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domingo, 18 de março de 2012

NÃO CHORES POR MIM ARGENTINA



Do livro Castelo de guardanapos

Tive uma namorada argentina. O pai dela não gostava de brasileiros, chamava-nos de morochos, pajeros, vadicos e otras cositas mas, progressivamente menos nobres.  E falava olhando para mim, como diria Juca Chaves. Mas nunca fui de medrar com cara feia, não muito. Ademais, há cabeças que não têm cérebro e recebem um único comando: Vai e cospe! E eu ia, a pé, de carona, de ônibus para ter, na verdade, pouquíssimos prazeres.

Estelita, como o pai a chamava, era uma doce criatura de grandes olhos castanhos, estilo basset. Sabe, aquele cachorrinho salsichão? Usava, aos dezesseis anos, sutiã 44 e aí, somando aos demais, já eram quase cinqüenta motivos para encarar distâncias. Atravessar a longa ponte e ir até o centro de Libres, a pé, quando se tem menos de dezoito anos é um abraço, nem que seja para ver com quantas células mamárias se enche um sutiã.

Conheci Estelita num dos tantos confrontos com Club Barraca. Não sei se confronto fica bem, pelo menos é amplo e sugestivo. Jogo não era. Nunca soube o que era mais difícil: futebol ou basquete. No basquete, jogado com as mãos, os barraquenhos estavam à vontade para o soco, no futebol, além do soco eles tinham os pés, aliás, acho que jogavam com quatro. Mas do nosso lado também não havia santos, se bobeassem, relinchávamos.

O pai dela tinha especial desapreço por mim, nem me cumprimentava, ou melhor, sequer me olhava a não ser aliviado quando eu me despedia.  Acho que tinha ciúmes, aquele correntino incestuoso. 


Nossa comunicação, minha e dela, era bem razoável, considerando-se as diferenças de idioma, que nem são muitas. Era uma comunicação não verbal, porém  labial e  muito gestual, ou seja: nos comunicávamos aos beijos enquanto que os gestos eram os mais variados e complexos. Os movimentos das mãos só teriam uma leitura lógica à luz da antropologia. Mas não passava disso: mão aqui, mão ali, gametas sufocados pedindo liberdade, umidades e inchaços, nada mais.  De cinco em cinco minutos o pai tossia, resmungava um tango, dava um tiro. Sim, ele tinha uma arminha que dizia ser de pressão, não me lembro quantos milibares, com a qual treinava pontaria. Não sei se casualmente, mas sempre quando eu estava lá, mesmo no escuro e mesmo chovendo. Pelo sim pelo não, nunca olhei para o alvo para saber que formato tinha, dizem que vudu de argentino é batata.  Contando assim, faz lembrar a parábola do gato angorá que perdeu a cauda no trilho do trem, voltou para apanhá-la e acabou perdendo a cabeça. A moral é simples: Por um bom rabo...

Foi um namoro de três ou quatro meses que não teve um fim. Houve uma desistência em função de que, uma coisa era ir ávido, íntegro, rígido, outra era voltar a pé, embora mais ávido e rígido, desintegrado, assado, com testículos rendidos. Mal dava para caminhar. Havia outras alternativas mais próximas e bem menos desgastantes para a doce Estelita, seus beijos e seu sutiã 44.

Em nosso último encontro fomos todos ao restaurante. O pai não me olhava, mas olhando para a filha, perguntou o que eu gostaria de comer. Eu olhei para ela quase respondendo por impulso, mas pedi pizza, assim como pronunciamos. Fizemos as encomendas. O garçom, solícito, gritou salta una pizza caliente, assim como pronunciam os argentinos.  Sabe o que significa um cara gritando em pleno salão salta una pizza caliente? O povo argentino conheceu o melhor das minhas gargalhadas, que se misturou aos murmúrios constrangidos de todos. Mas o riso espontâneo se fez nervoso e aí tem disso: não para nunca. Então o padrezito perdeu a paciência que dizia que tinha e foi embora.  Estelita não falava nada, só tinha boca para sorrir suavemente e beijar. Como gostava de beijar! Pena que durou pouco. Não pude nem ver até onde ia a tal fase oral, quiçá mal elaborada.


