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sábado, 26 de outubro de 2013

A DIVA



Recebi um mail de uma pessoa desconhecida. No mínimo singular e estranha a vida, em um dia destes sem muito trabalho, cansado do borbulhar de sons do escritório, resolvi escutar o que me parece a voz mais próxima do divino em um ser humano. Sim, Nana Mouskouri. Me perguntei, será que já veio ao Brasil? Digito a pergunta no Google ele me responde com uma narração sua, sobre esta voz celestial... Continuo lendo, gargalho quando leio padaria Modelo, Libres, Calle Colón. Sim, também moro em Uruguaiana. Bem, é o seguinte Sr Jair Portela, pela ordem não tão natural da vida, pois é nas situações menos esperadas que as vezes a vida nos presenteia com o que há de melhor. Sim, Nana Mouskouri irá se apresentar em Porto Alegre no teatro do SESI no próximo dia 17 de Novembro às 20 h. Ingressos pelo site... Abraços....Gelson Rodrigues

As sensações que experimento quando ocorre algo semelhante são formidáveis. E uso este termo por sua abrangência bipolar, uma vez que me maravilho e me estarreço. E me estarreço por ontem. Como conseguimos nós, jovens dos anos sessenta sobreviver sem a internet? Como desenvolvemos nosso conhecimento; testamos nossas habilidades? Onde buscamos respostas? A solução desta equação, acho, está na velocidade das exigências. O mundo de antes era um gigantesco barco a vela, que se movimentava ao sabor do vento, logo nossas respostas não necessitariam ser imediatas, o que nos dava tempo para armazenarmos conhecimento, buscados a conta-gotas. Hoje, entretanto, devemos estar treinados para darmos cavalo-de-pau em submarino. E os recursos estão bem aqui, disponíveis. Se não usarmos, nem emergimos.

Fiquei muito feliz com a mensagem e os motivos são vários. Alguém que não conheço, que mora a quase mil quilômetros de onde eu moro, que tem uma paixão igual a minha, que já é singular, aleatoriamente busca informações na rede, que corresponde a uma volta ao mundo, sobre este objeto de paixão. Encontra mais do que ousara querer, e também um parceiro de mesmo sonho e desalento, uma vez que a esta altura da vida, ver Nana Moskouri cantando ao vivo, só por milagre. E eis o milagre descrito em sua mensagem: ela estará entre nós. Bem ali, à nossa frente, incomparável como sempre e palpável como nunca.

Por fim, este novo amigo, de paixão igual a minha vive na cidade onde nasci e me criei, berço dos meus afetos mais inocentes e permanentes: Uruguaiana.


Não há o que não haja! Pena para a Nana, Gelson, que não saberá de nós. 

terça-feira, 15 de outubro de 2013

O INFERNO SÃO OS OUTROS



Nossa estrada eletrônica tem muitas bifurcações. O computador tem sido o nosso amigo mais permanente, porque está sempre a disposição e serve de interface para amplos e múltiplos bate-papos. Para alguns, um e outro desabafo, e para outros o prazer meio mórbido de dizer a anônimos o que só deveria interessar a si mesmos.

Entretanto, e percebemos pouco isto, trazemos para cá o que somos  na forma mais pura e primitiva, afinal, estamos sozinhos. No meio de uma multidão de pessoas que nos olha pelo que escrevemos, mas sozinhos. Ninguém haverá de se interpor no nosso ritual onanista. Somos o que escrevemos, mas nos vêem da forma que a nossa falta de cuidado de dizer, ou de direcionamento, faz com que sejamos percebidos. E, claro, incrementado pelos humores aleatórios de quem nos lê.

Tenho visto amigos deixarem de sê-lo por terem ideologias políticas diferentes, ou por torcerem por times rivais. Desconsideram a lei da física, onde cada ação pede uma reação contrária, num espaço onde ela é mais cruel: onde ninguém quer  que a sua reação seja apenas igual. Cada um reage de acordo com o tamanho do seu verbo, argumento, criatividade, revolta, deboche, educação ou falta dela.  

E por vezes as amizades estão sendo relegadas a um plano inferior quando se trata de medir a consistência de verdades. Haja elas ou não.  Não importa a educação recebida ou o nivelamento social, o que vale é a “bateção de boca virtual”, desconsiderando o desconforto que causam aos circundantes.

A linha de tempo é democrática. Ampla, geral e irrestrita entre os amigos, entretanto os mais incomodados, via de regra, são os despercebidos que se atingem por contaminações virtuais cruzadas. São catalisadores de indiretas. “A gente xinga uma quenga e o Bataclã inteiro se ofende!”  E quando se trata de emitir juizo de valor, somos imbatíveis, vestais virtuais que somos. E chatos, muito chatos. Nem precisamos mais mandar nossos pares estudarem história ou literatura para equipararem-se a nós. Basta-nos dar a entender o quanto conhecemos do tema em pauta, e eles que se mordam. 

