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terça-feira, 30 de julho de 2013

COZINHANDO COM FRANCISCO


Não sou Flamengo, nem tenho uma nega chamada Tereza, mas moro num país tropical, abençoado por Deus e bonito por natureza. (Mas que beleza!).

Chico deve também ter-se agradado de tudo o que viu, e penso eu, as cerimônias ficaram muito bem postas com a moldura da praia de Copacabana.  E assim, o evento que vimos à distância representou adequadamente o maior país católico do mundo, e fez jus ao ilustre visitante. Acho.

De resto, é fácil se apaixonar pelo Brasil e com o Chico não deve ter sido diferente. Somos uma nação multicolorida, clima tropical, gente bonita miscigenada para todos os gostos, sejam mulatófílos ou germanófilos; cristãos e anti, entre outras tantas virtudes default, que inspiraram alguém um dia de nos chamar de florão da América.

O papa encantou a todos.  Tem a cara boa daquilo que nunca poderá ser: avô. Parece ter a firmeza para educar de quem recebeu de Deus uma tarefa divina, de cuja declinou pois abraçou uma causa, para mim anacrônica, que lhe impede: ser pai. Tem a visão social de um líder, mas está restrito as suas jurisdições eclesiásticas, por que em algum momento da nossa história mundial, uns foram para cá, outros para lá. E assim, contrariados e perseguidos resolveram trancar o pé até que a morte os separe. E alguns vão continuar se matando, em nome do Pai, do Filho e do Espírito Santo. 

Espera-se de um líder que ele seja maior que o espaço físico que ocupa. Não me atreveria a medir, por estranho ao ninho, a dimensão do Chico em relação a sua igreja atual. Mas ouso comparar, pelas referências, em relação ao papado. Ele dá mostras de que sobra na função. É um atento cidadão do mundo com olhar periférico e crítico, e de alma social inconformada.   

Além do que veio fazer e que deve ter feito com eficácia, deixou entre nós, inclusive no terreno árido onde a fé agoniza, minifúndio em que me incluo, um rastro de luz, sabedoria, conscientização e humanismo. E fora água a mais no feijão, sal e óleo onde falta, deixou também uma receita para ser feliz. Ingredientes há em abundância, o problema será harmonizá-los, com a enxurrada de diferenças que brotam do nada, por nada, e apenas por que sim. Mas nisto não estamos sós. 

     




segunda-feira, 22 de julho de 2013

ESQUELETOS NO ARMÁRIO



Talvez ainda não tenha se transformado em filme a história do prefeito Celso Daniel, por questões que ficam entre o medo e a cautela, com notas de cumplicidade do meio.
Oliver Stone ou Martin Scorcese não teriam deixado por menos. E talvez, com eles já estivéssemos na sequência, e nela incluída as outras oito mortes que compõe a cena trágica de Santo André. Ou teria virado série. Um House of Cards, versão cabocla do ABC.
Mas caso a ideia surgisse na cabeça de alguns cineastas conhecidos no nosso meio, com apoio da lei Rouanet, teríamos uma obra de ficção, cujo roteiro até já está pronto, basta pegar o inquérito. Na trama, Celso Daniel seria o suspeito número um pelo assassinato dos que morreram depois dele, e ele mesmo teria cometido suicídio com onze tiros, alguns na nuca. Não sem antes ter recorrido ao ritual fundamentalista da autoflagelação. Teria se espancado e retalhado à exaustão.
Dizem que praga de ex-mulher é fogo. Não sei disso, embora seja versado no assunto. E só não sei porque não acredito em praga. Mas se houve nesse caso do Celso, não só foi fogo, como foi bordoada a talhos.
Daniel já estava separado da Mirian Belchior, quando do ato referido. Mas sabe como é, anos e anos juntos e coisa e tal, algum sentimento haveria de ter sobrado. Nada. Mirian consolou-se rapidamente, indo curtir sua pseudo-viuvez, sentada na pasta da Casa Civil, depois no Ministério Planejamento, entre outros mimos de grande projeção e bem  remunerados, com as condolências de seus chefes de partido. Mirian faz o perfil nada-sabe/ nada-viu, capítulo um, versículo único da bíblia petista.
Se foi ou não um cala-te boca e para-te-quieto, penso que nunca saberemos, afinal a “pensão” recebida pela “viúva” não é de se jogar fora e vale como uma delação premiada. Diferentemente de Roseana Moraes Garcia, que estava casada com Antônio da Costa Santos, o Toninho do PT quando este foi fuzilado, um ano antes do Celso e que nunca descansou em busca da justiça.  Mirian continua “nem aí” para as investigações.
Na sombra desse imbróglio todo está… O “Sombra”, Sergio Gomes da Silva.  Para os mais antigos, “O sombra” era uma figura de ficção, criado por  Walter Brown Gibson, na década de 30 e que sobreviveu por décadas após. Foi programa radiofônico, passou para os quadrinhos, filmes séries e o escambau. Seu personagem mascarado era um justiceiro milionário, e por isso mesmo pode ter sido o  inspirador do Batman.  No programa radiofônico, em resposta à terrível questão “Quem sabe o mal que se esconde nos corações humanos?” vinha a resposta: “O Sombra sabe… Pois ele tem o mal em seu próprio coração!” (Wikipedia)
Pois o nosso Sombra é bem conhecido, estando inclusive, preso por corrupção. Esse parece que sabe o mal que se esconde nos corações humanos, e sabe, porque pelo que se viu na reconstituição do crime, ele também parece ter o mal no coração. Afinal, ele é o Sombra, e não deve ter ganhado esse apelido por viver às claras.
Apareceram fatos novos e relevantes, que fizeram o ministro Luiz Fux dar curso às investigações. Os fatos hão de vir em “efeito cachoeira”, falo do Carlinhos. Segundo consta, Carlinhos Cachoeira teria repassado uns pilas a um cumpincha do Zé Dirceu e desse, possivelmente para fulano, beltrano e sicrano, CQD (como queremos demonstrar), como é a praxe.
Fux deu a chave do armário ao MP de São Paulo, que a repassou ao Grupo de Atuação Especial Regional para Repressão ao Crime Organizado (Gaerco/ABC). Com isso, os ossos começam a se juntar e a fazer barulho; correntes arrastam-se nas madrugadas petistas; os dedos poderão ficar trêmulos e nervosos; os gatilhos mais sensíveis. O verbo periga ficar incontrolável e, nesse caso, é bem capaz de haver mais suicídios. Desses, induzidos pelas sombras.

