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segunda-feira, 12 de março de 2012

DAQUI A POUCO


















Do livro Castelo de guardanapos. Aos meus amigos basqueteiros
Daqui a pouco a corrida ficará mais lenta, o fôlego mais curto, e o coração, porta-arquivo dos sentimentos ocidentais ameaçará sair goela a fora, esquecendo suas mínimas funções biológicas, por esforços mínimos. Daqui a pouco estarão misturadas todas as cores. O que era preto e longo, e virou cinza curto estará totalmente branco e ralo, quando muito. As glândulas gustativas passarão a ter um único padrão, ou seja, nenhum. Assim, tanto fará degustar um Bacalhau a Gomes Portela, como uma Canjinha à Santa Casa. Tudo será entendido como sendo algo do tipo “o quarto estágio da água”. E o mapa? O mapa da vida estará integralmente desenhado por toda a estrutura que um dia foi lousa virgem.

Daqui a pouco. 

Como serão importantes os horários! Todos variados e múltiplos para se fazerem as mesmas coisas. Haverá muitas horas marcadas para os sonos, os remédios, os lanches. Irão rarear os dias e as horas marcadas para aquele afago mais íntimo que lá, nem se sabe quando, alguém, não se sabe quem, chamou de arrêto. Sexo? Bem, há sempre novelas no horário da janta para a gente se recordar do que se trata. Tem até um programa que se chama Vale a pena ver de novo. Talvez seja isso.

Daqui a pouco. 

Que sina essa do ser humano! Tudo bem que o Criador tenha decidido que a vida seria finita. Só não deveria permitir chamá-la de ciclo. Ou será que daqui a pouco, ao invés de ficar sentado esperando minhas pantufas poderei colocar correndo os tênis, descer as escadas de dois em dois degraus, tomar a rua em poucos minutos me reunir com a bolerada para um jogo qualquer? O equívoco talvez nem seja a definição da vida em ciclos, mas tenha sido o fato de dotar o homem de razão e sensibilidades, de formas que nem clonando, nem por partenogênese, teremos outros vivendo por nós. Vegetais produzem sementes que produzem outros vegetais, mas eles não estão nem aí se não forem idênticos. Nós sim fomos e seremos sempre apunhalados pelo zigoto.

A ausência de um de nós significa um desfalque insubstituível. Daqui a pouco faltarão outros, e o time de amigos que se formou por afinidades e que joga por música o jogo da vida, começará a sofrer contra-ataques mortais. Tão desfalcados haveremos de estar um dia, que acabaremos perdendo por W.O. Maktub!

Por ora jogamos juntos e somos convictamente um time de amadores. Nossa torcida é a mais apaixonada, pois é composta por nós mesmos, a camiseta é sempre uma mistura de todas as nossas saudades. Os nossos adversários são sempre os mesmos: um menisco, uma bursite, um ciático... E o esquema de jogo? Bem, alguém deve guarnecer a cozinha, alguém jogar espetando, alguém entrar de bandeja. E o garrafão? Tinto, por favor.

Basquete não é um jogo, é paixão e pretexto.

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