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segunda-feira, 12 de março de 2012

O SUICÍDIO DE HAMLET




Ser ou não ser proprietário de animais de estimação, eis a questão. No meu caso, apesar de gostar muito de cães, os abomino em apartamentos. Mesmo assim fui vencido pela quadrilha familiar que me fez tragar goela abaixo um pequeno animalzinho de longa pelagem. "Nós cuidamos", diziam todos cinicamente, desde então sabendo a quem estariam destinadas as tarefas de alimentar, educar, levar para banhar, passear e outros verbos transitivos mais. Eu os conheço.

Desde que chegou a casa, Hamlet, o cão, teve da família tratamento de filho. E soube aproveitar bem isso na sua infância roendo cadeiras, sofás, mesas e marcando território em todos os aposentos e móveis da casa, fazendo continência com a patinha traseira, até agora, proximamente na sua fase adolescente. Se no começo dialogávamos tendo como tradutor o Rider, ou algum outro artefato qualquer, tipo vassoura com o qual me pudesse fazer entender, nos últimos tempos tornamo-nos muito próximos, amigos até, e eu o considerando fiel, dedicado e submisso como noiva de rico. Mas eis que a chegada da fase adulta trouxe consigo uma série de inconvenientes para ele e para nós. Hamlet precisava cruzar. Eu cruzo, tu cruzas, ele cruza, manja? E o cachorro que é também uma criatura de Deus, cujo instinto o impele a cumprir a risca o mandamento do multiplicai-vos não poderia ficar de fora desta que é a mais básica das funções masculinas (até os homens gostam, devem dizer os cães). Ocorre que não é tão fácil assim cruzar um cão de classe média. Fosse ele um vira-lata de rua não lhe teriam faltado alternativas de pelagens, tamanhos e bitolas diversas. Há muito tempo já teria experimentado aquela terrível posição descrita no kama sutra canino que me punha, antes, muito antes, a pensar que os cães ejaculavam goma arábica.  Ao contrário, para um lhasa de classe média é cobrado pedigree, exames, vacinas e outros quetais. Pobre Hamlet, não conseguiu cruzar. Sua sina foi viver de pequenos espasmos e rápidas ações sempre nas canelas das visitas, enlouquecido, ainda que não vislumbrasse qualquer possibilidade de intercurso à sua frente, antes de ser chutado.

Nestes últimos meses com o cio das fêmeas o ar da cidade fica impregnado de lascívia canina, somente sentida por eles. "Mas onde andarão essas cachorras?", deveria andar se perguntando o desafortunado Hamlet, enquanto se entregava às preliminares com o tapete da sala.

Um dia achou. Na parte traseira do edifício onde moro há uma casa e nessa casa há uma cadelinha branca, mimosa, de fitinha, rabinho felpudo e tal. Ela estava no cio e o Hamlet descobriu, e não foi por fofoca de outro cachorro. Tal qual o pólen, está no ar (Ah! Os feromônios). Moramos, entretanto, no quarto andar e como nossos filhos já estão criados, dispensamos as tais redes protetoras de janela. Pois é. Hamlet achou que era fácil, que era só pular e créu, dê-lhe goma arábica na branquela. Não mediu os riscos e voou para sempre, virgem como um anjo e sem saber por que nasceu cachorro. Hamlet se foi como um bravo macho que honra a causa.

Dizia-se de um gato de raça angorá que ao passar o trilho do trem teve seu rabo decepado e não querendo deixá-lo, tão belo e felpudo que era, ao voltar para pega-lo teve sua cabeça também arrancada pelos vagões restantes. A moral, dizia-se, repito, que por um bom rabo se perde a cabeça. Pode ser verdade, mas acho, não garanto, que só vale para os irracionais.

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