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terça-feira, 12 de novembro de 2013

ALFREDOS





Houve o tempo do “bota fora” afetivo, quando se judiava de corpo e alma em nome da grande busca. Da busca, sim, ou não passamos metro e meio de tempo buscando pouso em olhares transeuntes; ninhos de braços; vozes sussurradas de dormir; vozes roucas de acordar, e ouvidos sintonizados numa frequência perto da nossa. Mas o foco foi e sempre será viver arrebatado pelas mesmas paixões. E a esperança de que jamais venham delas os pesares.

Mas a mim acostumaram a identificar, ou a vida me ensinou,  que a primeira lição de afeto que devemos aprender é o auto amor. Ou o Criador não teria mandado, e alguém prontamente obedecido, escrever que devemos amar o próximo como a nós mesmos.  Assim, o máximo de amor que podemos oferecer a alguém é um do tamanho do próprio. Se não há por si, não há o que dar. 

Essa tese invalidaria qualquer auto atentado, seja ele pragmático e drástico, seja por processo depressivo para dar fluxo lento à definitiva consequência. Nunca elaborei bem as mortes vãs, e até já me indispus com o "Velho' por causa de  algumas, Nunca aceitei mortes de amor, mesmo que este seja ultrajado; que tenha enuviado os olhos e trazido  bile à boca, com notas acre de sangue. Recusar-se a isso  é a  forma que temos de duelar com as nossas meio-mortes ao longo da vida.

Há entre eles os que viveram ensimesmados, tornando-se ícones do vazio, com quem nos distribuímos entre carinho e pena extremados. Onde guardavam seus dias, normalmente cheios de sentimentos fortes e amargos, nunca soubemos. Recolhiam-se no baú de tempo onde viviam, definhavam e morriam de amor. Por excesso ou falta dele, onde a reciprocidade é fundamental. Por nunca termos ousado invadi-los com nossa curiosidade solidária (ou mórbida, que fosse), tornamo-nos cúmplices por seus encurtamentos de vida.

Vinicius chamou de Alfredo um  vizinho do lado que “se matou de solidão. Abriu o gás, o coitado, o último gás do bujão!” Triste vida e triste fim de uma metáfora. Não sei porque se matam ou se deixam morrer os “alfredos”, embora carreguem um pouco de cada um de nós. O certo é que não se permitem  deixar que as etapas se cumpram naturalmente; que a morte chegue no seu tempo. Nossos "alfredos" não conseguem lutar contra a degradação dos mapas corporais, os algarismos dos planos de saúde e os ais sofridos de organismo e alma. Os "alfredos" sofrem disso. Não absorveram  o valor desse senso, e amargam suas sequelas. Não se permitem deixar que simplesmente morram encharcadas suas patologias espirituais entre tangos e malbec’sVivem de ser a própria letra trágica do tango. Deixam de sentir para se tornarem saudades, quase sempre cedo demais; irremediavelmente esperado, mas sempre incompreendido. Entretanto e ainda assim, nos permitimos a surpresa e o espanto. 

Há pessoas que me fazem falta. Amigos que partiram para a última grande viagem, e estão por ai dando uma voltinha pelo cosmo. Não por alma penada, mas por terem deixado conosco uma presença tão forte, que nós mesmos os aprisionamos na memória, e de tal forma, que é impossível não percebê-los como personagens permanentes nas paisagens cotidianas. Suas luzes (ou grilhões) são as saudades que choramos. 
                                                                                                      

2 comentários:

Anônimo disse...
Este comentário foi removido por um administrador do blog.
Julieta Cristina k.Barreiro disse...


Maravilhosa sua crônica, caríssimo escritor e amigo Jair Portela, a quem tive o prazer de conhecer.
“Que não deixemos de sentir, para nos tornarmos saudade, quase sempre cedo demais, e tenhamos mais curiosidade solidária.” (fala do texto: ALFREDOS de Jair Portela)

Continue nos proporcionando o prazer de sua escrita literária e, sobretudo, criativa. 🤗