sexta-feira, 16 de março de 2012

DE REPENTE DO RISO FEZ-SE O PRANTO



Tributo a Moacir Bastiani

"De tudo, ficaram três coisas:
A certeza de que estamos sempre começando...
A certeza de que é preciso continuar...
A certeza de que seremos interrompidos antes de terminar
...
Fernando Sabino

É certo que já nascemos com o objetivo de morrer e o fazemos desde o primeiro choro que nos traz à vida. É certo que vivemos em busca da longevidade lúcida. Do corpo, muitos de nós judiamos, uma vez que parece ter os prazeres do mundo o dom da judiação material. É certo que nunca é chegada a hora de morrer, mesmo para os que estão ali, no partidor da grande raia, ansiosos pelo “se vieram!”.

Não sei participar de momentos de dor sem ser protagonista. Não me serve o papel de coadjuvante porque olho ao redor e vejo braços querendo abraços, cabeças pedindo ombro, ouvidos que ouvem palavras compungidas, iguais em conteúdo e forma, mas que se esvaem de pronto, pois a única voz de consolo possível se calou. Resolveria alguém que súbito dissesse: “que susto hein? Agora vamos acordar”. E os olhos? Os olhos que se intumescem de vermelho por não conter o aquífero inesgotável bombeado pela alma com a irrespondível pergunta: "meu Deus, porquê?"

Quando morre um amigo morre um pouco do que somos. Morre uma tira preciosa dos nossos sonhos pueris de eternidade. São estes sonhos que nos mantêm teimosamente jovens quando toda estrutura física nos desmente. Por eles encontramos motivos para juntar, vez por outra nossas vidas dispersas, apenas porque sim. As nossas escolhas e o tempo nos fizeram desiguais. Pouco temos em comum; pouco ficou do que fomos na base da existência a não ser eles, os sonhos que sonhamos de calças curtas.

Não sei ser coadjuvante de momentos de dor profunda, porque não me ensinaram a postura da perda conformada. Não nasci para chorar afetos que morrem. Não sei o que fazer, cubro-me de reticências e tartamudeio até no  teclado. Em dias como este chego em casa, olho meus filhos, lembro dos mais próximos e rezo, e rezo, buscando a mais profunda fé que jamais tive para que o calendário do Criador não me negue o privilégio de partir antes.

Mas e a vida? O que é o que é meu irmão. Há quem fale que a vida da gente é um nada no mundo. É uma gota; é um tempo que não dá um segundo (Gonzaguinha). Pois é. Boa caminhada, meu amigo Moacir. Por certo a estrada estará mais fácil do que outras que trilhaste. Quanto a luz, tu mesmo levas.

Jair Portela

C'EST MA VIE


Tenho um gosto musical bastante eclético, não tendo conseguido nunca definir que tipo me dá mais prazer de ouvir. Claro, não estamos falando de circunstâncias. Em momentos up até alguns sambas-enredo caem bem, e nos dow, não sei quem rasga mais a alma se Antonio Marcos ou o Lupicínio.  Como não lembro quando foi a última vez que tive os cotovelos inchados, e talvez as juntas não me ajudem mais a embalar num samba-enredo, ouço mais o bom e velho Chico, mais pelas letras do que pelas músicas, assim como a boa e velha  Bethânia, que quando canta, imagino ser a Angelina Jolie. Mas tem uma música em especial, não sei bem porque é especial, que me toca profundamente. Tenho-a sempre comigo. Gosto tanto dela que vivo pedindo para que seja tocada no dia em que o Criador resolver me chamar para fazer um carreteiro de charque para os anjos. Também não entendo o porquê, uma vez que, então, estarei mais envolvido em tentar descobrir o sexo dos comensais.
C'est ma vie, do Salvatore Adamo é o topo da inspiração musical. Certa vez ouvi uma versão em português e achei um horror. Quis entender francês para saber do que se tratava e também perdeu a graça. É como aquelas namoradinhas platônicas da juventude. Eram belas e desejáveis, quando impossíveis, ou ainda, como a roda do carro para os cães, quando conquistadas morrem os motes. Esta música, portanto, gosto de ouvi-la assim, na sua língua original, sem ser entendida e sem poder ser cantada.

