Do livro Castelo de guardanapos
Tive uma namorada argentina. O pai dela não gostava de brasileiros, chamava-nos de morochos, pajeros, vadicos e otras cositas mas, progressivamente menos nobres. E falava olhando para mim, como diria Juca Chaves. Mas nunca fui de medrar com cara feia, não muito. Ademais, há cabeças que não têm cérebro e recebem um único comando: Vai e cospe! E eu ia, a pé, de carona, de ônibus para ter, na verdade, pouquíssimos prazeres.
Estelita, como o pai a chamava, era uma doce criatura de grandes olhos castanhos, estilo basset. Sabe, aquele cachorrinho salsichão? Usava, aos dezesseis anos, sutiã 44 e aí, somando aos demais, já eram quase cinqüenta motivos para encarar distâncias. Atravessar a longa ponte e ir até o centro de Libres, a pé, quando se tem menos de dezoito anos é um abraço, nem que seja para ver com quantas células mamárias se enche um sutiã.
Conheci Estelita num dos tantos confrontos com Club Barraca. Não sei se confronto fica bem, pelo menos é amplo e sugestivo. Jogo não era. Nunca soube o que era mais difícil: futebol ou basquete. No basquete, jogado com as mãos, os barraquenhos estavam à vontade para o soco, no futebol, além do soco eles tinham os pés, aliás, acho que jogavam com quatro. Mas do nosso lado também não havia santos, se bobeassem, relinchávamos.
O pai dela tinha especial desapreço por mim, nem me cumprimentava, ou melhor, sequer me olhava a não ser aliviado quando eu me despedia. Acho que tinha ciúmes, aquele correntino incestuoso.
Nossa comunicação, minha e dela, era bem razoável, considerando-se as diferenças de idioma, que nem são muitas. Era uma comunicação não verbal, porém labial e muito gestual, ou seja: nos comunicávamos aos beijos enquanto que os gestos eram os mais variados e complexos. Os movimentos das mãos só teriam uma leitura lógica à luz da antropologia. Mas não passava disso: mão aqui, mão ali, gametas sufocados pedindo liberdade, umidades e inchaços, nada mais. De cinco em cinco minutos o pai tossia, resmungava um tango, dava um tiro. Sim, ele tinha uma arminha que dizia ser de pressão, não me lembro quantos milibares, com a qual treinava pontaria. Não sei se casualmente, mas sempre quando eu estava lá, mesmo no escuro e mesmo chovendo. Pelo sim pelo não, nunca olhei para o alvo para saber que formato tinha, dizem que vudu de argentino é batata. Contando assim, faz lembrar a parábola do gato angorá que perdeu a cauda no trilho do trem, voltou para apanhá-la e acabou perdendo a cabeça. A moral é simples: Por um bom rabo...
Foi um namoro de três ou quatro meses que não teve um fim. Houve uma desistência em função de que, uma coisa era ir ávido, íntegro, rígido, outra era voltar a pé, embora mais ávido e rígido, desintegrado, assado, com testículos rendidos. Mal dava para caminhar. Havia outras alternativas mais próximas e bem menos desgastantes para a doce Estelita, seus beijos e seu sutiã 44.
Em nosso último encontro fomos todos ao restaurante. O pai não me olhava, mas olhando para a filha, perguntou o que eu gostaria de comer. Eu olhei para ela quase respondendo por impulso, mas pedi pizza, assim como pronunciamos. Fizemos as encomendas. O garçom, solícito, gritou salta una pizza caliente, assim como pronunciam os argentinos. Sabe o que significa um cara gritando em pleno salão salta una pizza caliente? O povo argentino conheceu o melhor das minhas gargalhadas, que se misturou aos murmúrios constrangidos de todos. Mas o riso espontâneo se fez nervoso e aí tem disso: não para nunca. Então o padrezito perdeu a paciência que dizia que tinha e foi embora. Estelita não falava nada, só tinha boca para sorrir suavemente e beijar. Como gostava de beijar! Pena que durou pouco. Não pude nem ver até onde ia a tal fase oral, quiçá mal elaborada.


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