sábado, 11 de maio de 2013

BENÇÃO, SAUDADE





Quero dizer que me lembro de tudo. Herdei uma memória privilegiada e assim como me enche de alegrias e saudades boas, me castiga. E me castiga ao ponto de viver cada momento do nosso último dia, que chego a sentir o cheiro das flores que te acompanhavam. Havia tantas! Não salgam mais os olhos, claro, secaram há muito. Mesmo por que me obriguei cedo a pensar como os que crêem, num novo e melhor lugar que estivesse a tua altura.

Desde sempre, entretanto, me pergunto: onde haveria de ser o melhor lugar para quem ainda não tem trinta anos? Aqui dividindo e multiplicando vidas, espalhando alegrias, chorando mortos ou lá, num tal indefinido melhor lugar? A ausência de respostas, estranhamente, me conforta.

Lembro de tudo, apesar de termos vivido tão pouco tempo juntos. Por isso talvez andem dizendo por ai que a gente vive o tempo suficiente para se tornar inesquecível.

Era um rosto meigo, quase envergonhado, circundado por longos e lisos cabelos e de grandes olhos negros. Quando ria, ria tudo, boca, olhos, enchendo de vincos a pele ainda sem rugas. E seu choro só não era imperceptível por que vez por outra o nariz fungava. E, convenhamos, sem ter completado trinta anos deve ter havido pouquíssimos motivos para chorar, além das coisas comuns às gurias.

Há muito não tenho idade de filho, embora jamais tenha perdido a orfandade. Mas nestes dias tudo parece que foi ontem. Sinto gosto de tortas de bolacha sabor-mãe, cheiro de roupa passada; olhares críticos aos redemoinhos do meu cabelo, fiscalização rigorosa nas unhas e ouvidos, ponta do lápis afinada, borracha limpa e caderno sem orelhas. Tudo acompanhado por melodias indecifráveis, quebradas por sustenidos risonhos.

Lembro de tudo sim. Mais do que o chinelo na mão e o avental todo sujo de ovo.  Do pouco tudo que tivemos, mas que se revigora duas ou três vezes por ano, quando de uma forma ou de outra festejo o fato de estar vivo, e posso me permitir a estes devaneios meio Peter Pan.

A sua benção, saudade.  

domingo, 14 de abril de 2013

RADICAIS LIVRES

Câmara aprova a PEC em segunda votação

Aos dezesseis anos andamos a cata de símbolos que nos indiquem um lugar ou uma rota. Tudo então é viagem. Estações de passagem, cujo destino é um lugar chamado “onde?”.

Aos dezesseis anos, ora estamos de mal, ora de bem, e permanentemente escravizados pelos hormônios.

Quando estamos com dezesseis anos, somos vulneráveis aos ídolos que nos vendem ou os que compramos por familiaridade, ou ainda por similaridade com nosso alter confuso e por vezes deformado.

Podemos tudo; queremos tudo e damos pouco, afinal é época de colher, embora nem tenhamos começado a plantar. Mantemos e potencializamos a energia juvenil e a ela juntamos a força do adulto. Podemos gerar vida ou tirá-la, escolher nosso destino e o destino de um país. Podemos tudo e não devemos nada, a não ser às sacrificadas satisfações domésticas, e algum compromisso que conseguirmos introjetar para o bem do nosso futuro. 

Temos, portanto, aos dezesseis anos, o poder da vida e da morte. O privilégio de brincar de Deus, sem inferir o código da vida, e sem que responsabilidade alguma nos seja imputada.  

Oh, tempos! Oh, costumes! Mudei, mudamos. Hoje, aos dezesseis anos, bombados de porcarias químicas e/ou de ferros academistas, o jovem pode juntar a tudo o que penso ter dito, uma estrutura corporal diferenciada. Mal direcionado psicologicamente pode transformar-se em uma bomba de efeito social devastador.

Ora, se social e politicamente pode definir rumos, porque não responsabilizar-se por seus atos?

O governo fala em ausência de estruturas de ressocialização adequados para receber jovens; fala de inconstitucionalidade na revisão da idade penal e outros bichos, como se desse bola à Carta maior quando não lhe convém, como é o caso de oferecer saúde, educação e segurança ao povo. Fala, só consegue dizer que não quer chocar um nicho eleitoral sempre atento aos chicletes de ouvido recheados de messianismo quixotesco.

Infelizmente, apesar dos tímidos apelos de redes sociais, só enxergo no país dois grupos capazes de mobilização de massas, entretanto ambos comprometidos. Os jovens e os homossexuais. O primeiro não haveria de mobilizar-se para legislar contra si próprio. E o segundo virou casta privilegiada, em permanente busca de blindagem. Só enxerga e luta por interesses que não vão muito alem da própria sexualidade.  

Sou a favor da redução da maioridade penal. Dezesseis anos, com a facilidade de informações de hoje, o jovem é um adulto precoce, mesmo que não queira. 

As idades mudaram. Antes também éramos velhos aos cinquenta. 

terça-feira, 2 de abril de 2013

NO RASTRO DO SOL




Eu nasci onde o sol se põe. Na terra onde os campos não tinham fim e o horizonte sequer me permitia chegar perto. Quando eu cresci, lá onde nasci, havia mais pedra que asfalto, mas muito mais pasto do que pedra

Onde eu nasci o calor queimava no verão, mas e daí? Não haveria de faltar uma sanga, um olho d’água ou um rio onde eu pudesse mergulhar a caixa de sonhos.