Algumas vezes, enquanto viajo, sinto-me tentado a colocar o cd para rodar, mas aí vem a questão: pedi para que fosse tocada em lugar da marcha fúnebre, não é mesmo?  Por que arriscar? As estradas andam muito perigosas. Melhor ouvir em casa, sozinho, tranqüilo, atirado, fazendo-me acompanhar por qualquer negrão chileno de sobrenome francês, das famílias Sauvignon, Merlot ou carménère, só para manter o clima. Uma garrafa chega. Mas e se for a hora de morrer? Sozinho, sem me despedir de ninguém, sem dar as recomendações para os filhos, tipo: crianças lembrem-se do quanto foi bom termos vivido juntos, mas não chorem por isto, construam uma família igual, e para a mulher: meu bem, você deve casar de novo, mas deixe o corpo esfriar. Essas coisas. Melhor não ouvir sozinho. Deitado, com o fone de ouvido é uma boa e segura alternativa.  Ademais, dormir escutando a música preferida é o próprio Nirvana, é como se entregar aos braços de Deus, convicto, redimido e feliz. O sono virá lento, suave, profundo, há de parecer que efetivamente Ele está chamando.  E se Ele entender que aquele momento de remissão e reencontro com a inocência é o ideal para me levar? Dormindo, sem poder argumentar, negociar, empurrar com a barriga? Nem pensar!

Qual foi a última vez que ouvi C'est ma vie? Talvez tenha sido em algum momento de profunda depressão, quando o Grêmio foi rebaixado, por exemplo. Ali uma parte da vida perdeu a razão de ser e, sei lá, o que viesse viria bem, ou num momento de grande alegria, de uma grande conquista, que somente o paradoxo tricolor é capaz de patrocinar. Como não é só do esporte que tenho alegrias, e muitas, por certo eu estava feliz, sem receios ou borracho na ultima vez que ouvi esta música, a ponto de dizer para o Velho: obrigado, Cara, vamos nessa! Não, não deve fazer muito tempo

Outro dia o querido amigo Ranquetat a música. Está gravada em arquivo muito especial no escritório e qualquer dia vou ouvi-la. Qualquer dia porque a tensão no trabalho está muito forte. Primeiro vou fazer alguns exames, verificar se continuo com o trinômio que me garante: pressão de menina-moça, batimento de atleta e temperatura de padre. Se bem que ninguém está livre de ter um acidente qualquer e acabar se mudando para a sobreloja. Ademais, escritório não é lugar para morrer, imaginem o que dirão?

Ouço vozes internas me estimulando: play it again, Jajá. Sinto-me tentado, mas e se as vozes forem externas?
























VERDES ANOS



Um pouco do que eu sonhava quando guri tinha olhos verdes, franja, algumas sardas e jeito comportado. Mas não era só isso que eu via nela. E não vou dizer tudo o que via porque metáforas têm limites e não haveria espaço para colocar o sol, o mar, todas as flores do jardim e outros exageros produzidos pela paixão juvenil, numa estrutura de mais ou menos 1,50m. 

Vou apenas resumir dizendo que o Criador, no sexto dia, às seis horas da tarde, antes do primeiro bocejo, extasiado com a magnitude de sua obra resolveu inventar o sorriso. É verdade que demorou um pouco mais do que o previsto, aperfeiçoando e adaptando caras e bocas, pois seu padrão era Mona Lisa, o que convenhamos, não tinha graça nenhuma. Enfim conseguiu satisfazer sua divina mania de perfeição oferecendo-o a alguém que conseguiu usá-lo de forma integrada, ou seja, fazendo com que todo rosto risse junto, boca, olhos e até a franja. Resultou então naquele conjunto harmônico, foco permanente dos meus olhos, moradora permanente das estrofes falhadas em meus versinhos de guardanapo e à altura dos mais suaves fetiches. 


Comparada a ela, Suzanne Pleshette, meu primeiro caso mal resolvido, era um nada.  Nesse namoro, que envergonharia Platão, a personagem era uma obra de natureza viva, exclusiva, hoje pendurada na parede das minhas confissões sem culpa.