A hora é de reflexão para quem quer refletir, e isto há de exigir recolhimento e esforço concentrado. Como ainda não há um aplicativo chamado “terapia”, ou #Dr. Freud” ou  “#Dr.Jung”, estamos nas mãos do software que desenvolvemos, com muito trabalho ao longo dos anos, que é personalizado e cuja fonte está conosco. Um software muito exposto a vírus, mas indispensável nas relações sociais: o bom senso. Sem ele os sistemas podem não ficar amigáveis.  

Ou será apenas um caso de antropologia social, sobre a qual, por ser muito jovem, os grandes mestres formadores e inspiradores de teses ainda não puderam se debruçar?  

Por fim, temos de decidir o que queremos do Face book: lazer ou ferramenta, lembrando que se o objetivo for ambos, há que termos cuidado redobrado e mantermos sempre a última versão do software acima. Este software traz um aplicativo básico que recomenda que para conteúdos fortes a forma seja suave, já que o oposto é trágico. No entanto, penso que tarda o auto dedo na moleira: não somos a baliza; o modelo assertivo ou Delfos. Nossos amigos não precisam espelhar-se em nós para serem aceitos

Ando meio desencantado com esta rede enfeitiçada, que pra mim que vivo longe de afetos ancestrais é uma catarse. Ando em dúvidas sobre o que quero dela, mas já decidi o que não leio nela.

quarta-feira, 9 de outubro de 2013

O DIA DA BESTA


Texto de 09/10/2013 - com capa editada e atualizada no dia 07/11/2014

Como se dizia antigamente, “sob os auspícios” do governo, conivente e frouxo.

O MST é uma quadrilha organizada. Invade, quebra, queima; os invasores dão-se ao luxo de filmar e comemorar seus feitos a revelia do direito e da ordem, remasterizando ações dos exércitos bárbaros. E dos campos chegaram às cidades.

Voltamos aos tempos dos hunos, onde se toma tudo na mão grande e nada acontece aos responsáveis. Nada pode acontecer, porque onde mora o direito de legislar, mora também o constrangimento por seus próprios delitos. A casa da lei está suja. 

Dia desses recolhi uma frase tão antiga que me assombra por moderna, dita por alguém que entendia muito de tragédia e comédia, Dante: "Lasciate ogna speranza voi che entrate!"  Traduzindo: “Percam todas as esperanças. Estamos todos no inferno. Ainda não me sinto lá, mas as altas temperaturas das ruas têm me feito desconfiar que não é tão somente o desequilíbrio ambiental que produz o calor, e que ele não é espontâneo.

O embrutecimento do homem não deveria fazer parte do ciclo de vida. Por um dia termos acreditado que o Criador nos fez a sua imagem e semelhança, também seria crível que apenas evoluíssemos espiritualmente, e tanto quanto nos permitisse o talento, também materialmente. E aqui me refiro a nações que permitem aos indivíduos progredirem e desfrutarem de seus próprios talentos. Mas há lugares onde o estado confisca também isso e ainda hoje são exaltados. Pelos de longe, claro.

O que vimos recentemente, entretanto, e o que se arma sem o menor pudor, é o retorno ao nosso estágio empírico. Seja pela brutalidade com que estamos matando nossos semelhantes, banalizando a vida e a morte, como pelo total desinteresse aos direitos mínimos de propriedade, e bens sociais. Morremos um pouco enquanto sociedade, sendo assistidos medrosamente pelos poderes constituídos. Nem primatas erectus podemos nos considerar,
    
O povo reaprendeu o caminho das ruas, e retomou sua capacidade de indignação. Este é um direito inalienável. Dizem. Ponto. O que não compreendo é porque se deixam invadir por entidades do mal, bandidos mascarados, que agem pelo mote único da destruição. Estes não consideram sequer a matemática social, cuja equação nos diz que um palácio se reconstrói mais rapidamente que um casebre. Eles colocam tudo na mesma linha de tiro, da foice e do coquetel.

Coibir esta baderna é papel do governo. Existe a Lei de Segurança Nacional para conter essas guerrilhas urbanas. O Estado, porém está quase acéfalo e unicamente preocupado com seus índices de aceitação, e com o que fará nos próximos quatro anos em função disso. Tristemente amparado por inocentes úteis.

Tanto farão; tanto deixarão fazer; tanto haverão de destruir e queimar, que a população silenciosa vai acabar rezando pelo retorno dos cavalos e dos urutus. Depois ouviremos queixas, pedidos de indenização e mais briga pela vontade de ser livre. Ser livre ou vandalizar com a liberdade.


Te cuida, te cuida, te cuida, imperialista! A América Latina vai ser toda socialista

quarta-feira, 2 de outubro de 2013

CASERNA



Prestei serviço militar na cavalaria, em Uruguaiana, quando entre outras facilidades da vida nacional curtíamos o AI-5. Titio Médici ouvia radinho no Maracanã, torcendo pelo seu Fluminense, enquanto algumas “assessorias civis” agiam nos porões, ajudando a maltratar a imagem do velho general.  Mas este é um passado que já deveria ter sido sepultado para o bem do futuro.

