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terça-feira, 13 de março de 2012

OLHO A ROSA NA JANELA




Ao amigo de voz incomparável Orlando Torres.

Tem uma música, Modinha, do Sérgio Bittencourt, filho do Jacó do Bandolim que é um soneto musicado. Suave, romântica, entregue, derramada em estrofes quase juvenis. Enfim, é a serenata de amor que Schubert pensou ter composto. Modinha é uma baliza importante nas minhas frustrações mais antigas. Quisera eu tê-la escrito, se não, musicado, ou ao menos cantado em uma qualquer das nossas serenatas das sextas-feiras loucas. Por incompetência não escrevi e por juízo não cantei, mas passo horas bocejando seus versos, hoje quase como um desalento.

Modinha jamais seria composta hoje. O  mundo saiu do lugar, ou  nós o tiramos. Mudou de rota, está grosseiro, animalizado. Tem muito carro na rua sem espaço para ter, muita fumaça sem fogo, muita bala à toa em busca de alvos despercebidos, muitos dentes à mostra sem haver sorriso, muito ódio de graça. Andamos, sim, por aí, mas jamais sem um objetivo claro e urgente. Não passeamos mais, seja por medo, seja pela falta de tempo que criamos, ou de saco. Não pertencemos mais ao grupo humano que um dia cometeu a doce insanidade de pensar Modinha. De sussurrar Modinha no ouvido das flores.

Mas e então, morremos? Talvez, mas se podemos acreditar que três dias depois alguém voltou do plano misterioso chegou a nossa vez de ressuscitar. Se por um mísero lapso de tempo pudéssemos olhar as grades das janelas como se olhássemos as rosas de antes dependuradas; se ao menos por uma vez pudéssemos trocar o pesadelo nosso de cada dia por um sonho pequeno que nos tornasse menos adulto, e então ousássemos roubar um buquê de grades cheirosas para ofertarmos à nossa reclusa namorada, a última, e que não fosse em mortalha; E se pudéssemos andar quando o sol se findasse lento soltando nossa voz, na voz do vento indo em busca do que,  quisesse Deus não fossem vultos, porque afinal não estamos mais tão românticos e os vultos de hoje só assustam; e se pudéssemos despedaçar nosso verso desajeitado em busca de um perdão, qualquer um, pelas tantas penas que nos devemos, mas uma em especial  por termos participado da construção  dessa versão neohumana, incapaz de ser ingenuamente feliz, então ainda teríamos chance. Fácil não é, mas tão-somente estar vivo também não é.

Não morremos, apenas moribundeamos queixosos por um ontem que nos faz falta porque lá tínhamos o bom costume de sonhar. E se tínhamos, e eu, porque sei o gosto dos sonhos, de cada um deles, me queixo pelo tão pouco que me falta, e pelo bem incalculável que me faria senti-los novamente.

Vez por outra olho e vejo rosas gradeadas, de perfume reprimido e lembro de um violão e um tocador incomparável chamado Orlandinho.

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