Jamais me aproximei dela, ouvi sua voz, ou descobri do que gostava. Nem mesmo fiz por ela amplos planos futuros ou ousei fantasias eróticas. Nunca pensei nela como uma namorada de sentar na praça, nem alguém com quem pudesse me consumir nos pelegos.  Não havia e não há sequer uma música romântica que me lembre sua figura ou seu jeito. Só um contexto, um tempo e uma idade, tão bonita quanto contraditória. Uma parte de nós inchava os testículos nas reuniões dançantes e cantava: “eu te amo, meu Brasil, eu te amo...”; Outra vivia escondida, com medo de ter os mesmos órgãos inchados nos testes de amperagem, promovidos pela atividade repressiva extra-oficial.

Nem ao mais próximo segredei sobre aquela obsessão.  Mas ela, por certo, desconfiava. Impossível que não percebesse dois pares de olhos eternamente fixados na direção dos seus, irremovíveís, mortificados, teimosos, porém, vertendo fragilidades. Não havia o que temer, e talvez por isso o assédio virtual não a perturbasse. Assumia com generosidade e consciência social a sua condição de ídolo.


Recentemente descobri que não era único voyeur na vida dela. Nada mais, nada menos que dois times inteiros de basquete da época tinham por ela algum frisson, com variáveis de acordo com a imundice mental de cada um. Experimentei um gostinho amargo, quase me senti traído, mas logo, logo compreendi que eram questões diferentes. Os predadores da inocência queriam algo mais concreto, não lhes bastava a pureza platônica que só eu sentia. Não os culpo por isso. Eram sentimentos mais compatíveis com os padrões da idade, em todas as épocas.

Vi-a pela última vez há mais de trinta anos, mas lembro com exatidão como era.  É uma lembrança que dorme para sempre nos meus nadas bem guardados. Revê-la talvez quebrasse o encanto. Não seria ela e eu teria um motivo a menos para sentir saudades de mim e da minha bucólica Uruguaiana de antes. 


Está, onde deve estar, eterna natureza morta; sempre menina, incomparavelmente bonita, permanentemente impossível, e eu olhando para ela, anestesiado, com o rosto tão cheio de espinhas quanto de vergonha.

quinta-feira, 15 de março de 2012

JE VOUS SALUE MARIE!



ENQUANTO VOCÊ DORMIA



Sara era uma empregada dedicada. Mãe solitária, vivia em função da filha que vivia em função de passar e repassar olhares de mormaço aos pequenos galãs arrabaldinos. Mas Sara tinha também suas necessidades, desejos mal disfarçados. Apesar de quase quarenta anos, em tempos que isto era uma idade para deprimir qualquer mulher, não se achava de jogar fora. E talvez não fosse, não lembro.

Guris, (acho que em todas as épocas) na faixa de quinze anos costumavam perceber as representantes do sexo feminino, que não fossem mães, avós e irmãs, como se apenas peludos orifícios fossem.  Fontes intermináveis de feromônios, e pouco importava se fossem “resbalosos” ou não. Enfim, pouco mais do que ejaculódromos.

Sara queria “casar bem” a filha. Como todas as mães, lógico e justo. Mas quem estava ao alcance no momento era o Precioso (*). Tecnicamente um bom partido. Bonito, saudável, boa família, com futuro encaminhado face o olhar vigilante dos pais, cabeça privilegiada, etc. Tinha um pequeno senão: o mundo era seu território, Uruguaiana seu quintal. O Criador se quisesse que marcasse hora. Portanto, seus limites não eram demarcados pelas convenções sociais vigentes, ou vontades de outras partes. Os entraves que eventualmente inibiam seus avanços tratava de acordo com seus tamanhos ou graus de dificuldades.  Avançava sempre, embora respeitasse alguns nãos definitivos, mesmo não acreditando neles. Acreditava, sim, muito pouco em conselhos e desdenhava relhos, vassouras, chinelos e outros artefatos com que dialogava nas mãos do pai.