O inverno era frio. Mas um frio tão intenso que os cabelos do campo, que antes nos enchiam os pés de rosetas, envelheciam, ficavam grisalhos, duros e úmidos de geada. E quando os pais sentenciavam especulantes “se essa geada levantar com vento...”. Vermelhavam bochechas e narizes, cortavam orelhas. Ai passavam a ter mais graça as brincadeiras a beira do fogão a lenha.

E como era terrível dobrar numa esquina de sentido norte-sul!

Não só lá, mas o mundo impermeabilizou suas ruas de preto, e isto, na contrapartida de fazer com que cada rua vire um rio em tempos de chuvarada deixa a vida melhor para quem não anda mais de carro de boi, carroça, cavalo e bicicleta. Como era, quando e onde eu nasci. Quando fui apanhado pela vida.

Mas por que todos em algum momento precisam apanhar a vida, mudei para onde nasce o sol. Viajamos um dia inteiro na contramão até que fui viver onde ele nasce, e ele foi dormir onde eu nasci. Lá terminei o longo ciclo de me fazer homem. Lá não encontrei mais campos nem pedras. Só asfalto, entretanto, já não havia mais carro de boi, e campos e pedras já não me faziam tanta falta. Cresci, multipliquei e iniciei o lerdo caminho de quem desce a lomba da plenitude. Então elegi para o meu sempre acordar com o sol, nos perdermos durante o dia, mas voltarmos para casa juntos. Como dois irmãos de ofícios diversos e... Tudo bem, de luminosidades quase opostas.  

O “sempre” é um lugar muito distante. Mais ou menos como o horizonte dos campos sem fim de onde eu nasci. Chegar lá não deve ser uma promessa, mas representar uma esperança.
E assim, tendo um dia acordado com cheiro e gosto de destino contrafeito, vi o sol nascer e decidi que era hora de seguir-lhe o rastro. Chegamos juntos onde ele se pôs, e de tanta paz encontrada devo ficar com sono por aqui mesmo.  

A saudade de vê-lo nascer cheio de nervos, no entanto; de vê-lo meio sim, meio não, entre um copo e outro; entre um papo e muitos outros; entre ruídos de carros, risos e sons de cordas, cair cansado na água do grande estuário me enche os pés de asas, e vez por outra me inquieta na contramão do dia. 

sábado, 30 de março de 2013

NÃO VERÁS NENHUM PAÍS COMO ESTE




As vezes me pergunto o por que do patriotismo. Num mundo globalizado, eu poderia muito bem amar a Suíça ou o Canadá. Torceria por eles na Copa, embora não joguem nada; pagaria feliz os seus impostos, na certeza de que não alimentaria amantes de senadores e ladrões de gravata,  ou porque teria a retribuição em serviços. Amaria qualquer país, onde não se comprassem votos pela ilusão efêmera da fome saciada; onde governantes corruptos fossem julgados, presos e que ficassem presos, e não  beneficiados pelo lado da balança perverso e desiquilibrado, que coloca em pratos opostos direito e justiça. Sim: que ao invés de serem indenizados, ressarcissem os cofres públicos.

Amaria qualquer outro país que entendesse o quanto é ampla a palavra “ditadura”. Ampla, sem lado, sem ideologia ou cor. Ela pode ser verde ou vermelha. Pode ter olhos escuros, azuis, ou puxados; cabelo cortado a cadete ou ter longas barbas negras. Mas vivo aqui e amo este lindo país de compreensões distorcidas. De verdades absolutas a mercê de versões convenientes, e de mentiras que passam para a história como na velha propaganda nazista de Joseph Goebbels: "Uma mentira repetida mil vezes torna-se verdade".

Ah, “criança, não verás nenhum país como este...” (Bilac).       

Devo ter dormido por um tempo, não sei quanto, mas sei que antes de adormecer cantávamos hinos e hasteávamos a bandeira derramados de emoção. Como tínhamos orgulho daquilo! Como parecia ser bom o fato de sermos brasileiros!

Ouvia que Brasil não era só o negrinho esperto, de camisa amarela, com número dez às costas e uma coroa na cabeça, e que socava o ar enquanto fazia noventa milhões em ação irem ao nirvana. Também não era só aquele moleque, de igual camisa amarela, com número sete às costas, anjo rebelde de pernas tortas, que se divertia chamando os outros de “joão”. Não, não... O Brasil era muito mais que aquilo. 

E bem mais tarde, cheguei a ouvir que o Brasil se preparava para ser bem mais do que supunha aquele obstinado condutor de tempestades, louco por pódio, aonde chegava quase sempre no final de suas voltinhas autistas pelos autódromos do mundo. Não sem antes fazer tremular o lindo pendão da esperança, símbolo augusto da paz, aos acordes de outro hino que se consagrou aos vitoriosos. 


A mim disseram que Brasil era muito mais do que tudo que isso. Que suas cores representavam riquezas nossas, de todos nós, que suas estrelas significavam lugares abençoados, e que na faixa transversal estava escrito o que deveria ser nosso dogma de fé. Andam querendo trocar os tais dizeres, talvez por não significarem mais nada.

Lamento por este gigante inerte, entranhado de vermes que me causam dores sociais; coletivas, de tal forma absurdas, que o riso transcendeu o choro e ambos esmaeceram. Anularam-se.  A indiferença anda  absolvendo as raivas.

Silencio por essa massa de democracia reposta a custa de muito sofrimento, e que por isto mesmo deveria ser respeitada. Mas não é. Hoje, aquilo pelo que tantos de nós brigamos é de um nada quase tão dolorido, quanto foram os resultados dos riscos que corremos para que pudéssemos ter de volta o direito de falar. O que não sabíamos (e se passou aos mais novos que só sabem o que lhes contaram) é que estávamos a serviço de quem calaria ainda muito mais a nossa boca, e de forma mais sutil. E viemos capitular e capitulados permaneceremos, sob a regência do mais bizarro sistema de governo, único no mundo, o "parlamentarismo judiciário", onde togados biônicos dão as cartas e jogam de mão. 