Na caserna, sofri os rigores da época, mais por mim do que por ela. Eu era (era?) um pau torto de angico, duro de beiço.   Como passávamos mais tempo confinados do que na rua, quase sempre de prontidão, certa vez pedi aos meus superiores para organizar um jornalzinho mural no alojamento. Algo leve, inocente. A idéia era aliviar as tensões e estimular o humor com recortes do Recruta Zero, a revista, apenas manipulando os diálogos, a fim de ajustá-los ao dia-a-dia da milicada. Com muitas desconfianças fui autorizado, desde que respeitadas hierarquias e seus quetais, também de beiço duro.   

Inicialmente foi um sucesso, e todos aguardavam ansiosamente a renovação do mural para rir e fazer graça. Mas se fazer graça é difícil, manter-se engraçado é muito mais. Requer principalmente inovação, além, claro, de criatividade. Assim... Começou o que foi considerado abusivo. Ora, a revista tinha um personagem chamado coronel Durindana, e no regimento havia um protótipo semelhante. Como resistir a isto? Os diálogos postados no dia eram substituídos durante a noite, e ainda que inocentes, tornavam-se cada vez mais debochados. Enfim, começou a protagonizar os recortes quem estava sendo preservado, viu-se depois que por justificado medo: o sargento Tainha. Eis por que se empastela a imprensa marrom. A gente até pode mexer com quem não pode, mas mexer com quem não deve... Acabou o jornal e o editor foi preso.

Fiquei dois ou três dias recolhido no quartel. No entanto, fizera muitas amizades em função do esporte, onde o nome Portella tinha algum peso, e por que, embora tivesse minhas próprias idéias sobre liberdade de expressão, era inofensivo. Na época, porém, a coisa era mais ou menos assim: “a noite todos os gatos são tigres”. Fui então transferido para o hospital militar, onde cumpri o restante do meu tempo prestando serviços na administração, proibido de me manifestar em grupo por qualquer meio. Sair de vez em quando, de dia, e com hora marcada para retornar.

Prestes a findar meu tempo de caserna, se fez necessário justificar a hospitalização, visto que a minha saúde era perfeita. Aí começou o martírio. O novo médico, alto, corpulento, postura modelito Quasimodo, braços Toni Ramos e sobrancelhas Malu Máder decidiu me operar. Mas de quê? Fui chamado à consulta. Sem me olhar o capitão ordenou “te pela!”. (Não me caguei, mas quase). Ai resolveu me olhar. Olhar assim como quem olha um arbusto. “Fimose”, disse ele. E não adiantaram justificativas e demonstrações de que não tinha. E não tinha mesmo. Mas estava decidido: operariam a fimose. Nunca sem espernear! Não sei quantas vezes pedi que me poupassem; para que me cortassem os dedos (quem precisa de dez? Com nove dá até para ser presidente).

Quando me aplicaram a anestesia raquidiana rezei pela vida de um amigo que nasceu e se criou comigo, destinado a duas das maiores satisfações que um homem pode ter. O cirurgião foi especialmente sinistro. Como tinha um pano à minha frente tolhendo a visão, vi-o falar ao enfermeiro: “pinça”, com a qual pinçava o não sei o quê anestesiado; “bisturi”, com o qual fazia que cortava o mesmo não sei o quê, dizendo suavemente: “o soldado que não respeita a carreira e a Revolução não é homem, e se não é, não precisa disto mesmo...”, e zás (movimento de corte), mostrando a luva ensangüentada. Eu chorava. E ele falava mais: “e se não tem o principal, pra que ficar com estas duas inutilidades penduradas?”. Zás, e mais luva com sangue. Enquanto eu dava uma última choradinha, apaguei. Quando me recobrei acabava a cirurgia, e eu ainda tive um pensamento sobre todos os netos que gostaria de ter dado ao velho Portella, antes de apagar de novo sob o efeito de mais um tsunami químico na veia. Dormi pensando na imprevidência do meu velho querido que me fez seu único carregador do nome.

Acordei um dia depois. Fui recobrando de leve os sentidos. Estava com os pulsos presos e com um enfermeiro enorme do lado. Com o pavor que pode causar um soldado de 55 quilos, ordenei-lhe que me soltasse. Ele riu, claro, e apenas me disse “vai com calma para não te machucar”. Calma o cacete! E era justamente isto que eu precisava verificar, junto com suas adjacências penduradas, ou... O lugar onde se encontravam. Aleluia! Lá estava! Protagonista e coadjuvante, ele todo enfaixado, costurado, dolorido (não sei o que cortaram).



Como Deus é bom! Na época cantava-se “oitenta milhões em ação, pra frente Brasil do meu coração...”.  Como gratidão a essa alegria toda, ajudei bastante nos números seguintes.   

terça-feira, 17 de setembro de 2013

VERSOS SATÂNICOS 100- CELSÃO

CHEGAMOS AO GRANDE DIA...

Ou se decreta o fim da anarquia, 
ou se joga água fria na esperança da maioria, 
que já anda em agonia por causa da velhacaria, 
que causou tamanha sangria no caixa da cidadania;

Companheirada deste Brasil varonil!  
Silenciosos da pátria amada, mãe gentil! 
Que este céu cor de anil deixe de ser tão hostil 
E nos liberte desse covil, 
Que parte do Supremo se fez servil;

Eis que é quarta-feira, 
que já foi de cinzas e do sofá. 
Enquanto eu preparo um chá, 
carqueja, maçanilha ou maracujá, 
Que os da toga rasguem o alvará  
E acabe já - já, 
Com este custoso e nojento blábláblá;

Cadeia urgente para os delinqüentes, 
Que meteram a mão no bolso da gente, 
E se valem do juridiquês indecente, 
Sorrateiramente competente quando se trata dos influentes. 
Ora, Embargos Infringentes... 
Chocaram mais um ovo da serpente!

E vamos continuar vasculhando este menu. 
Há mais caroço neste angu. 
Se precisar, armamos um sururu; 
Se complicar chamamos o urutu. 
Quero ver fazer despacho de Bangu, 
onde a parceria é do peru... 
E as entranhas de suas excelências...  
( mudei por que rima perderia a decência);

O Mensalão não existe, disse o redentor da caatinga, 
cheio de ginga, por certo encharcado de pinga. 
E por onde sua saliva respinga, 
a galera pula, grita e xinga; 
ameaça e faz mandinga, mas depois choraminga. 
Sumiu. Pegou a gringa e não aparece nem em Tabatinga;  

São doze homens e um destino, 
entre eles Zé Dirceu e Genoino. 
Mas se passarmos o pente fino, 
o tal comandante nordestino, 
para muitos paladino, 
para outros cabotino,  
é quem vai abraçar o pepino; 
E afrouxar o intestino

Por fim, que o pessoal do martelo
receba luz no cerebelo, 
nos poupe  deste infausto duelo, 
Chega de canto de quero-quero!  
Que baixem de vez o chinelo 
E atendam o povo verde-amarelo. 


quinta-feira, 12 de setembro de 2013

João amava Teresa ...




... que amava Raimundo que amava Maria que amava Joaquim que amava Lili que não amava ninguém... (Drummond)
                                              
Getulio entregou para o Adolf a mulher do Carlos, que depois subiu com ele no palanque. Leonel vivia dizendo que política é arte de engolir sapos, embora não os engolisse, mas por várias vezes, em nome talvez de potencializar seu direito de crítica, tenha sido forçado a tragar goela abaixo um gordo e barbudo.  Lula demonizava tudo o que o PT não pensava até o momento em que, enfaixado pela República, tornou-se amigo de Sarney, Calheiros e Maluf, o que o torna igualmente portador de severa exclusão moral.

Sabe bacudo, por mais que eu pense e me envolva com essa equação de resultado improvável da política me resta sempre o mesmo irrespondível “x”: Mas afinal para que servem os partidos?  

Como todo cidadão de mínimo sentimento cívico acompanhei a xurumela pluripartidária, e até fiz campanha, estendi faixa e colei decalque em nome de um tal pensamento múltiplo, ou liberdade ideológica, etc. Mas e daí?  No final dá sempre GreNal, FlaFlu, AtleTiba; Chimangos contra Maragatos, União versus Dom Hermeto ou Ferro versus Sá Vianna.  É situação, com todo o seu poder de barganha já que tem a chave do cofre, o recheio das bolsas e a caneta que apaga, contra oposição, composta por idéias vagas, lideranças frouxas e barrados no baile, amparados pelo “jus sperneandi” e eventuais cartas na manga. Estas, em regra mal havidas ou de origem comprometida, posto que são quase sempre sugeridas, quase nunca mostradas, e quando mostradas, desacreditadas.

A turma que ombreava a bandeira do pluripartidarismo é a mesma que quer acabar com ele, mas nisso estamos de acordo. No caso deles, entretanto, é porque já não interessam tantas subsidiárias. Basta que façam acordos de lideranças, pactos de governabilidade com o próprio anjo caído, e ofereçam uma e outra teta disponível, na contrapartida. Caso não haja disponível, basta a tal caneta para criá-la. Vários partidos, por fim, resta provado, só têm servido para contentar os comendadores de ocasião e suas bocas sedentas. E haja gemada com malzbier para encher as tetas, bacudo!

O partido que amava a política que amava o partido e os outros por igual, que a amavam também; que odiavam o partido (mas são hoje parceiros) que ama todo mundo e que não ama ninguém. E ama muito menos a ti, bacudo, mas tu, parece que nem desconfias disto.

Lili vive. É quenga, mas só faz michê ideológico


sábado, 31 de agosto de 2013

EU...CARISTIA





Eu devo ter concluído meu processo de nascimento depois de adulto. Não faz muito. E logo que terminei de nascer fiz o pacto de vida que consagra as relações de amor.  Prometi me amar e respeitar na saúde e na doença, na alegria e na tristeza, na riqueza e na pobreza, até que a morte me divida nas duas partes conhecidas, e me dê o destino final: uma ao pó, de onde dizem que eu vim, e outra ao éter, para onde dizem que eu vou. Não, nunca fui dependente químico, é apenas um formato de olhar as Escrituras.  