Era difícil não gostar do Precioso e com Sara não era diferente. Acompanhara um pedaço de sua meninice, o suficiente, porém, para num tempo curto decidir que mesmo vendo ali um destino melhor para a filha, talvez quisesse poupá-la desse futuro. Entretanto, como gostava muito do Precioso, não ia deixar com que partisse em definitivo para a vida sem ficar com algo dele, afinal dera muito dos seus cuidados de serviçal da família para aquele menino.

Sara tinha suas manias. Após o almoço tirava um cochilo. Precioso, no inicio, ia solertemente espiar a veterana pelas frestas da porta trancada. Num segundo momento, entrava no quarto de porta já então destrancada para olhar de perto o sono pesado da Sara. Depois a olhava ainda mais de perto porque ela já não ia trabalhar de “eslaque”. Passou a trabalhar de saia. Era mais fresquinho, dizia. Num terceiro ou quarto momento, já que estava nas dependências observando dois pares de perna com saia acima do joelho, porque não passar a mão? Como Sara tinha o sono pesado! E se tinha, porque não avançar para o intercurso carnal, mesmo que literalmente nas coxas? Ora isso lá seria empecilho para o Precioso!

A operação avançava. Sara já tirava sua pestana com as pernas entreabertas, talvez porque ficasse ainda “mais fresquinho”, mas tempos depois essa posição passou a criar dificuldades para o trabalho do Precioso, no momento em que este tinha de sacar a calça de opalina (samba-canção feminina) dela, embora ela desse uma acomodada para que esse processo fluísse mais rápido. Mas Sara, a experiente e dedicada serviçal, não estava lá para complicar a vida do filho do patrão e, portanto, passou a sestear “em pelo”.  Era muito mais fresquinho.

Como tinha o sono pesado a Sara! Sono dos bons e justos, porque as vezes em que a vi dormindo sob a ação frenética do Precioso, exibia um leve sorriso no canto dos lábios.

A prudente e sonolenta Sara, que sesteava de porta e pernas abertas por que era super fresquinho, costumava fazê-lo de acordo com o desempenho do Precioso, pois jamais acordava com ele nos quartos, digo no quarto. Medida simples e talvez prazerosa que possibilitou o casamento futuro da filha de acordo com os costumes da época: virgem.
  


O CÉU PODE ESPERAR



Aquele dia talvez não tenha podido resistir ao chamado do Criador. Talvez não tenha conseguido me segurar na frágil matéria. Todos sabem que quando Ele quer não tem de bicho, faz e pronto. Não está nem aí se é cedo, se a festa está boa. Pouco se lhe dá se a família e os amigos irão se aborrecer caso você se vá. "Ora onde é que já se viu sair de cena no melhor da festa!". Enfim, ando me adaptando as decisões tomadas fora da minha alçada sobre as quais não tenho ingerência. Talvez seja a idade (ou o juízo). 

O que está feito está feito. Pronto.

Assim, devo ter morrido e me fui, ainda sem saber quantas paradas haveria de fazer, ou mesmo se iria direto ao meu destino, sem escalas, cujo também desconhecia. Como não decidi a viagem, também não palpitaria sobre as paradas, mesmo porque ninguém me perguntou nada. E não levei nem mate. Vá que não houvesse parada para mijar.

Estava lá meio contrafeito sentado na boléia de uma nuvem, sorumbático e apreensivo. Para onde me levariam? pensava eu quando súbito começaram a passar diante dos meus olhos os múltiplos apelos dos novos mercados para onde me encaminhava. Loiras e morenas de lingerie vermelha de um lado (acho que muitas delas eu já conhecia), versus elementos alados cujo sexo não pude definir de outro, com suas carinhas de boa gente demonstrando quanto é inglória a disputa de novos clientes com apelos inocentes. (Alguém em sã consciência e, por favor, dispam-se do cinismo, se lhes fosse dado o direito de escolha teriam alguma dúvida sobre qual caminho tomar?). 


Fiquei procurando na nuvem onde era o botão da opção e me dei conta que também não era eu quem decidia. Gostosuras e travessuras ali, na minha frente expondo suas redondices e reentrâncias. E os anjinhos lá, sem fazer nada, nenhuma contraproposta, nenhuma deusa de vestido azul-claro, com fenda e olhar lascivo (ok, com olhar de mormaço, no mínimo). Nada. O que estarão pensando estas criaturas? Que me levarão assim no mole para ficar lá bocejando e arranhando harpa e o saco, só por que é politicamente correto? Aqui, ó! 