Uma parte da minha geração passou de inimiga da ditadura a filhote dela. Por mim e por alguns que sei, fica de graça, pois não são as adjetivações que aborrecem. Minimamente perturbam de onde partem, e mais pelo monopólio da verdade na boca de pessoas queridas. Sobrevivemos ao período dos exageros praticados em nome de seus próprios princípios, com baixas de ambos os lados. Foram interdependentes e se retroalimentaram aos limites do ódio por mais de vinte anos. Injustiças houve, como em qualquer revolução; brutalidade também, cada qual ferindo com as armas que possuía. O que não me aconselha, entretanto, a viver dirigindo a vida com o retrovisor maior do que o para-brisa.  

Adormeci, adormecemos. Vez por outra acordo cantando o hino, com aquele sentimento cívico juvenil que não soube passar para os meus filhos, até porque cresceram justamente no tempo em que esse civismo andava na contramão da boa cultura, e jazia politicamente incorreto segundo a classe. Submergi a isso covardemente.

Na visão de hoje, percebo que a mim importa muito mais não ter me tornado um cidadão com restrições cubanas, norte coreanas ou soviéticas, pois nunca consegui aprender a lição de que “em boca fechada não entra mosca”. E paguei caro por isso. Esse valor, entretanto, a manutenção da nacionalidade com suas virtudes e erros, é subtraído de quem nos manteve brasileiros. Classes de pessoas que simplesmente leram e souberam interpretar em suas cartilhas o significado de: “ou manter a pátria livre, ou morrer pelo Brasil". À sociedade civil das épocas litigantes e às força armadas que lhes deram sustentação, e vice-versa, eu agradeço o fato de continuar vestindo o uniforme verde-amarelo e ter, ainda que enxovalhado de mágoas, orgulho disso. 

Enfim, convicto de que não há mais mundo para girondinos e jacobinos, posto que a virtude está no meio (in medio stat virtus)  durmo. Mas se durmo, logo existo e tenho CPF. É o que indeniza o meu sono e o mesmo que contribui com o sucesso dos muito bem acordados. Per omnia secula seculorum.

sexta-feira, 15 de março de 2013

O NOME DOS ANJOS





Meu pai foi um cantor de bar, voz enrouquecida de abusos e intempérie, com duas espingardas azuis em baixo das sobrancelhas.  Viveu sua juventude à custa do charme e da virilidade. Na idade madura, mesmo desgastado, conseguia arrancar mais do que suspiros das antigas namoradas. Seu nome deveria subscrever os convites para os cultos ou missas de domingo: Santo José dos Anjos, apelidado pelas amantes e os amigos, colegas de copo e de cruz de “Santinho”. Um santo de reino pagão. Quando morreu não resisti, coloquei na sua lápide com toda a minha saudade: “santificado seja o Vosso reino”

Há um ditado que diz: Deus cria, o diabo espalha e eles por si se juntam. Santinho encontrou numa de suas tantas noitadas, uma mulher diferente das que costumava vencer pelos olhos ou pelos ouvidos. Uma ruiva de personalidade fortíssima que lhe custou mais do que um encontro, buquês e muitas canções dedicadas. Era uma mulher vivida, sábia, que aceitara o jogo proposto, mas que se sentara a mesa com um coringa escondido. E quanto mais trabalho gerava aquela conquista, mais foco e empenho do velho garanhão. Um dia ela se entregou, ou se deixou entregar. Nesse dia, contava meu pai, se amaram tanto e com tal intensidade que se finaram à míngua. Horas, talvez dias de confinamento. Despercebidos e sem planos, quando sequer sabiam o que seria da manhã seguinte, se houvesse um amanhã, eu começava a minha caminhada em direção a vida. Quem poderá dizer que o período fértil não era o naipe do coringa?

Contam que minha mãe segurou meu pai com grilhões de sedução até a primeira percepção da transformação física. Alguns meses depois, entretanto, ele foi embora a deixando parada, pregada na pedra do porto. Mas ela também era dessas que apequenam o mundo e nem teve tempo de me ninar cantando cantigas de cabaré, embora tivesse (aqui se junta o que o diabo espalhou) o que muitas candidatas a santa gostariam de ver escrito na sua certidão de nascimento, o nome: Agnes de Jesus Purezza. Minha mãe, de quem guardo uma foto, nossa única proximidade desde que me pariu, foi ao mundo cumprir o seu destino. Não sabemos um do outro, mas eu a compreendo, acho. Deve ter tentando construir a sagrada vida em família tendo, desafortunadamente escolhido o santo pelo nome.

Santinho, meu pai, acabou sendo o anjo torto que ressurgiu tão logo eu nasci, impedindo que eu fosse parar na roda dos enjeitados. Me deu nome, origem e depois me entregou a um orfanato cuidado por religiosas. Uma espécie de remissão de pecados via terceiros.

Cresci encomendado para o sacerdócio. Minha infância e adolescência conheceram um único mundo. O mundo de rezas e privações, perfeito na visão dos conformados e genuflexos operários de Deus. A primeira inquietação adolescente veio à luz quando vi um padre benzendo uma noviça. Ele não rezava, apenas gemia e segurava a cabeça da religiosa, ajoelhada à sua frente, num ritual estranho, que em determinado momento tornou-se frenético. Quando quis saber que tipo de benção era aquela, a noviça nada falou. Em vez disso me mostrou o procedimento. E tantas vezes outras quis repetir a tal benção que fui repreendido, castigado, confinado e acabei excluído da ordem. Santinho tinha me deixado algo mais do que origem e nome. Mas enfim, eis o que queriam dizer com “crescei e multiplicai-vos”.

A propósito, meu nome, certamente mais por ironia que por amor é quase uma homilia: Angelo Purezza dos Anjos, ou simplesmente Anjo, como chamam os amigos. Mesmo que corte pela metade, faça conjugações diferentes não tenho saída, o primeiro olhar que recebo é sempre de reverência. Afinal os nomes dizem o que somos. Ou deveriam.




