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quinta-feira, 15 de março de 2012

JE VOUS SALUE MARIE!



Do livro Castelo de guardanapos








Maria Branca era gorda. Imensa. Mas era o que tínhamos e convenhamos, muito melhor do que ficar encerrado lendo O Catecismo e criando pêlos nas mãos. Parece que a prática constante atrofiava uma parte não sei qual.

O ritual de iniciação sexual da turminha que amava os Beatles e os Rolling Stones (ou Los Iracundos, que em Uruguaiana eram sagrados) era metódico. Jogar bola no campinho dos fundos da velha tasca. Lá pelas quatro da tarde as persianas se abriam e a janela se enchia de tetas que pareciam terem sido banhadas com Q-boa e anil de tão brancas, naturalmente que vestidas e naturalmente que quase desvestidas.

Era tudo dela, tetas e cabelo, estes pretos como a noite. A janela era o sinal. Chutávamos a bola para perto e íamos, um por um, num acordo tácito e mudo, de maior a menor, buscarmos a nossa bola, nos prepararmos para a vida e deixarmos um pouco da nossa energia.

A cena vista da abertura para dentro era fantástica, impactante. Um quarto simples cheirando a perfume barato (que sabíamos nós de perfume barato!), uma cama enorme com uma mulher não menos enorme, gelatinosa, derramada em cima. Por um lapso de tempo, tínhamos a ilusão de que tudo aquilo nos pertencia graciosamente.

Nossas cavalgadas esfogueadas não deveriam ser lá grande coisa. Guardo a impressão de que, por vezes, ela nem percebia nossa presença. O único som além dos nossos era o da revista quando folheada. Sim, durante a tarde toda ela lia um exemplar de O sétimo céu. E que história fascinante deveria ser, pois era sempre a mesma.   Poucas vezes  retirava a revista dos olhos para ver de quem era o gemido.

Claro que veladamente competíamos em tempo e também é claro que se a sessão toda mal passasse de ralos segundos, fingíamos que a corda do calção havia se perdido no cós, ou coisa parecida, para enfim, vagarosos e solertes como macho que desdenha a fêmea ressurgirmos na janela. Ninguém queria pagar o mico de ser chamado de galo ou coelho.

Ela tinha sido, diziam, uma mulher muito bonita. Diziam também que já saciara várias gerações, sempre entregue a leitura do seu O sétimo céu.  O mesmo! Era como o apelo do conhaque Dreher que dizia: de pai para filho desde não sei quando... Grande Maria Branca! E gorda!

Um dia, ainda nem tínhamos concluído nosso aprendizado, ela desapareceu.  Fora embora com um ex-soldado da cavalaria que segundo boatos da época, havia pouco tempo, saíra de uma relação intrigante com uma égua premiada. Contam que o tal, entre outras façanhas teria perguntado à nossa Maria se ela era virgem, tal a dificuldade que tivera na primeira relação.

A janela já não abria e as tarde nunca mais foram as mesmas.  As alternativas de então eram raras e para as mãos ninguém mais queria voltar.  Que sufoco! Os jogos perderam a graça. Só faltava o campinho ser vendido para uma imobiliária. Foi.

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