Então, amado e respeitado por mim mesmo entendi que não haveria de ter problemas de auto-estima. Mas sabe, nesta pista de combate em que nos inseriram sem pedirem nossa opinião não há moleza.  As vezes vacilamos e as vezes duvidamos daquilo que nos ensinaram a acreditar, até chegarmos a pergunta fatal, estimulada pelo Thomé nosso de cada dia, que está sempre ali, arretando nossos vacilos nos momentos de suspicácia: “mas se o Homem deixou que fizessem aquela  barbaridade com o ungido, o que não deixará que façam comigo?”. Bueno, bueno. Já duvidei no mínimo três vezes e o galo nem precisou se manifestar. Continuo cabo eleitoral do Mano, embora fé seja um dom, e eu não fui agraciado com ela. (do livro Anjos e demônios).

Gente como eu não nasce para ser personagem de folhetins apócrifos. Vivemos de contos complexos; amontoados de loucas histórias. Ou pequenos contos em série, por vezes absurdos e como meros coadjuvantes, mas sempre reais. Os meus, por vezes, são espasmos biográficos que vivo ao acaso, e que pouco pretensiosamente registro com o intuito de dizer a mim mesmo, e continuamente, que não ando pelo vale de sentimentos controversos em vão. Esta gente como eu me defino, é partidária de que o pior do baile não é não ter dançado, mas não ter sido percebido.  

Enfim, gosto de estar vivo seja para clicar no “curtir” a todo o momento este milagre, ou para viver e compartilhar as catástrofes da espreita; seja para amar em completa entrega, ou para lembrar-me de ter passado por cima de amargos desamores. Não importa. E Não tenho medo de morrer, tenho uma espécie de remorso prévio do dia em que isso acontecer. Neste caso, que se tenha cumprido naturalmente a volta dos ponteiros do relógio, preferencialmente com atraso, bem lá adiante, quando as pernas buscarem apoio sem encontrar, e a cabeça tenha perdido todas as suas saudades. Não as perceba nem entre tangos e malbecs.

Mas saiba o Criador desde já, que gente como eu só se vai contrariada. Não saberemos morrer de bom humor.

quarta-feira, 31 de julho de 2013

URUSSAURUS BASKETÓPHILUS

Ao patrono Matheus Saldanha Filho

Explicar o sentimento de amor a terra para um gaúcho é desnecessário. Para alguns outros é impossível. Falar; somente falar, sobre o que ficou num lugar e num tempo para quem esteve lá, no tempo e no lugar é levá-lo de volta, ainda que por instantes.  Se este lugar for Uruguaiana e o tempo, o nosso tempo, a época de cada um, afirmo que uma parte nós permaneceu por lá.

Um pouco sempre fica no partidor. Um pouco de nós ainda assombra a velha casa onde nasceu, arrastando correntes douradas inocentes, do bem, pelo assoalho velho, e traz de lá seus cheiros. Que importância tem se no lugar da casa haja hoje um prédio enorme e moderno? A terra é revirada para que se revigore e cumpra sua missão de transformar, mesmo assim não sai do lugar. Essa parte importante de nós não está nem ai com que o que fizeram sobre as nossas primeiras pegadas. Nada vai tirá-las de lá, por que elas estão tatuadas no universo em seu conjunto, e nas profundezas da memória afetiva.

Uruguaiana é o epicentro de uma geração de apaixonados por uma juventude, que se nega a assumir os efeitos dos seus brancos, caso haja ao menos brancos; suas rugas e modificações de estrutura físicas. Nega sem negar-se.  Voltar a Uruguaiana é ser, por um lapso roubado de tempo, um pouco do que fomos. É como se saíssemos dos álbuns para as calçadas, a fim de corrigirmos as fotos, ai sim com certo lamento, pela brutalidade cronológica do foto shop natural. Afinal, não há paradoxo temporal sem dor.

A nossa "terra santa" é também célula de um grupo de amigos que adotou o basquetebol como início, meio e fim. Por que um dia alguém iniciou lançando a primeira bola; por que depois outro alguém entendeu que este seria um meio de retornar, e por fim, por que neste caso todos os meios o justificam. E o fim será sempre no início para que o ciclo jamais morra. Como o astro rei, que acaba dormindo todas as noites por lá. Não há pretensão nenhuma, portanto, dizer-nos filhos do sol.

Não tentem explicar para quem não nasceu em Uruguaiana em meados do século passado o que significa retornar à base. Para uns é desnecessário, para outros será incompreensível.

Quando entrar setembro e a boa nova andar nos campos... Ou nas quadras...

terça-feira, 30 de julho de 2013

COZINHANDO COM FRANCISCO


Não sou Flamengo, nem tenho uma nega chamada Tereza, mas moro num país tropical, abençoado por Deus e bonito por natureza. (Mas que beleza!).