Nota: Algumas expressões da música Menino Jesus, Chico Buarque.   

sábado, 23 de fevereiro de 2013

DA TERRA NASCEM OS HOMENS









Ao herói brasileiro Demétrio Toniolo 

A tarde escorregava. Lenta, saldo de ressaca, e comportada. Havia uma viagem pela frente e estrada requer concentração e juízo.

A figura observadora de conversas era um senhor, sentado a parte, quieto. Sentei do lado e falamos coisas à toa. Variamos pela temperatura, clima e a indefectível violência urbana. Mortes ocorrem a toda hora, de todas as formas e por quaisquer motivos. Nada satisfaz este bicho racional e incompreensível que não mata apenas para comer. Daí até a guerra entre nações nem precisou interface específico.

O pracinha Demétrio Toniolo tinha estado na Itália, em 1945, lutando pelos aliados contra o Eixo, na tomada de Monte Castelo. E lutara contra seus ancestrais italianos, mas isto pouco contava porque afinal, quem vai ao fronte vai para causas bem definidas, e no mais fundo do íntimo, vai com esperanças de poder voltar. Lá, mata ou morre. Com a cruel especificidade de que no campo de batalha só estarão inocentes guerreiros compulsórios.

Lembrava com detalhes seus meses de privações, onde a única saída para vencer o medo era não ter medo. Demorou uma vida inteira para limpar dos tímpanos os zumbidos de bala, matraquear de metralhadoras, canhões e minas. Por muito tempo viu sangue em lugar de poças d’água; ouvia gritos em vários idiomas. 

Saíram daqui meninos, e ficaram marcados para o resto da vida, física e moralmente, pelo convescote sangrento com os Quatro Cavaleiros do Apocalipse.

Entre tantos fatos impressionantes de suas lembranças, ele recordou um colega de farda, companheiro de primeira hora, que embarcara junto no Porto de Santos, com o qual permanecera irmanado a jornada inteira, e que junto retornou ouvindo os vivas da vitória. Não só pela amizade formada, mas por um detalhe peculiar: Enquanto a "cobra fumava", o amigo resolvera registrar em um diário todo o processo que passaram. E como era poeta, registrou em versos.

Na conjunção impensada entre a brutalidade da guerra e o lirismo, ficou o relato de um poeta; de um momento inesquecível para o bem e para o mal da humanidade.

É uma figura e tanto, seu Toniolo. Um veterano de guerra, que traz no espírito a paz que foi buscar. Um documento vivo da história; Um herói brasileiro, que só não é anônimo porque onde mora, a cada semana da pátria é reverenciado. Mas a república não o visita vez por outra para perguntar sobre eventuais sequelas, do tempo em que arriscou a vida para que pudéssemos continuar respirando os ares da liberdade.


(*)Dia 02 de maio, dia do Ex-combatente










quinta-feira, 14 de fevereiro de 2013

UM DIA VIERAM E LEVARAM MEU RISO






Um dia me pediram as armas que eu tinha guardado. Não seriam usadas; repugnava-me, e porque não dizer, me assustava ter de um dia usá-las. Mas estavam ali. De certa forma me sentia seguro com elas. Mas disseram que era por uma boa causa e eu as entreguei, mesmo antes de ser coagido a isto, ainda que sem convicção.

Em outra oportunidade me proibiram de beber. Nem um pequeno drinque poderia, caso fosse dirigir. Sempre me mantive dentro dos limites, uma e outra vez quem sabe tenha me excedido, não me lembro, nada que me tivesse tirado a consciência e o equilíbrio. Jamais provoquei ou sofri acidente de carro nestas condições, mas assustado com os números trágicos da mídia, e convencido que iria ajudar, ou muito mais que isto, me preservar física e economicamente, aquiesci. Diziam que o grande vilão das mortes do trânsito era o álcool, e enfim as boas causas estavam postas e eu não iria contrariá-las.

As noites ficaram mais longas e chatas; os amigos foram se recolhendo mais cedo e eu fui ficando mais em casa. Casa que sem as armas foi adquirindo cada dia mais grades, porque as mãos que acompanham os olhos da noite continuam armadas e cada vez mais violentas. E nos cérebros que gerenciam esses olhos, a vida ganha cada vez mais desimportância.   

Então criaram o sistema de cotas. Nossos irmãos afrodescendentes teriam privilégios em universidades em função de séculos de repressão, supressão e pobreza. Eu que já não podia chamar meus amigos negrões de negrões, ainda que isso demonstrasse carinho, não ousaria fazê-lo agora, que passaram de iguais a privilegiados. Corrigir a história com erros que um dia serão históricos cria injustiças imediatas; no caso oficializa a desigualdade racial; promove novos conflitos que só o tempo haverá de materializar, e talvez nunca mais recomponha. 

Mas também não perguntaram qual era a minha opinião a respeito e eu tive de concordar. Não sem antes pensar nos milhares de filhos pobres que não tiveram o privilégio de nascerem negros. Penso que haverá, mas não sei se chegarei a presenciar, hordas de brancos empobrecidos clamando por justiça racial.

AÍ resolveram que homossexuais seriam uma casta especial de pessoas; uma nova e moderna família, sobre as quais pouco poderia ser dito que não fosse do seu agrado. Além disso, talvez lhes providenciassem cotas de acesso aos serviços públicos. Meus amigos negros e meus amigos homossexuais perderam (não quero pensar que talvez tenham ganhado com a perda) a minha espontaneidade. Eu, que não consigo viver  de alegrias contidas ou patrulhadas, por certo perdi o jeito leve de interagir com eles.

Antigamente se dizia, e se brincava com isso, no quanto era terrível ser feio, pobre e morar longe. É? Experimente ser feio, pobre, branco, hétero,  morar longe e ter bom gosto? Por sorte eu cresci, e sem problemas de auto-estima. Mas viver a juventude nessas condições hoje teria sido uma teimosia imperdoável.

Vi, por fim, que talvez tirem o nome dos velhos Ramão e Ernestina da minha identidade; que meus netos possam não cantar e representar no Dia dos Pais, e que o Dia das Mães das escolinhas sequer seja lembrado.

