Powered By Blogger

sábado, 31 de março de 2012

HAJA HOJE PARA TANTO ONTEM



O título é uma frase de Paulo Leminski
HAJA HOJE PARA TANTO ONTEM

Uruguaiana não é mais Uruguaiana. Certo que é mais bonita, mais moderna, mais quase tudo. Só não me parece tão romântica como foi um dia, mas isso não chega a me deixar contrafeito. O mundo é outro; a vida é outra e eu, mesmo que  Peter Pan vez por outra buzine nos meus ouvidos, já deixei de ser o guri do Portella há muito tempo. Então sem reparos ao que vejo quando chego.

Entretanto, as pessoas que vivem por lá, que caminham em suas calçadas, dançam em seus salões, correm por suas ruas; se cansam e descansam, o fazem sobre o imenso campo santo das minhas lembranças. Lá repousam sem féretro, minhas jóias preciosas infância e adolescência; lá acordei um dia, olhei ao redor enxergando só juventude e pensei “vou antes que viva eternamente  os efeitos colaterais dos dezoito anos, mas nem que seja em pó ou folha levada (Quintana), retornarei” .

Portanto, cuidado, conterrâneos. Cuidado ao arrancarem pedras das ruas que ainda não se hajam  impermeabilizado, pois poderão estar partindo um pedaço da minha lápide. Cuidado ao pisarem na tijoleta mal cuidada da calçada. Poderá derrubá-los. Mas de certo que não será somente a tijoleta. Caso seja em dia de chuva, algo de mim poderá cuspi-los até o meio da perna e isso não será um mero acaso. Cuidado moças ao dobrarem qualquer esquina da Duque em dia de ventania. Em algum ponto, como alma penada eu estarei soprando, tentando levantar vestidos e desarrumar cabelos. Não por maldade ou nem tanto por isso, ou será que vocês acreditam que é só o Minuano que sopra naquelas esquinas? Eu morei na Duque. 

Em cemitérios enterram-se saudades, e nada pode ser maior do que as minhas. 

Cada vez que vou a Uruguaiana faço um download  de alguma coisa etérea, alguma entidade dessas cujo nome desconheço, e vou, numa espécie de regressão profunda a outras vidas, todas minhas e todas vividas por lá. E vivo isso, ainda que eu esteja confinado nesta caixa de ceticismo tomada em comodato do Criador, que está com a estrutura gasta e cheia de desenhos de tempo.  No entanto, ao contrário de Pandora, esta vive aberta e com mais coisas do que somente esperança pendurada na aba.

Quando vou a Uruguaiana, a minha terra santa, e santa porque sempre volto de lá com os fragmentos finais da minha juventude, percebo que há pouco hoje para tanto ontem.  

Nenhum comentário: