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segunda-feira, 12 de março de 2012

Castelo de guardanapos



Crônica título do livro
Tenho um especial apreço por guardanapos de papel. Fazem parte de momentos importantes da minha vida. Numa época distante, debruçado na mesa do boteco, às seis da tarde, entre um gole e outro de Crush, rabiscava versinhos ou fazia frasesinhas para ela, qualquer uma, das tantas que amei em guardanapos, depois guardava nos meus documentos e, por ser importante, colocava numa pasta especial que criara no porta-arquivo da mesa da sala. Era o meu word possível, numa época em que  virtual era apenas o sonho produzido por nós mesmos, acordados ou não. Uma vez juntei uma quantidade grande deles e me prometi um livro. Foi um exemplar único que chamei de Castelo de guardanapos, arquitetado e construído com o carinho exigível pela delicadeza da matéria-prima, mas ambientado na bipolaridade dos sentimentos, que guardei como quem guarda um tesouro, no máximo segredo. Castelos sempre encerram misteriosos segredos. Há quem prefira construí-los de cartas ou areia, mas esses não têm mais do que o compromisso lúdico e fugaz. Um se desmancha ao sopro leve do vento, o outro com uma lambida despretensiosa do mar. O meu, quis fazê-lo eterno, porque não saberia construí-lo de novo, não poderia reviver cada parede de sua estrutura frágil de forma, mas de intenso conteúdo, nem redecorá-lo com momentos iguais. Não sei que fim deu o meu castelo. Talvez tenha se esfarelado com o tempo ou quem sabe tenha servido de artefato nas mãos de alguém que esqueceu de respeitar o domicilio do meu máximo segredo, num momento de profundo desamor.

Devo ter encharcado muitos guardanapos com pedaços de olhos machucados, naquela e em outras épocas, mas também lembro de tê-los oferecido para o mesmo derramado fim em incontáveis ocasiões, agindo como segunda ou terceira pessoa do presente. Ombros amigos, na ausência de ombros mais amigos, ou desejados. E quem não teve um guardanapinho mimoso com duas ou três palavras catalisando milhões de promessas, assinado com uma boca? Não precisava de nome, duas ou três palavras talvez. Um bilhetinho carimbado com batom é ostensivo, compromete mais que a impressão digital mais nítida. Imagine um guardanapo assinado assim pela Sophia Loren ou pela Angelina Jolie! Talvez nem sobre espaço para algumas letras e as promessas fiquem ainda mais sublimadas.

Tenho tanto carinho por guardanapos de papel que nunca os escolho no balaio de liquidações, ao contrário, vou fundo nos mais valorizados. É uma espécie de resgate do tempo em que me aboletava em balcões ou mesinhas capengas, apanhava as folhinhas miseráveis, no mais das vezes cortadas pela metade, e iniciava os rabiscos, quase sempre com a Bic emprestada do garçom, roída até a metade.  Hoje me pergunto como ficava, ou me permitiam ficar, horas a fio tomando uma ou duas Cocas-cola, com o máximo de um dedinho magro de vodca, apenas para obter salvo-conduto no meio, sem emitir uma fumacinha sequer além das do cérebro, uma porção de fritas que resistiam flácidas e geladas, gastando pilhas de papéis? Devo muito a eles.

Nos meus bilhetes de geladeira, as instruções, broncas, recados são feitas em post it. Frieza é importante numa hora dessas, mas os mimos e confissões são reservados aos guardanapos. Talvez por serem absorventes me permitam ensopá-los de intimidades verbais sem que salpiquem e atinjam alguém fora do alvo. Caso não sejam guardados, já terão cumprido sua função: neles guardo resíduos de sentimentos. Como antes.

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