Pensei em protestar, mas vejo olhos sinistros à espreita; canetas com tinta fresca e carimbos que sacramentam essas opções, e que embora não possam me tolher da liberdade, por certo tratarão de tisnar a minha alegria. Meu riso ainda não se foi, embora todo esforço legal para que ele me abandone; minha felicidade até poderá não ser completa, mas quem sabe possa acabar se e quando portugueses, loiras, gordos, magros, feios, brancos pobres, baixinhos e papagaios resolverem se  juntar e pressionar a OAB para o derradeiro golpe na alegria. 

Há espaço, clima sustentado pelo cinismo mórbido politicamente correto; gente com sede de fazer história a qualquer custo, intermediários de viseiras, e na ponta de tudo isso as maiorias inocentes que trocam seus novos privilégios por votos a cada dois anos.  

quinta-feira, 31 de janeiro de 2013

SOFRIMENTO COMO MEIO, IMORTALIDADE COMO FIM



A história de São Paulo e Bolivar já estava contada, bem como a generosa quantidade de gols. Enquanto houve pernas, os bambis fizeram valer sua melhor qualificação, depois, o craque bolivariano (um gigante de 3660 metros de altura) entrou em campo. Feito. O São Paulo é sério candidato a jogar em Tóquio em dezembro.

Em Porto Alegre a cobra fumou, bem no estilo gremista de ser. Parto de fórcipes. Contrações de cinco em cinco segundos, dilatação de quatro dedos e respiração cachorrinho.

O Grêmio mostrou um início esperançoso, forçando o ferrolho composto por onze equatorianos (ou seriam espartanos?), que se dedicaram a rebater tudo que representasse matéria, bola, corpos, leivas, quero-queros... Sob o olhar complacente do juiz argentino. Parêntese.  “Deixar o jogo correr” não está entre as dezessete regras da arbitragem. É critério, estilo, etc, desde que coadjuvado pelo bom senso. No caso de ontem, além da cera impune por cartões, os equatorianos estavam liberados para o anti-jogo. Tanto que o no final um cidadão, dos onze defensores, sentiu-se a vontade para retirar de bicicleta a cabeça de um atacante gremista (ao menos tentou). Ok foi expulso, mas já passava de 40 min. do segundo tempo, e a eminência de pênaltis se consagrava. Fecho parênteses, não sem antes pensar na mãe daquele juiz. A verdadeira, não a do campo.

A má atuação gremista pode ser creditada a vários fatores, como pressão pela necessidade de vencer sem levar gols, tendo uma defesa formada por reservas; a monumental retranca equatoriana, o início de temporada, o dia “não” de alguns (dia não, ou fase não?), a arbitragem frouxa, mas acho que o principal está no gramado. A gestão anterior não quis deixar para a atual o privilégio de inaugurar a Arena, e assim, apressou, bem como fazem os políticos em final de mandato, a inauguração da obra.

Não há um campo de futebol e isso, claro, prejudica quem precisa jogar. Um areão mal disfarçado no meio do pasto. E para completar, frágeis gradis para segurar a turba em debandada.

Espero que o bom senso impere e se retire as condições de jogo na Arena, antes que algo de mais grave ocorra.
            

sábado, 15 de dezembro de 2012

O ANJO ROSALINO


O anjo Rosalino

Meu pai, com a sabedoria dos velhos me aconselhava: “melhor baixar os braços a perder os dentes”; “nenhuma discussão ganha vale a perda de uma amizade”. E particularmente me dizia: “tu não tens nem tamanho para ser valente”.

E de fato nunca fui de brigar, mas o verbo sempre me atormentou e nunca houve travas suficientes que o fizesse acomodar-se antes da língua. Nem em situações críticas e de perigo eminente como quando de minha passagem pelo quartel, prestando serviço militar em pleno AI-5. Penso, logo falo. Sem meditações metafísicas, não é mesmo seu Descartes? Mas pago por isto. E a respeito de amizades que se perdem por discussões vagas, penso que elas também o tenham sido.  

Eu tinha pouco mais de dez anos e vinha de um bate-boca forte com outro menino, este com tamanho de quinze. O motivo era o futebol, um coicezinho desproporcional, uma cotovelada, ou apenas um “paninho”... Essas coisas. Em um determinado momento, o oponente, perdendo o argumento, não lembro se com um soco, ou com o vento do seu soco me jogou ao solo. Eu ainda me preparava para levantar, quando lá veio a maldita mão pesada, que vi chegar perto do meu rosto. Mas não alcançou. Não alcançou e na seqüência lá estava o “provalecido” estatelado ao meu lado, surpreso e manso. De pé, um amigo da idade dele, enfurecido, mas controlado, dizendo apenas: “tiscapa daqui! Se te pego de novo te cago a pau!”.

Também em outra oportunidade, na saída de um jogo no campo do Ferro Carril, eu estava prestes também a pagar caro por alguma firula debochada, e o mesmo anjo da guarda, ai com calma e jeito afastou o desaforado, abraçando-o e aconselhando. Afinal, aquele era vizinho e amigo.

Minha mãe, vendo o fato, perguntou: “aquele guri mais velho é teu amigo?”. Sim, ele era meu amigo e detalhei às vezes em que ele esteve ao meu lado. Minha mãe perguntou: “sabes por que ele faz isto?”. Eu não sabia, mas desconfiava que ele gostasse de mim. Ela, por fim, com a calma exigível me esclareceu: “ele cuida de ti por que é teu irmão”.

Não lembro se entendi, mas lembro de ter ficado intrigado. “Como assim, meu irmão?”. Jeitosa, me contou que antes de casarem, meu pai tinha tido outra esposa e dali nascera aquele filho. Disse-me ainda que eu deveria gostar sempre muito dele, uma vez que ela também gostava, embora ele não soubesse. 