Chico deve também ter-se agradado de tudo o que viu, e penso eu, as cerimônias ficaram muito bem postas com a moldura da praia de Copacabana.  E assim, o evento que vimos à distância representou adequadamente o maior país católico do mundo, e fez jus ao ilustre visitante. Acho.

De resto, é fácil se apaixonar pelo Brasil e com o Chico não deve ter sido diferente. Somos uma nação multicolorida, clima tropical, gente bonita miscigenada para todos os gostos, sejam mulatófílos ou germanófilos; cristãos e anti, entre outras tantas virtudes default, que inspiraram alguém um dia de nos chamar de florão da América.

O papa encantou a todos.  Tem a cara boa daquilo que nunca poderá ser: avô. Parece ter a firmeza para educar de quem recebeu de Deus uma tarefa divina, de cuja declinou pois abraçou uma causa, para mim anacrônica, que lhe impede: ser pai. Tem a visão social de um líder, mas está restrito as suas jurisdições eclesiásticas, por que em algum momento da nossa história mundial, uns foram para cá, outros para lá. E assim, contrariados e perseguidos resolveram trancar o pé até que a morte os separe. E alguns vão continuar se matando, em nome do Pai, do Filho e do Espírito Santo. 

Espera-se de um líder que ele seja maior que o espaço físico que ocupa. Não me atreveria a medir, por estranho ao ninho, a dimensão do Chico em relação a sua igreja atual. Mas ouso comparar, pelas referências, em relação ao papado. Ele dá mostras de que sobra na função. É um atento cidadão do mundo com olhar periférico e crítico, e de alma social inconformada.   

Além do que veio fazer e que deve ter feito com eficácia, deixou entre nós, inclusive no terreno árido onde a fé agoniza, minifúndio em que me incluo, um rastro de luz, sabedoria, conscientização e humanismo. E fora água a mais no feijão, sal e óleo onde falta, deixou também uma receita para ser feliz. Ingredientes há em abundância, o problema será harmonizá-los, com a enxurrada de diferenças que brotam do nada, por nada, e apenas por que sim. Mas nisto não estamos sós. 

     




segunda-feira, 22 de julho de 2013

ESQUELETOS NO ARMÁRIO



Talvez ainda não tenha se transformado em filme a história do prefeito Celso Daniel, por questões que ficam entre o medo e a cautela, com notas de cumplicidade do meio.
Oliver Stone ou Martin Scorcese não teriam deixado por menos. E talvez, com eles já estivéssemos na sequência, e nela incluída as outras oito mortes que compõe a cena trágica de Santo André. Ou teria virado série. Um House of Cards, versão cabocla do ABC.
Mas caso a ideia surgisse na cabeça de alguns cineastas conhecidos no nosso meio, com apoio da lei Rouanet, teríamos uma obra de ficção, cujo roteiro até já está pronto, basta pegar o inquérito. Na trama, Celso Daniel seria o suspeito número um pelo assassinato dos que morreram depois dele, e ele mesmo teria cometido suicídio com onze tiros, alguns na nuca. Não sem antes ter recorrido ao ritual fundamentalista da autoflagelação. Teria se espancado e retalhado à exaustão.
Dizem que praga de ex-mulher é fogo. Não sei disso, embora seja versado no assunto. E só não sei porque não acredito em praga. Mas se houve nesse caso do Celso, não só foi fogo, como foi bordoada a talhos.
Daniel já estava separado da Mirian Belchior, quando do ato referido. Mas sabe como é, anos e anos juntos e coisa e tal, algum sentimento haveria de ter sobrado. Nada. Mirian consolou-se rapidamente, indo curtir sua pseudo-viuvez, sentada na pasta da Casa Civil, depois no Ministério Planejamento, entre outros mimos de grande projeção e bem  remunerados, com as condolências de seus chefes de partido. Mirian faz o perfil nada-sabe/ nada-viu, capítulo um, versículo único da bíblia petista.
Se foi ou não um cala-te boca e para-te-quieto, penso que nunca saberemos, afinal a “pensão” recebida pela “viúva” não é de se jogar fora e vale como uma delação premiada. Diferentemente de Roseana Moraes Garcia, que estava casada com Antônio da Costa Santos, o Toninho do PT quando este foi fuzilado, um ano antes do Celso e que nunca descansou em busca da justiça.  Mirian continua “nem aí” para as investigações.
Na sombra desse imbróglio todo está… O “Sombra”, Sergio Gomes da Silva.  Para os mais antigos, “O sombra” era uma figura de ficção, criado por  Walter Brown Gibson, na década de 30 e que sobreviveu por décadas após. Foi programa radiofônico, passou para os quadrinhos, filmes séries e o escambau. Seu personagem mascarado era um justiceiro milionário, e por isso mesmo pode ter sido o  inspirador do Batman.  No programa radiofônico, em resposta à terrível questão “Quem sabe o mal que se esconde nos corações humanos?” vinha a resposta: “O Sombra sabe… Pois ele tem o mal em seu próprio coração!” (Wikipedia)
Pois o nosso Sombra é bem conhecido, estando inclusive, preso por corrupção. Esse parece que sabe o mal que se esconde nos corações humanos, e sabe, porque pelo que se viu na reconstituição do crime, ele também parece ter o mal no coração. Afinal, ele é o Sombra, e não deve ter ganhado esse apelido por viver às claras.
Apareceram fatos novos e relevantes, que fizeram o ministro Luiz Fux dar curso às investigações. Os fatos hão de vir em “efeito cachoeira”, falo do Carlinhos. Segundo consta, Carlinhos Cachoeira teria repassado uns pilas a um cumpincha do Zé Dirceu e desse, possivelmente para fulano, beltrano e sicrano, CQD (como queremos demonstrar), como é a praxe.
Fux deu a chave do armário ao MP de São Paulo, que a repassou ao Grupo de Atuação Especial Regional para Repressão ao Crime Organizado (Gaerco/ABC). Com isso, os ossos começam a se juntar e a fazer barulho; correntes arrastam-se nas madrugadas petistas; os dedos poderão ficar trêmulos e nervosos; os gatilhos mais sensíveis. O verbo periga ficar incontrolável e, nesse caso, é bem capaz de haver mais suicídios. Desses, induzidos pelas sombras.

