Do livro "Assim como era no princípio"
Havia muitas barreiras entre ela e eu. Compreensíveis, intransponíveis... para mim, irrelevantes. Pouco importava se ela fosse mais velha, inalcançável, muito menos importava a preocupada opinião das tias. “Esse guri...”, ralhavam.
Sonhava com ela
sonhos bons, inocentes, muito diferentes dos sonhos imundos e melados que eu
costumava ter com a filha do “seu” Nenê, com a Anita Eckberg e as modelos do
Carlos Zéfiro. Uma pena não ter dado certo, sempre achei que tínhamos tudo a
ver. Mas ela ainda mora aqui dentro num sulco tatuado, cicatrizado, porém,
igual a algumas espinhas, uma marca irremovível.
Os olhos da
Suzanne eram duas granadas de brócolis sem pino, tal o verde e tal a expressão
quando queria dizer coisas graves. Quando, porém, queriam ser doces, cintilavam
como sorvete de pistache. Não deveria ser tão linda quanto a Liz Taylor, nem
mais “tudo” que a Brigitte, muito menos competia com a Ava e a Marilyn como
cachorras. Abstraindo a hortaliça e o sorvete que abrigava entre os cílios, era
de uma beleza comum, cuja neutralidade se potencializava pela quase permanente
feição-paisagem que exibia. Mas isso deveriam pensar os outros, não eu.
Suzanne Pleshette
estreou na Broadway em 1961, substituindo Anne Brancroft como Annie em "O Milagre de Ann Sullivan".
Depois levou alguns sustos em "Pássaros", do Hitchcock; "Nevada
Smith", de Henry Hathaway, e do açucarado "Candelabro Italiano",
de DelmerDaves, quando viveu a sonhadora e imprudente Prudence Bell. Esta moça largou a vida pacata de
bibliotecária na Nova
Inglaterra para viver de riscos cardíacos na Itália. Foi quando a conheci e
tive de disputá-la com o Troy Donahue e o RossanoBrazzi. Tentei furar os olhos
do mocinho, mas perdi, claro, e passei muito tempo bocejando Al di lá, sem nunca ter descoberto
exatamente do que se tratava.
O filme é um
“água com açúcar” bem ao gosto dos anos sessenta. Romântico como a época, com
música e fotografia lindas. Mais que isso só ela, cuja foto em 3x4 saquei do
meu álbum de figurinhas e guardei na carteira, e que teve como destino ser
fracionada em múltiplos pedaços, cuspida e pisoteada por alguém que não
respeitou meu domicílio mais íntimo, em momento de profundo desamor. Popular
ciúme.
A carreira da Suzanne
poderia ter decolado caso tivesse aceitado o papel de Mulher-gato na série do
Batman da TV. Trancou o pé e se deu mal, por isso nunca saiu daquele rame-rame intermediário. Certo que não foi lá
grande coisa como atriz, e o máximo que chegou perto de um Oscar foi por ter
sentado nas primeiras fileiras da Academia. A mesma distância responsável pelas
minhas frustrações.
Su foi casada três vezes, a primeira com
o “cheirado”, “fumado” e “bebido” do Troy, logo depois do Candelabro. Tentaram levar a
trama adocicada do filme para prorrogação e pênaltis, mas não deu certo. O
casamento durou apenas algumas garrafas de uísque,
e eles se separaram seis meses depois. No segundo, ficou inacreditáveis 32
anos com o Tommy Gallagher (talvez
porque ele não fosse do meio artístico), que morreu no pleno exercício da
função de marido. Por fim, com o colega Tom Poston,
que também morreu no cargo, imaginem. (Teriam justificativas as preocupações
das tias?)
Eu também casei
algumas vezes, segundo minhas anotações, nenhuma com ela, e acho que por isso
ainda esteja por aqui contando histórias. O certo é que fiz um filho em sua
homenagem. O Sr. Igor Portela, assim como a Suzanne, nasceu em 31 de janeiro.
Ela não teve filhos... (maldita distância).
Em 19/01/2008, aos 70
anos, a musa foi colocar seu nomezinho na Hollywood
Walk of Fame organizada pelo
Altíssimo, a quem intimei que pintasse uma estrela de verde-brócolis ou
pistache. A tonalidade que tivesse mais à mão. Ainda não vi isso e considero
Papai do céu inadimplente comigo. Está em decurso de prazo e, mais hoje, mais
amanhã, falaremos a respeito. Não há prescrição e não aceito encontro de
contas. Muito menos “perdoai
as nossas dívidas”.
Partiu sem ter
noticias minhas, a pobre.
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