Depois disso eu o procurei várias vezes para falarmos, mas como era muito tímido, desconversava. O tempo se ia, veloz como quem corre atrás de uma bola, e ele aos poucos iam percebendo que sua missão de anjo anônimo fora cumprida, embora permanecesse sempre vigilante. Falávamos pouco, mas sempre que falávamos o sangue puxava, e a partir de um momento melhor de maturidade e compreensão fomos carinhosos e muito amigos.

A última vez que o vi, combinamos um encontro no final daquele ano em uma das praias, e finalmente praticarmos juntos os abusos permitidos a irmãos em férias. Mas não deu tempo. Um descuido o levou embora mais cedo. Sempre é cedo para morrer, mas irmãos devem viver pelo menos cinqüenta anos juntos, e algumas praias.  
Cumpro assim outra sina. Saudades eternas, Rosalino Ribeiro, meu irmão. Ainda temos uma praia agendada.   





sexta-feira, 14 de dezembro de 2012

RETRATO PRESUNÇOSO





Vivo de convicções, certas e erradas. Talvez por isso meu metro de vida até agora, mais do que ser apenas uma linha de tempo, reta e despercebida de si mesma, tenha sido de sobressaltos, margeada por céus e purgatórios. São as minhas escolhas. Por mim, nada pode ser morno; nada foi e não será sem sal e pimenta. E minhas doçuras, ah, essas repugnam as abelhas. Tenho a presunção, uma de tantas, de não ter vindo mais ou menos viver.

Sou um ser atormentado pela lógica, buscada com intransigência, ainda que em causas absurdamente mínimas. São as minhas miudezas. E tenho como antepenúltima presunção ser, das três coisas que meu pai precisava para seu complemento, o livro que ele plantou.

Vivo de ventos fortes, sol escaldante e tempestades, permeadas por recuos de marés. Sei que o saldo disto tudo são marcas, melhor, voçorocas em corpo e alma. Nunca me vejo um pátio bucólico com folhas caídas, pequenos galhos frágeis e velhos esparramados; ou pouco chamuscado. Por vezes racha-me o tronco, remexem minhas raízes e me incendeio. Por outro lado, não consigo me imaginar num fim medianamente feliz.  Prezo o “ser” por permanente, embora não seja; provoco o “estar”, qualquer que seja, de prazer ou dor, para que não seja apenas o vão momento.  E descubro certo sadomasoquismo em viver com intensidade.

Digo aos meus afetos como sou. Alguns acreditam, outras não dão bola, e ainda outros vivem de se sobressaltarem. Contrariam-se, depois sem saber o que fazer comigo acabam esquecendo, que é seu modo de perdoar e me aceitarem. E há outros que, passado o momento de contrariedades, ao serem perguntados por mim, acredito que gostariam de responder “quem?”. Isto, no entanto, esbarra na minha penúltima presunção: Passar pela vida das pessoas de tal forma que impeça este tipo de pergunta. E como venho de aquerenciar afetos, e como já é tarde demais para trocar de roupa, sigo fiel e desconstrangido com a indumentária cedida pelos anjos tortos que me anunciaram.

Por precaução sempre revejo os picos anímicos, suas antevésperas e seus rescaldos. São os meus coquetéis; os espumantes e chazinhos pósteros espirituais, mas são também minhas jurisprudentes terapias. O sem graça disto é que hoje pouco me surpreendo.

Por fim, quando a luz ficar esmaecida, bem no finzinho da tarde, por certo vou estender a rede em estágios temporais de riso e paz, e isto, mais do que ser meu desafio, é minha última presunção.

terça-feira, 20 de novembro de 2012

TODAS AS GUERRAS SÃO MUNDIAIS

Foto da agência Reuters. Soldado russo na Chechênia, em 1994. 
                                                                                                       
Ando sentindo dores constrangidas;
Sociais, coletivas,
Que é o tanto que me deixo doer.
Tive dor por Beirute, Jerusalém,
Neste lado do Golfo me doeu também,
Como me doeram Coréia e Vietnam.
E, caso recue mais no tempo,
Não haverá lado que não tenha lacerados.

Dor e culpas vão ao mundo sem bandeiras.
Traduzem gemidos que se espalham pelo vento;
Transcendem as razões dos continentes
Causados pelo ódio ancestral.
Ódio por ódio, que abstrai motivos; 
E entre vivas e gemidos;
Entre ação e reação, balas e ogivas,
Faz a morte dos nexos, onde todos são bandidos.

Machucam-me em nome de coisas santas.
Por tudo, por nada, apenas porque sim.
Por fim, derrotas e vitórias se confundem,
Se fundem na massa amarga do caos. 
Vivas às muitas mortes de lá!
Vivas às poucas mortes de cá!
E que transborde a taça com sangue irmão!

A dor que me dói por guerras
Tem gosto amargo de fim.
Pedaços de nós irrigam os chãos,
Em meio a ferros e sentimentos contorcidos.
São gentes esquecidas de ser gente, 
Que guardam e realimentam em suas essências
A peculiaridade humana de matar para viver...
...Ou de matar por matar sem saber porquê.

A serenidade da morte circunda a terra,
Embalada por atavismos ruminantes.
E na pressa mórbida de improvisar túmulos,
Morrem primeiro despercebidos inocentes;
Depois morrem inocentes escravizados;
Depois morrem inocentes de ódio inoculado;
Depois morrem inocentes... Inocentes,
Esses, que jamais quiseram medalhas.




quinta-feira, 8 de novembro de 2012

TUCA




Tenho saudades do irmão emprestado; do irmão que quase tive e por não poder tê-lo mais hoje, tenho um buraco impreenchível no peito. 

Sinto falta do amigo que, sozinho era a festa, e que ao seu redor fazia luzir todas as barbaridades inocentes de uma noite barulhenta, por vezes bizarra.  As noites, sim, não tinham fim. Confundiam-se as luzes amarelas, vermelhas ou negras de dentro de qualquer boteco onde se ouvisse uma batida razoavelmente harmônica com os raios do sol, e tudo continuava no mesmo diapasão. 

