O título é
uma frase de Paulo Leminski
HAJA HOJE PARA TANTO ONTEM
Uruguaiana não é mais
Uruguaiana. Certo que é mais bonita, mais moderna, mais quase tudo. Só não me
parece tão romântica como foi um dia, mas isso não chega a me deixar
contrafeito. O mundo é outro; a vida é outra e eu, mesmo que Peter Pan vez por outra buzine nos meus
ouvidos, já deixei de ser o guri do Portella há muito tempo. Então sem reparos
ao que vejo quando chego.
Entretanto, as pessoas
que vivem por lá, que caminham em suas calçadas, dançam em seus salões,
correm por suas ruas; se cansam e descansam, o fazem sobre o imenso campo santo
das minhas lembranças. Lá repousam sem féretro, minhas jóias preciosas infância
e adolescência; lá acordei um dia, olhei ao redor enxergando só juventude
e pensei “vou antes que viva eternamente os efeitos colaterais dos dezoito anos, mas nem
que seja em pó ou folha levada (Quintana), retornarei” .
Portanto, cuidado,
conterrâneos. Cuidado ao arrancarem pedras das ruas que ainda não se hajam impermeabilizado, pois poderão estar partindo
um pedaço da minha lápide. Cuidado ao pisarem na tijoleta mal cuidada da
calçada. Poderá derrubá-los. Mas de certo que não será somente a tijoleta. Caso seja em dia de
chuva, algo de mim poderá cuspi-los até o meio da perna e isso não será
um mero acaso. Cuidado moças ao dobrarem qualquer esquina da Duque em dia de
ventania. Em algum ponto, como alma penada eu estarei soprando, tentando
levantar vestidos e desarrumar cabelos. Não por maldade ou nem tanto por isso,
ou será que vocês acreditam que é só o Minuano que sopra naquelas esquinas? Eu morei
na Duque.
Em cemitérios enterram-se saudades, e nada pode ser maior do que as minhas.
Em cemitérios enterram-se saudades, e nada pode ser maior do que as minhas.
Cada vez que vou a
Uruguaiana faço um download de alguma
coisa etérea, alguma entidade dessas cujo nome desconheço, e vou, numa espécie
de regressão profunda a outras vidas, todas minhas e todas vividas por lá. E
vivo isso, ainda que eu esteja confinado nesta caixa de ceticismo tomada em
comodato do Criador, que está com a estrutura gasta e cheia de desenhos de
tempo. No entanto, ao contrário de Pandora, esta vive aberta e com mais coisas do
que somente esperança pendurada na aba.
Quando vou a Uruguaiana,
a minha terra santa, e santa porque sempre volto de lá com os fragmentos finais
da minha juventude, percebo que há pouco hoje para tanto ontem.
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