Powered By Blogger

segunda-feira, 12 de março de 2012

AL DI LÀ

Do livro "Assim como era no princípio"

Havia muitas barreiras entre ela e eu. Compreensíveis, intransponíveis... para mim, irrelevantes. Pouco importava se ela fosse mais velha, inalcançável, muito menos importava a preocupada opinião das tias. “Esse guri...”, ralhavam.
Sonhava com ela sonhos bons, inocentes, muito diferentes dos sonhos imundos e melados que eu costumava ter com a filha do “seu” Nenê, com a Anita Eckberg e as modelos do Carlos Zéfiro. Uma pena não ter dado certo, sempre achei que tínhamos tudo a ver. Mas ela ainda mora aqui dentro num sulco tatuado, cicatrizado, porém, igual a algumas espinhas, uma marca irremovível.
 Os olhos da Suzanne eram duas granadas de brócolis sem pino, tal o verde e tal a expressão quando queria dizer coisas graves. Quando, porém, queriam ser doces, cintilavam como sorvete de pistache. Não deveria ser tão linda quanto a Liz Taylor, nem mais “tudo” que a Brigitte, muito menos competia com a Ava e a Marilyn como cachorras. Abstraindo a hortaliça e o sorvete que abrigava entre os cílios, era de uma beleza comum, cuja neutralidade se potencializava pela quase permanente feição-paisagem que exibia. Mas isso deveriam pensar os outros, não eu.
Suzanne Pleshette estreou na Broadway em 1961, substituindo Anne Brancroft como Annie em "O Milagre de Ann Sullivan". Depois levou alguns sustos em "Pássaros", do Hitchcock; "Nevada Smith", de Henry Hathaway, e do açucarado "Candelabro Italiano", de DelmerDaves, quando viveu a sonhadora e imprudente Prudence Bell. Esta moça largou a vida pacata de bibliotecária na Nova Inglaterra para viver de riscos cardíacos na Itália. Foi quando a conheci e tive de disputá-la com o Troy Donahue e o RossanoBrazzi. Tentei furar os olhos do mocinho, mas perdi, claro, e passei muito tempo bocejando Al di lá, sem nunca ter descoberto exatamente do que se tratava.
 O filme é um “água com açúcar” bem ao gosto dos anos sessenta. Romântico como a época, com música e fotografia lindas. Mais que isso só ela, cuja foto em 3x4 saquei do meu álbum de figurinhas e guardei na carteira, e que teve como destino ser fracionada em múltiplos pedaços, cuspida e pisoteada por alguém que não respeitou meu domicílio mais íntimo, em momento de profundo desamor. Popular ciúme.  
A carreira da Suzanne poderia ter decolado caso tivesse aceitado o papel de Mulher-gato na série do Batman da TV. Trancou o pé e se deu mal, por isso nunca saiu daquele rame-rame intermediário. Certo que não foi lá grande coisa como atriz, e o máximo que chegou perto de um Oscar foi por ter sentado nas primeiras fileiras da Academia. A mesma distância responsável pelas minhas frustrações.
 Su foi casada três vezes, a primeira com o “cheirado”, “fumado” e “bebido” do Troy, logo depois do Candelabro. Tentaram levar a trama adocicada do filme para prorrogação e pênaltis, mas não deu certo. O casamento durou apenas algumas garrafas de uísque, e eles se separaram seis meses depois. No segundo, ficou inacreditáveis 32 anos com o  Tommy Gallagher  (talvez porque ele não fosse do meio artístico), que morreu no pleno exercício da função de marido.  Por fim, com o colega Tom Poston, que também morreu no cargo, imaginem. (Teriam justificativas as preocupações das tias?)
 Eu também casei algumas vezes, segundo minhas anotações, nenhuma com ela, e acho que por isso ainda esteja por aqui contando histórias. O certo é que fiz um filho em sua homenagem. O Sr. Igor Portela, assim como a Suzanne, nasceu em 31 de janeiro. Ela não teve filhos... (maldita distância).
Em 19/01/2008, aos 70 anos, a musa foi colocar seu nomezinho na Hollywood Walk of Fame organizada pelo Altíssimo, a quem intimei que pintasse uma estrela de verde-brócolis ou pistache. A tonalidade que tivesse mais à mão. Ainda não vi isso e considero Papai do céu inadimplente comigo. Está em decurso de prazo e, mais hoje, mais amanhã, falaremos a respeito. Não há prescrição e não aceito encontro de contas. Muito menos perdoai as nossas dívidas”.

 Partiu sem ter noticias minhas, a pobre. 

Nenhum comentário: