Powered By Blogger

domingo, 25 de março de 2012

EM NOME DO FILHO


Páscoa, do livro Castelo de guardanapos


Tenho três fotos suas comigo, de três fases diferentes da vida. Na primeira, lá estava você, no colo plácido da mãe, com jeitão de nem aí para o que ocorria ao redor. Na segunda foto que tenho você montava  o  burro, vestindo aquele modelito demodê cheio de panos e pregas, sol a pino. Parecia constrangido e não mais com a virgindade da mãe. A terceira é preocupante. Não, não, você não está nada bem. Está magérrimo!  Talvez em função do esforço para multiplicar pães e peixes e alimentar-se somente deles. Esta não é uma dieta saudável. A bandana espinhenta também em nada lhe favoreceu.  Sua fisionomia cansada deixa transparecer todo o desconforto causado pela  posição de braços abertos.  Assim você se foi, dizem alguns. Outros dizem que você não demora voltará e de tão convictos pregam cartazes e estendem faixas. E há um segmento que diz que, na verdade, você está por aí, em todas as partes. Mas há ainda outros que perguntam: quem? A gente não agrada todo mundo. Nem você, como dizem.

Bueno, Mano, da minha parte quero dizer que o carrego em boa conta, embora não tenha feito ao longo da vida muita força para receber recíprocas. Confesso até que tenho lembrado mais dos seus assessores, principalmente a atarefada Edwiges (a propósito: você  influiu na mudança do Pai nosso? Estava tão bem o texto que dizia perdoai as nossas dívidas...). Mas se é verdade que você se foi é melhor deixar por isso mesmo. Fique onde está. Momentaneamente há muita necessidade, mas pouco clima para o seu discurso preferido que incluía amai o próximo como a si mesmo... Embora isso pareça amargo. Além disso, para que houvesse melhor adaptação aos novos tempos melhor seria nascer de novo, mesmo que passasse mais uma vida ouvindo cochichos sobre a sua paternidade, ou você acha que ficaria por isso mesmo a historinha aquela do Espírito Santo? Pobre Maria! Pobre José!

De você, a qualquer momento seria exigido que expulsasse os vendilhões do templo, porém não haveria de ser com aquele chicotinho ridículo. O pessoal anda pegando pesado por aqui. Mesmo que conseguisse, sobrariam quantos para ouvir os sermões? Falando em templo, você haveria de receber convites para os cultos de domingo cercados de toda pompa e luxo, uma vez que as igrejas, meu velho, têm uma arrecadação maravilhosa, isentas de impostos, mas e daí, como ficaria o papo do camelo passando pelo buraco da agulha versus rico batendo com a cara na porta do céu? Sua popularidade começaria a despencar.  E se nessa época  estivesse você  com 33 anos? Cuidado, não é uma idade de boas lembranças! Melhor, portanto não arriscar. Seria muito chato ser vaiado na casa do próprio pai e pior: acabar negociado por trinta fichinhas de vale transporte.  Por fim, mesmo que esteja acostumado a pregos, em função da infância na carpintaria do Zé, você sabe como poucos que eles não ficam nada bem cravados no meio das mãos.

Simplesmente reaparecer sem nascer de novo seria ainda pior. Você estaria um caco, quase coisificado, sem fôlego para longas  peregrinações e muito menos para assoprar duas mil e tantas velinhas. Portanto, fique onde está, meu caro. Pode ser que esse lugar seja aqui do nosso lado, como dizem aqueles, ou em todas as partes como dizem os outros, ou simplesmente habitando uma metáfora como pensa quem não quer pensar a respeito.  Pelo sim, pelo não, mantenha-se discreto e me ouvindo de vez em quando. Eu vou lembrá-lo feliz como gostaria de vê-lo. Não se esqueça de me recomendar ao Velho.

Nenhum comentário: