  nova morubixaba não está disposta a  governar a esmo. Não quer deixar nada “por isso mesmo” e pelo visto não quer nada que não seja seu. E por isso, de cara, indispôs-se com Palocci, Genoino e Zé Dirceu. Isto para “economia externa” creio eu.


O que vale, no entanto, é a tendência. Afinal, na vizinhança todo mundo está ficando igual. Uruguai, Colômbia e Venezuela, claro. O Uruguai elegeu um Tupamaro. E é certo que com eles nos comparo quando me deparo com esse tal fato raro. Tupamaro lá, Val Palmares, cá. Huguito (por que no te callas) acima, verdadeira obra-prima da neodemocracia latina, e morubixaba Evo Morales, a bombordo (todos a bombordo). E para completar o balaio tivemos um prolífero ex-padre paraguaio. Este com um modo peculiar de multiplicar seu rebanho, já que vinha produzindo o próprio desde antanho. No melhor estilo lacaio, vinha servindo hóstia às beatas, olhando de soslaio, examinando em que anca fincaria roseta e papagaio.

Morubixaba Molusco que Voa andava frouxo que nem calça de palhaço. Andou com muito companheiro devasso que lhe causou embaraço, mas incrivelmente não lhe tirou nenhum pedaço, pois nas pesquisas nunca dobrou o espinhaço (tipo: saiu da suruba sem perder o cabaço!). Ele sempre soube que não se transfere carisma, por isso usou e abusou do sofisma. Entretanto, com ele o povo não cisma, tampouco se abisma, e por isso seu apoio foi decisivo na conquista do objetivo, que nada mais é do que a continuidade do comando festivo rotativo.   

quarta-feira, 23 de maio de 2012

APRES MOI LE DELUGE



A Bíblia fala em retornarmos ao pó, mas não sei não. Segundo a classe competente somos ao redor de oitenta por cento compostos de água, o resto é matéria orgânica de qualidade duvidosa. Se bem que alguns seres vivos honram por demais a categoria. Dá gosto de vê-los nas telas, passarelas, praias, etc. Mas a menos que o Livrão esteja profetizando que iremos, no fim dos tempos, secar o planeta com nossos vícios e maus costumes, e nos matarmos desidratados, não vejo a menor possibilidade  de voltarmos ao tal pó, se é que de lá viemos. Acho que a coisa está mais para o lado da que consagrou o velho Noé.  

Fala-se tanto em aquecimento do globo, derretimento das camadas polares e outros cagaços metereológicos (vide os tsunamis), fora os não sei quantos desastres naturais com nomes mimosos ( El niño, La niña, imaginem!) que matam e destroem todos os anos, tudo regado a água guasqueada, que penso no nosso fim de caso com o vale de lágrimas na condição de afogados.

Dizem que vivemos vários ciclos desde os primórdios e a informação que fica é a que lá, bem no início, isto aqui era tudo água. Tudo o que é gelado na terra vira água e todo o vapor também. É o ciclo.  Tudo que sobe desce, tudo que nasce morre; quem cai para a segunda divisão sobe depois às estrelas, erguendo-se por Tóquio. O tamanho do ciclo define as grandezas, ora pois.

A metáfora religiosa fala sobre o Dilúvio e eu me ponho cá a pensar  se não é isso mesmo que acontecerá. A dúvida intrigante é saber quem seriam os escolhidos para subirem à arca. 

Quem seria o novo Noé, por exemplo? Haveria por certo algum deputado de já hoje , como se diz nas casas, fazendo lobby, acordos de lideranças, etc. Acontece que pelo tamanho da torta a disputa haveria de ser muito acirrada. Republicanos assexuados e democratas tarados; petistas e anti-petista, cada um com seu dogma de fé e uma quadrilha de aproveitadores por trás.  

Muçulmanos e judeus, católicos e protestantes,  Eta, Ira ; Ferro e Sá Vianna,... União contra Dom Hermeto e os dois enquadrilhados  contra Club Barracas, numa disputa a morrer. Jamais poderíamos admitir  um Noé nascido em Libres! Enquanto isso, a turma do Bin nem ai, largando bombinhas nas nuvens para fazer chover mais. 

Seria difícil encontrar um novo Noé que agradasse a todos, o Mano cansa de dizer  “nem eu consegui isso”. Por outro lado posso imaginar, se é que continua valendo a velha sentença  de que é mais fácil um camelo passar no buraco da agulha do que um rico entrar reino dos céus, alguns figurões sendo barrados na porta da arca pela sua condição social, todos prudentemente acompanhados de advogados com mandado de segurança na mão. E  Paulo Salim e Zé Ribamar? Quem haveria de segurar o Paulo Salim e Zé Ribamar? Não adianta.  Eles vão, vestidos não sei de que espécies, mas vão. Portanto, não vem ao caso. 

Como o Noé haveria de ser biônico, espera-se dele que seja justo e honesto . Que no exercício da função não faça conchavos, não edite MPs, não distribua cargos de confiança, não pratique nepotismo, nem seja fisiológico, e muito menos faça acordo com o anjo caído para livrar o seu, tipo duas almas por uma; que faça as licitações corretamente na aquisição da matéria prima para a construção da arca; que leve moças do sul, por que  lá  é que a gente deve casar quando a chuva parar, e os  rios  e os juízos voltarem ao leito normal;  que leve ovelha texel e gado  de sobre-ano,  e não repita a burrice histórica de juntar serpente com maçã.

Ah! E que verifique na entrada atentamente as mãos de quem entra. É fundamental que todos tenham todos os dedos. Não podemos arriscar. E desde já convido meu amigo Precioso para manipular a bomba e gelar a serpentina, por que ninguém é louco ou burro de ficar quarenta dias e quarenta noites de bico seco ou bebendo água da chuva.

terça-feira, 15 de maio de 2012

A MÃO QUE BALANÇA O BERÇO



O fato de lacrimejarmos quando ouvimos o hino não é o suficiente para que possamos nos definir como patriotas. Parece que somente aqueles povos que tiveram um dia, ou têm, suas casas e famílias mutiladas por guerras e outras hecatombes conseguem verdadeiramente experimentar este sentimento. Pena que assim seja. 

Temos um país digno de paixão. É muito fácil amar o Brasil. É multicolorido, clima tropical, gente bonita miscigenada para todos os gostos, sejam mulatófílos ou germanófilos, e outras tantas virtudes default, que um dia alguém chamou de florão da América.

Mas patriotismo é também educação e aí, com esses milhões de sub-letrados que grassam do Oiapoque para baixo pela ordem de importância; que elegem governos, mas sequer sabem os porquês, nos resta mesmo lacrimejar quando a bandeira sobe e quando o hino toca.  


Vivemos ainda em berço esplêndido e nessa condição, a mão que nos balança acha que as nossas únicas necessidades são as de sobrevivência. Andamos entregues a babás deprimidas que pensam em matar a nossa fome, mas não pensam que está mais que na hora de começarmos a andar, a crescer, a pensar num grande futuro. Babás que até desconfiam termos tudo em casa, mas como nada sabem e nada vêem não podem tirar proveito. E assim vamos nós, deixando-as que realizem suas tarefas básicas, ensinando-nos apenas a ser como elas, creditando seus equívocos à sua condição de origem. Não crescemos nada, aprendemos pouco e tudo ao nosso redor parece poder mais do que nós, mesmo que não possa. Daqui a pouco nem vamos mais entender por que disseram que um dia iluminaríamos o sol do novo mundo.

Aprendi com os sopros da juventude a odiar as ditaduras. Condição em que os comandos nos mantinham sob controle. Não nos deixavam reclamar, votar; sequer pensar em voz alta. Assim, nossa salvação somente viria pela via democrática. A ditadura que eu vivi, apesar dos olhos da espreita, pudemos fazer as revoluções sociais e de costumes que quisemos. Pudemos usar cabelos longos, pouco importando se os mais velhos considerassem inversamente ao tamanho das idéias; apertamos as calças e as meninas subiram as saias; as mulheres iniciaram a libertação dos grilhões domésticos; mudamos músicas, comportamentos, mesmo a contragosto dos pais. Poderíamos fazer de tudo desde que ordeiramente. 


Mas em nome da liberdade de podermos decidir nossos caminhos como nação, exageramos e a perdemos, e tivemos de suar sangue para recuperá-la.

Muito bem. Saímos daquela clausura e conquistamos todos os direitos reivindicados, e o que vejo: uma ditadura ainda mais forte e mais violenta; mais intransigente e o que é pior: cheia de tentáculos escondidos sob o disfarce da inclusão social. Ou não será repressão extrema o fato de vivermos enclausurados em residências de segurança máxima, ainda assim inócuas, com medo das ruas? Ou não será ditadura assistirmos impotentes sermos monitorados por Medidas Provisórias, ou firulas do politiquês equivalentes, ao bel prazer do gerente de plantão? Ou não será de exceção um governo que permite a formação de oligarquias fascistas ao seu redor? Que democracia é essa que permite a formação de milícias rurais impunes e soberanas do seu direito de apropriação do bem alheio, e cujos gerentes se dão ao desplante de se declararem despercebidos? 


E que regime é esse que nos deixa  aplastados no sofá da sala ouvindo diariamente que hoje,  mais uma vez, alguém em algum lugar sangrou os cofres públicos e deverá ser investigado? Talvez seja mesmo, talvez seja preso, talvez devolva algo do que roubou, mas certamente não dirá o quanto e mancomunado com quem. 


Ricos, sim. Somos muito ricos. Temos reservas que sustentam nosso mínimo conforto, reservas para emprestar aos vizinhos e grandes reservas para satisfazer o apetite dos nossos sócios majoritários que, vez por outra, limpam nossas gavetas sem deixar recibo. 


Um dia, tido como ato patriótico, uma parte da juventude letrada pintou a cara e fez com que se retirasse do poder um presidente alvo de suspeitas e de acompanhar-se mal. Aquela juventude amadureceu, assumiu poderes, mas parece ter perdido a capacidade de julgar e de se indignar. Deixou-se contaminar, necrosar, criar metástase daquelas feridas morais que espontaneamente antes quis ver extirpadas.

Sou contra todas as ditaduras, mas me tornei ainda mais inimigo dessas que são “escolhidas” por fantoches que se deixam induzir pela mídia conveniente, e por uma maioria que vota pelo trágico apelo da fome.