Meu Deus, onde estás que não interferes? Estamos em outros tempos, a vida mudou, o mercado está mais agressivo, as pessoas têm outras necessidades. Nada mais é como na época do Mano. Não viajamos mais de burro, nem usamos mais aquele monte de panos demodês e, se é bem verdade que continuamos estraçalhando nossos semelhantes, também é verdade que não temos mais a mania botar pregos nas mãos do pessoal da oposição. Hoje temos o costume de julgar, e até condenamos eventuais culpados, imagine. A despeito dos hábeas isto, hábeas aquilo; de acordos de liderança, pactos pela governabilidade, rodadas de pizzas, etc. Enfim, outros tempos. 


Reaja, meu Velho, caso não queira perder suas almas. Eu, que sempre ouvi maravilhas a respeito do paraíso gostaria claro de ser convidado a freqüentar. Ta, mas e daí? Vamos fazer o que depois da seis da tarde? E sexta-feira? Qual é a boa da sexta-feira? Não venha me dizer que todas são santas! 


Nenhum pedágio, nenhum pardal, estrada boa sem solavancos nem luz alta no retrovisor, mas não estava satisfeito. Que hora esta para morrer! Pior, nem fiz aquilo que todos deveriam fazer antes de ir embora: despedida de vivo. Uma farra homérica, sem china pobre nem garçom de cara feia. Das dez da noite às dez da manhã, como nos velhos tempos. Nada disso. Lá estava eu a bordo de uma nuvenzinha chinfrim, fora de linha, sem botão de opção. E os apelos me rodeando, como se eu pudesse decidir alguma coisa. Bosta!

Melhor acordar.

VERSOS SATÂNICOS - TRILOGIA


CAPÍTULO I

O CARO PALO DO GALO


Extra! Extra!
Senador metido a galo, 
Nem desconfiou do preço do palo! 
É o que acontece quando se pensa com o falo. 
Mas não é por isso que o Congresso 
Há muito se vai para o ralo. 
Além do galo de quem eu falo, 
Muito cacique entrou no embalo 
E teve o pepino enterrado até o talo.

Eu não me calo, tampouco me abalo, 
E tanto quanto posso falo, exalo, propalo. 
Vez por outra me dá um estalo 
E me dou conta que eu mesmo me encurralo.

Falta vocabulário, falta mídia, falta espaço. 
Acabo ficando no bagaço,
Digo que não merecem o meu cansaço,  
Mas de pronto me refaço, 
Pois considero um erro crasso 
Silenciar e vergar o espinhaço. 
Temos de enfrentar aquele cangaço, 
Coalhado de devassos, 
Que criou metástase no Paço. 
E vivem nos fazendo de palhaço, 
Trilogia neles! Porrada, relho e balaço.

Pouco adianta destratar esses senhores. 
Deputados, Senadores e outros usurpadores 
Que invadem nossos televisores  
E outros receptores. 
Falam como se nos fizessem favores 
E não estão nem aí para os horrores,
Que praticam nos bastidores, 
Totalmente desapetrechados de pudores.

E o povo parece que nem liga. 
Quando muito faz figa, 
Acha melhor do que partir para briga. 
De mais a mais, é mais fácil falar da rapariga, 
Aquela que fez um montão de intriga, 
Planejou bem planejada uma barriga, 
Naquela pegadinha sexual pra lá de antiga. 
Entretanto, hoje já não mais litiga.  
Pudera. Com a conta-corrente que abriga, 
Dá para viver de cantiga, 
Como na fábula, e para inveja deste rábula: 
Mais cigarra e menos formiga.

E vem aí um livro sobre o Congresso. 
Garantido amplo sucesso. 
Alguém duvida que o tal impresso 
Seja o mais vendido até no recesso? 
O que contará miss Veloso? 
Duvido quem não esteja curioso. 
Dirá ela o quanto o Renan é charmoso? 
E que brinca de mimoso depois do gozo? 
Não sei, não, acho duvidoso. 
Aposto num folhetim meio cavernoso.

