Nos românticos anos 70,
Khalil Gibran emoldurava algumas conversas de bar, depois fazia trilha sonora em
vozes cansadas, apaixonadas, em momentos que vagavam interpostos entre o uísque
e o cigarro. Lembram-se das três melhores coisas da vida? Eram, nessa ordem, um
uísque antes e um cigarro depois. Quem não sabe do que se trata pergunte ao avô.
Quem não lembrar, urge uma consulta.
Parecia não serem necessárias
tantas coisas para sermos felizes. Mas era assim mesmo, e aqui entram os outros
três componentes fundamentais daquele processo lúdico: juventude, saúde e um
sonho. Ou vários. Nem havia cabeça suficiente onde coubessem tantos.
Nessa época topei com um
cidadão, ou melhor, com uma parte dele: Manuel Jacinto Coelho e sua Cultura
Racional.
Era um visionário, gênio para
alguns, enlouquecido para outros. E como naquela época minha vida era fundista,
ou seja, buscava viver 100m em menos de 10’, nem me detive nos detalhes mais
profundos de sua obra. Tratava-se de viagens filosofais dispostas em mil
livros, que ele chamou de Universo em Desencanto. Mas li alguma coisa, o
suficiente para nunca mais esquecê-lo, porque no fundo, a despeito das viagens
propostas como não filosóficas, mas sim, extremamente filosóficas, percebi no raciocínio,
guia e deus do que ele propunha, o melhor fator para o equilíbrio pessoal.
Bueno, tendo a pensar que
todas as coisas se complementam, portanto, e em tese, não sou contrário a nada.
Até me contrariar, coisa que tenho feito muito e amiúde. Mas ainda há em mim espaços
para Jacintos e cristãos.
Ultimamente tenho pensado nele.
No entanto, muito mais pelo nome de sua obra do que propriamente por seus
conceitos.
Porque universo em desencanto
é o retrato fiel do momento em que vivemos. Estamos deprimidos como sociedade;
estamos esgotados de esperanças. A luz que buscamos no final do túnel... Que
luz? Que túnel, se estamos soltos e compungidos nesse universo perdido que
produzimos em nome, entre outras coisas menos nobres, da liberdade? Essa guerra
silenciosa, suja e sem ogivas que nos é imposta; que mata mais lentamente; que
mata por depressão e desencanto é ainda mais criminosa do que as ancestrais que, por sistêmicas, já estamos acostumados. Essa mata em escala, pulveriza
culpas e nos joga sadicamente no carrossel trágico de Dante,
E sempre nos picos desses momentos,
antes apenas vagos, me ocorre lembrar também de Dante Alighieri, aquele que
sabia tudo sobre comédia e tragédia, mas muito em especial de inferno.
Não há “Esc” e não há “Control
z” para que possamos recomeçar. Mesmo porque, mal sabemos em que parte do texto
da nossa história estávamos quando bifurcamos.
Um novo começo é impossível;
um novo encaminhamento ao fim, até pode ser feito, mas aí, bacudo, faltam boas tintas;
falta mão com traço firme para um desenho confiável. Desenho sim, uma vez que não
entendemos o que estava escrito. E talvez aqui esteja o furo da bala: não nos
ensinaram a ler adequadamente, e depois não buscamos aprender, a fim de que
pudéssemos decifrar a bula da vida antes de usá-la, especialmente na parte que
toca aos efeitos colaterais.
Há que ser desenhada e construída
uma nova arca; há que ser pensada e desenhada uma nova vida. Perdemos.
E por fim, posso estar me
referindo ao Brasil ou ao mundo e suas diversidades, mas também posso estar
falando unicamente de mim e do meu desencanto como raça.