Era uma noite de dezembro dessas mormacentas de Uruguaiana,
em 1966. De diferente, a formatura do ginásio do Instituto União, com a pompa
equivalente a falta de outras pompas ou alternativas. Encharcávamos tudo, desde
a camisa Volta ao mundo aos carpins novos, comprados na Surreaux, e secávamos o
suor da testa com a manga do casaco de tergal. Havia o lenço, mas este era
engomado e enfeitava o bolsinho de cima do casaco. Éramos muitos, não lembro
quantos, acompanhados por nossa claque familiar. Parecíamos doutores. Mania
aquela dos familiares transformarem qualquer evento dos filhos num grande
acontecimento. Hoje seria perigoso em função dos assaltos, ou proibitivo, em
função da novela das nove.
O canudo nos foi entregue com um presentinho especial oferecido
pelo colégio. Uma Bíblia, com amplas recomendações para que não deixássemos
nunca de ler, uma vez que dali retiraríamos os ensinamentos necessários para a
continuidade da nossa formação moral e religiosa. Aquele livro continha as
setas que nos indicariam o caminho e as luzes que nos mostrariam a verdade e a
vida. Justo e perfeito, porém, o Criador
que me anote mais esta a débito, caso haja espaço, tudo haveria de ser farra
naquela noite.
Terminada a cerimônia, fomos liberados com meia dúzia de
pilas cada um, para os Grapetes. A ideia clara dos pais era que ficássemos
sentados no quiosque da praça olhando o footing piscando o olho para os
“galetos”.
Pensávamos diferente, portanto, fomos ao Ramoncito. (Quem não souber de quem se trata e não for mentiroso, digamos que tenha sido a versão pós-moderna e neofresca do Ivo). E de Bíblia na mão! Por certo haveríamos de converter alguma daquelas criaturas de vida fácil que enxovalhavam o nome das suas famílias vendendo seus corpos, ruborizando a sociedade pudica. A profissão mais antiga do mundo é condenada desde os tempos dos personagens do livro que carregávamos, e aquilo haveria de ser um forte argumento em favor dos nossos santos propósitos.
Pensávamos diferente, portanto, fomos ao Ramoncito. (Quem não souber de quem se trata e não for mentiroso, digamos que tenha sido a versão pós-moderna e neofresca do Ivo). E de Bíblia na mão! Por certo haveríamos de converter alguma daquelas criaturas de vida fácil que enxovalhavam o nome das suas famílias vendendo seus corpos, ruborizando a sociedade pudica. A profissão mais antiga do mundo é condenada desde os tempos dos personagens do livro que carregávamos, e aquilo haveria de ser um forte argumento em favor dos nossos santos propósitos.
Ramon nos olhou atravessado, na porta de entrada. Alguns
fedelhos de terno e Bíblia na mão, o que haveriam de querer? Mas Ramon era uma criatura doce, não negaria
acesso a um grupo de mórmons juvenis, ou seminaristas bem intencionados. Dentro
do rendez vous nos separamos, uma vez que cada um teria que lutar por seus
interesses usando seus talentos, atributos, etc., e a noite haveria de ser longa. Soube de um colega que teria sido levado ao
quarto por uma das moças para que benzesse algumas partes do seu corpo, digamos
que suas ferramentas de trabalho, a fim de que jamais lhe faltasse clientes.
Outro pregou durante uma hora um sermão individual, direto na orelha,
condenando a atividade exercida pela moça, lembrando a ela que o corpo não nos
pertence, é uma estrutura por onde o
Criador manifesta sua imagem e
semelhança, que recebemos em comodato, sendo que somos apenas fiéis
depositários. Portanto, de maneira
nenhuma, sob risco de julgamento irrecorrível poderia ser comercializado,
quando muito emprestado, ainda assim por uma boa causa que servisse ao próximo.
E que ficasse claro que um jovem bem próximo, quase em cima e sedento de
experiência seria uma boa causa.
Ramon nos deixou ficar o tempo que desejamos. Acho que tinha
alguns de nós, mais taludos que chamaram muito a atenção dele, cujos nomes
(calma!) não lembro. Sei que depois,
noutra oportunidade alguém, também não lembro quem, na fila do Corbacho com a
namorada foi abordado com a sugestiva proposta: “yo voy a tracer um bluson muy
lindo de ayá...Te gusta?”. Ex-namorada.
Sua casa faz parte de um tempo rico de histórias que jamais seriam
contadas na Ceia de Natal, mas eram obrigatórias em qualquer outro lugar da
cidade. Sua luz vermelha se apagou. Que o seu caminho seja iluminado por outras mais claras. Mais um que se foi e não
deixou um livro, para a paz eterna dos que continuam.
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