Mas serão verdades negociadas no prelo. 
Se paga uma omissão aqui, 
Distorce-se uma verdadezinha lá, 
E enfim, bate-se o martelo, 
Com o velho gesto singelo,. 
De depositar onde há castelo. 
O dinheiro deverá sair do paralelo, 
Onde sangra o caixa verde e amarelo.

Moniquinha Veloso hoje veste chinelo. 
Depois de atar o burro na sombra. 
Talento de quem soube usar a pomba
escolher a hora da tromba. 
Ai, ameaça que vai largar uma bomba, 
A velhacada se assombra 
E até o mais resistente tomba.


Preteou o olho da gateada! 
A moça ficou pelada e anda dando risada 
Assistindo de arquibancada 
Os efeitos da sua tacada. 
O Renan, que havia feito a cagada, 
Por não saber usar a espada,  
Desconsiderou a emboscada 
E levou a enrabada.

(Que estrago fez a Mônica, 
No final desta novela tragicômica! 
Mesmo sem bomba atômica 
Ocupou grande espaço na crônica).


O Congresso talvez não seja o mesmo 
Logo após este estrago. 
Muitos recorrerão ao trago, 
outros farão teses como discurso de gago. 
E será terminantemente proibido 
Trocar afago a cem metros do Lago.

Riscar fora da caixa só em ambiente pago; 
Muito sossego no bago,
E tranca forte na bragueta. 
Melissa para amordaçar os gametas, 
Sobretudo, jamais entrar nas gavetas, 
Teúdas e manteúdas, 
Sem jaqueta na chapeleta.



CAPÍTULO II


















A FLOR DO PÂNTANO

Ah, essas mulheres fogosas
Com suas entranhas poderosas! 
A gente mal se lembra das estranhas gostosas 
Que surgem no vídeo como um cometa, 
E num záz, desaparecem, ou vão brincar de Julieta,
Com o primeiro Romeu que vier atrás.


Ou um despercebido de visão turva, 
Mas meticulosamente escolhido. 
Elas sempre esperam a melhor curva, 
Os exemplos proliferam às mancheias. 
Vão, silenciosamente armando as teias, 
E quando o “moscão” bobeia, créu! 
Pensa que está no céu, 
Mas está enrolado nos caracóis, 
Com um e outro pingo nos lençóis, 
No entanto estejam certos: 
Muitos pingos dentro  e um óvulo fertilizado.

O cara até pode ser esperto, atilado, 
Mas na hora do ai-ai-ai pouco se importa, 
Ou sequer imagina, que será de novo pai 
E que a ação foi premeditada, 
Não mede o tamanho da cagada, 
Entorpecido, olha para a china,
Enxerga pouco mais que uma vagina, 
E naquele momento profundo, 
Ejacule-se o mundo, 
Ele, se quiser, que  acabe naquele segundo.

No remanso de uma história destas, 
Borboleteiam o panaca e a oportunista, 
Que faz as coisas sem dar na vista, 
Aproveitando o grande poder da mulher. 
Mas só não vê quem não quer. 
Basta, passado o fato, comparar cada retrato.

Olhem a Mônica Veloso,
Agora olhem o Renan.
Eu ficaria no mínimo sestroso. 
Antes de chegar o tchan-tchan-tchan 
Custava lembrar do que todos temem?
Mulher que circunda o poder não faz pacto de sangue, 
Faz pacto de sêmen.


Pobre do Calheiros! 
Foi brincar de Romeu 
No tempo em que mais se fiscaliza o galinheiro, 
E deu no  que deu. 
Perdeu dinheiro, prestígio, perdeu poder 
E talvez saia das boas, 
Coisa que cultivava a décadas, 
Desde que abandonou as Alagoas. 
Pagou um preço alto por riscar fora da caixa, 
Arriscou a vida pública por uma racha, 
E num momento, quiçá raro, de estado erétil 
Nem quis saber do tal período fértil.


Não vi como pena, vi como jogo de cena 
O fato de ser perdoado pela esposa. 
Aliás, como fez a mulher do Clinton, 
Traída com outra Mônica, a Lewinsky, 
Aquela que fazia chupinsque, 
Enquanto o gringo brincava com o charuto, 
num “meia nove”, no mínimo fajuto.