Ele era incansável, com um fôlego improvável; vivia com urgência, como se tivesse medo que de hora para outra fosse chamado para uma farra no andar de cima e ainda não tivesse gastado tudo por aqui.

Tuca se foi como se estivesse fazendo um vestibular para a vida eterna. Preparou-se, esforçou-se muito e amiúde nas lições diárias de não conformidade. Desafiava até dormindo seu status físico, como se estivesse acima do bem e do mal. Abusava de tudo, mas muito e especialmente da desgastante tarefa de se fazer feliz a qualquer custo. E se fez. E fez também a nós, que a cada noitada o agradecíamos com nossos olhares cínicos de repreensão. E acho que, afora suas penas clínicas, seus últimos meses de vida foram seu paraíso. Só vi medo em seus olhos na última vez que nos olhamos, e quando ainda lúcido, percebeu que preparava longa viagem. Naquele momento sabíamos, ele e eu, que não nos veríamos de novo. Até porque somos formados da mesma cepa incrédula dos que vivem com tudo, com força e atrevimento, com arrojo, sujeitos a todos os erros e suas sequelas porque, no fim, quando nos formos, seremos nada mais do que restos da carcaça cedida pelo Criador em comodato, até o pó definitivo. 

Se morrer, morremos. E Tuca morreu, as noites ficaram menores, e ninguém depois dele contará as histórias que ele viveu, reais ou fictícias não importa, mas incomparavelmente fantásticas.

Maldito seja nosso metro de vida estabelecido lá, não sei em que momento, quando apertaram nosso “enter”.  Os que se amam deveriam partir todos juntos, como se uma dinastia afetiva inteira perdesse seu reinado, a fim de que não houvesse este residual enorme e quase infindável de sofrimento, quando da ausência de um elemento.  A rigor, ninguém sabe perder afetos, mas pessoas que vivem com o coração no cartão de visitas nunca estarão minimamente preparadas, nem na situação mais candente e finada de seu ente, para o momento de dizer “até breve”, mesmo que não acredite nisso.

Hoje, particularmente hoje, dia em que estarei contigo vivo na memória, desconfiarei de qualquer música alta que escutar. E caso beba uma cerveja o farei em dois copos. Vamos brindar a essa festa de aniversário que em algum lugar está acontecendo.

terça-feira, 6 de novembro de 2012

PEDRO COUTINHO




Não me lembro dele com precisão. Era uma figura imponente, fundida com o cavalo. Perto dele não havia molecagem, nem dos moleques mirins da bucólica Uruguaiana de pretérito tão perfeito, muito menos dos provectos.  Meu pai era amigo dele, mas o chamava de “comandante”, quase um pronome. E era mesmo.

Em momentos como este quando eu, em especial os irmãos paulistanos, e de resto toda torcida verde-amarela andamos por ai encagaçados, entrincheirados em nossos bunker’s, enquanto a marginalia toma conta, destemida, livre e debochada, estabelecendo uma nova federação criminosa plenipotenciária, figuras como aquela me passam da mera lembrança à cruenta saudade.

Segurança pública parece não dar votos. Ou por outra, bandido também vota, e vejam que nicho populoso de interesses que não deve ser contrariado! Por isso talvez não haja legisladores a fim de investir campanha mexendo no Código Penal. Muito menos executivos eleitos aportando verba, ou melhorando as estruturas em nome da defesa do cidadão. A omissão tem duas formas nocivas: a covardia e a cumplicidade. Ou, concluo por simples, que não desejam legislar contra si.

O cidadão que me empresta o título e o símbolo era uma espécie de personalização da liderança autoritária. Jamais falei com ele, mas sei que quando andava por perto havia ordem.  E é do que mais sentimos falta do Chui para cima: ordem; lideranças; Gente que não apenas mande, mas que saiba mandar; que não apenas seja transeunte de cargo, mas o faça respeitar. Crescemos, evoluímos e nos modernizamos, mas se há algo que ficamos devendo ao passado é na formação de lideres, embora haja hoje escolas, cursos, orientadores e outros gurus para esse fim. Hoje sabemos, por exemplo, que se comanda por autoridade, capacidade e/ou influência; Que essas características juntas fazem um grande líder. O duro, porém, é identificá-las, com tantos jogos de interesses que os circundam. Poder também é recurso de comando (na Democracia este é o nosso).  O poder está na base, na massa, mas ela continua sendo de manobra. Nem vamos considerar que atualmente nos falta até mocinho para rodarmos um bang-bang, seja porque os atuais estão comprometidos, ou porque atualmente andamos nos apixando até para os índios. E bobota tem um monte. Ah, como a minha geração tem culpa por isso!

Por outro lado, as vezes observo postagens, listas, correntes pedindo para anular o voto. E gente esclarecida, o que potencializa a responsabilidade ou falta dela. Para qualquer vivente de médias luzes deveria ser fácil perceber que é muito melhor ter o poder de decisão na mão do que transferi-lo para terceiros. A questão é: não votar é a solução? Claro que não. Não podemos permitir que o desencanto com os políticos e seus partidos faça com que eles se eternizem em seus postos. Se os atuais não estão resolvendo, ou por outra, trabalham e/ou legislam em causa própria, se apropriam de bens públicos, e não estão nem ai se você “dança na corda bamba de sombrinha e em cada passo dessa linha pode se machucar”, então trabalhe para renovar os quadros. Opte por não reeleger. Energia nova, gente que venha prospectar novos caminhos e levar não só como plataforma, mas como dogma os anseios e medos de quem vive longe do Olimpo. Os pedrocoutinhos surgem naturalmente, mas hoje só vamos descobri-los garimpando nas urnas eletrônicas.

Não custa lembrar que Democracia requer disciplina, ordem e regras. O que não requer nada disso chama-se anarquismo (acorda São Paulo!).  Excluir-se, omitir-se; é conformar-se em ver a marginália cantando tá tudo dominado, dando as cartas e jogando de mão, enquanto que você, pagador dos maiores impostos do mundo está proibido de tomar mate na calçada às sete da noite.