sábado, 11 de maio de 2013

BENÇÃO, SAUDADE





Quero dizer que me lembro de tudo. Herdei uma memória privilegiada e assim como me enche de alegrias e saudades boas, me castiga. E me castiga ao ponto de viver cada momento do nosso último dia, que chego a sentir o cheiro das flores que te acompanhavam. Havia tantas! Não salgam mais os olhos, claro, secaram há muito. Mesmo por que me obriguei cedo a pensar como os que crêem, num novo e melhor lugar que estivesse a tua altura.

Desde sempre, entretanto, me pergunto: onde haveria de ser o melhor lugar para quem ainda não tem trinta anos? Aqui dividindo e multiplicando vidas, espalhando alegrias, chorando mortos ou lá, num tal indefinido melhor lugar? A ausência de respostas, estranhamente, me conforta.

Lembro de tudo, apesar de termos vivido tão pouco tempo juntos. Por isso talvez andem dizendo por ai que a gente vive o tempo suficiente para se tornar inesquecível.

Era um rosto meigo, quase envergonhado, circundado por longos e lisos cabelos e de grandes olhos negros. Quando ria, ria tudo, boca, olhos, enchendo de vincos a pele ainda sem rugas. E seu choro só não era imperceptível por que vez por outra o nariz fungava. E, convenhamos, sem ter completado trinta anos deve ter havido pouquíssimos motivos para chorar, além das coisas comuns às gurias.

Há muito não tenho idade de filho, embora jamais tenha perdido a orfandade. Mas nestes dias tudo parece que foi ontem. Sinto gosto de tortas de bolacha sabor-mãe, cheiro de roupa passada; olhares críticos aos redemoinhos do meu cabelo, fiscalização rigorosa nas unhas e ouvidos, ponta do lápis afinada, borracha limpa e caderno sem orelhas. Tudo acompanhado por melodias indecifráveis, quebradas por sustenidos risonhos.

Lembro de tudo sim. Mais do que o chinelo na mão e o avental todo sujo de ovo.  Do pouco tudo que tivemos, mas que se revigora duas ou três vezes por ano, quando de uma forma ou de outra festejo o fato de estar vivo, e posso me permitir a estes devaneios meio Peter Pan.

A sua benção, saudade.  

domingo, 14 de abril de 2013

RADICAIS LIVRES

Câmara aprova a PEC em segunda votação

Aos dezesseis anos andamos a cata de símbolos que nos indiquem um lugar ou uma rota. Tudo então é viagem. Estações de passagem, cujo destino é um lugar chamado “onde?”.

Aos dezesseis anos, ora estamos de mal, ora de bem, e permanentemente escravizados pelos hormônios.

Quando estamos com dezesseis anos, somos vulneráveis aos ídolos que nos vendem ou os que compramos por familiaridade, ou ainda por similaridade com nosso alter confuso e por vezes deformado.

Podemos tudo; queremos tudo e damos pouco, afinal é época de colher, embora nem tenhamos começado a plantar. Mantemos e potencializamos a energia juvenil e a ela juntamos a força do adulto. Podemos gerar vida ou tirá-la, escolher nosso destino e o destino de um país. Podemos tudo e não devemos nada, a não ser às sacrificadas satisfações domésticas, e algum compromisso que conseguirmos introjetar para o bem do nosso futuro. 

Temos, portanto, aos dezesseis anos, o poder da vida e da morte. O privilégio de brincar de Deus, sem inferir o código da vida, e sem que responsabilidade alguma nos seja imputada.  

Oh, tempos! Oh, costumes! Mudei, mudamos. Hoje, aos dezesseis anos, bombados de porcarias químicas e/ou de ferros academistas, o jovem pode juntar a tudo o que penso ter dito, uma estrutura corporal diferenciada. Mal direcionado psicologicamente pode transformar-se em uma bomba de efeito social devastador.

Ora, se social e politicamente pode definir rumos, porque não responsabilizar-se por seus atos?