Peço perdão pelo palavreado bruto, 
Mas a rima é inevitável. 
E pelo sim pelo não, 
A partir de agora é recomendável, 
Todo cuidado com as Mônicas. 
Das discretas às histriônicas.


CAPITULO III






















SE ENTREGA, CORISCO!

A presidente diz que não é um poste, 
Mesmo que alguém não goste, 
Eu arrisco: não sei, não. Depende de tudo.

Que tempos esses, bacudo! 
Parece que tudo vai bem e de repente, 
Quando ganharia mais se fosse mudo, 
Lá vem o outro com discursos de improviso, 
De muita bravata e pouco siso.

Até a ex-maldita CPMF virou queridinha do chefe.
Um dia pedra, outro dia vidraça. 
É bom para aprender que governar 
Não é beber cachaça.

Mas voltemos ao amigo do homem. 
Esse parece que o bicho não come, 
Ao contrário, é ele que come. 
Come e se farta, e depois descarta. 
Ou tenta 
como no caso da sua última transa barulhenta. 
E nós pagamos a farra. 
Na marra!

A tranqüilidade soberba do Renan 
Já me indicava que ele era um arquivo.  
Por isso o senado estava sendo “compreensivo”. 
A maioria daqueles sisudos senhores 
Morreria aos efeitos de um discurso “explicativo”, 
Sobre o porão moral do Congresso. 
Moral  coberta de abscesso, 
Que na verdade está em metástase, 
E como todo mal... Arrasta-se.

O Gabeira, que adora botar lenha na fogueira, 

Lembrando o Antonio das Mortes, 
Grande caçador de cangaceiros da zona norte, 
Hoje em falta, fuzilou o Calheiros, 
Chefe daquela malta, 
Lascou, assumindo o risco: 
Se entrega, Corisco!

Aqui duas questões em uma, 
Pra que a gente apenas resuma: 
O Gabeira é mais macho que a maioria 
(quem diria!); 
Segunda: não tem medo de expor a bunda, 
Ou seja, não prega moral de cueca, 
Embora alguns desaprovem seu estilo boneca, 
Mais enfeitado que o quarto do Ivo,
Nem de seu passado “festiva”, e festivo. 
Também eu enxergo torto esse quadro defectivo, 
E nessa faixa de opção, não dou valor lascivo.

Como se dizia em Uruguaiana: 
Tenho vontade de “largar um osso”. 
Eta raça triste essa que habita o Congresso! 
Não tem um que não mereça cana.
Estamos chafurdando no fosso 
E, por mim, nada mais peço, 
Nada mesmo adianta,.
pois os poderes estão coalhados de sacripantas

Entre situacionistas cúmplices 
E oposicionistas hipócritas 
Quem perde são os idiotas, 
Estes aqui que habitam as planices, 
Que nada tem a ver com aquela zorra. 
(Como nada, porra? 
De tempos em tempos colocamos todos lá, 
Pior: ainda fazemos campanha
Depois ficamos aqui reclamando do Ali Babá. 
Caímos na velha artimanha 
De que votar é preciso, 
Nos curvamos ante um amplo sorriso 
Que nos aborda, na horda de anjos imaculados, 
Santinhos por todos os lados 
No papel e no discurso, 
E muito abraço de urso).

Renan é um ícone castiço 
Que prolifera feito inço. 
E no seio da Pátria amada vem se perpetuando. 
Foi tropa de choque de dois Fernando 
E depois adotado pelo Lula. 
De lá pra cá ele bajula, 
articula, manipula, dissimula, copula, ejacula 
E... nós carregamos o fardo, 
Pagamos o pato e a pensão do filho bastardo.

Renunciando, se salvou 
E talvez nem perca o comando no bastidor. 
Deixa provisoriamente de ser Senador 
Para candidatar-se a... Senador. 
E deverá deixar de lado a revanche, 
Pois a fila continua andando 
A Mônica sai de cena sem .deixar chance, 
Saciada e garantida por ter trocado,  
Um pau de quando em vez por doze paus por mês.