O governo fala em ausência de estruturas de ressocialização adequados para receber jovens; fala de inconstitucionalidade na revisão da idade penal e outros bichos, como se desse bola à Carta maior quando não lhe convém, como é o caso de oferecer saúde, educação e segurança ao povo. Fala, só consegue dizer que não quer chocar um nicho eleitoral sempre atento aos chicletes de ouvido recheados de messianismo quixotesco.

Infelizmente, apesar dos tímidos apelos de redes sociais, só enxergo no país dois grupos capazes de mobilização de massas, entretanto ambos comprometidos. Os jovens e os homossexuais. O primeiro não haveria de mobilizar-se para legislar contra si próprio. E o segundo virou casta privilegiada, em permanente busca de blindagem. Só enxerga e luta por interesses que não vão muito alem da própria sexualidade.  

Sou a favor da redução da maioridade penal. Dezesseis anos, com a facilidade de informações de hoje, o jovem é um adulto precoce, mesmo que não queira. 

As idades mudaram. Antes também éramos velhos aos cinquenta. 

terça-feira, 2 de abril de 2013

NO RASTRO DO SOL




Eu nasci onde o sol se põe. Na terra onde os campos não tinham fim e o horizonte sequer me permitia chegar perto. Quando eu cresci, lá onde nasci, havia mais pedra que asfalto, mas muito mais pasto do que pedra

Onde eu nasci o calor queimava no verão, mas e daí? Não haveria de faltar uma sanga, um olho d’água ou um rio onde eu pudesse mergulhar a caixa de sonhos.

O inverno era frio. Mas um frio tão intenso que os cabelos do campo, que antes nos enchiam os pés de rosetas, envelheciam, ficavam grisalhos, duros e úmidos de geada. E quando os pais sentenciavam especulantes “se essa geada levantar com vento...”. Vermelhavam bochechas e narizes, cortavam orelhas. Ai passavam a ter mais graça as brincadeiras a beira do fogão a lenha.

E como era terrível dobrar numa esquina de sentido norte-sul!

Não só lá, mas o mundo impermeabilizou suas ruas de preto, e isto, na contrapartida de fazer com que cada rua vire um rio em tempos de chuvarada deixa a vida melhor para quem não anda mais de carro de boi, carroça, cavalo e bicicleta. Como era, quando e onde eu nasci. Quando fui apanhado pela vida.

Mas por que todos em algum momento precisam apanhar a vida, mudei para onde nasce o sol. Viajamos um dia inteiro na contramão até que fui viver onde ele nasce, e ele foi dormir onde eu nasci. Lá terminei o longo ciclo de me fazer homem. Lá não encontrei mais campos nem pedras. Só asfalto, entretanto, já não havia mais carro de boi, e campos e pedras já não me faziam tanta falta. Cresci, multipliquei e iniciei o lerdo caminho de quem desce a lomba da plenitude. Então elegi para o meu sempre acordar com o sol, nos perdermos durante o dia, mas voltarmos para casa juntos. Como dois irmãos de ofícios diversos e... Tudo bem, de luminosidades quase opostas.  

O “sempre” é um lugar muito distante. Mais ou menos como o horizonte dos campos sem fim de onde eu nasci. Chegar lá não deve ser uma promessa, mas representar uma esperança.
E assim, tendo um dia acordado com cheiro e gosto de destino contrafeito, vi o sol nascer e decidi que era hora de seguir-lhe o rastro. Chegamos juntos onde ele se pôs, e de tanta paz encontrada devo ficar com sono por aqui mesmo.  

A saudade de vê-lo nascer cheio de nervos, no entanto; de vê-lo meio sim, meio não, entre um copo e outro; entre um papo e muitos outros; entre ruídos de carros, risos e sons de cordas, cair cansado na água do grande estuário me enche os pés de asas, e vez por outra me inquieta na contramão do dia. 

sábado, 30 de março de 2013

NÃO VERÁS NENHUM PAÍS COMO ESTE




As vezes me pergunto o por que do patriotismo. Num mundo globalizado, eu poderia muito bem amar a Suíça ou o Canadá. Torceria por eles na Copa, embora não joguem nada; pagaria feliz os seus impostos, na certeza de que não alimentaria amantes de senadores e ladrões de gravata,  ou porque teria a retribuição em serviços. Amaria qualquer país, onde não se comprassem votos pela ilusão efêmera da fome saciada; onde governantes corruptos fossem julgados, presos e que ficassem presos, e não  beneficiados pelo lado da balança perverso e desiquilibrado, que coloca em pratos opostos direito e justiça. Sim: que ao invés de serem indenizados, ressarcissem os cofres públicos.

Amaria qualquer outro país que entendesse o quanto é ampla a palavra “ditadura”. Ampla, sem lado, sem ideologia ou cor. Ela pode ser verde ou vermelha. Pode ter olhos escuros, azuis, ou puxados; cabelo cortado a cadete ou ter longas barbas negras. Mas vivo aqui e amo este lindo país de compreensões distorcidas. De verdades absolutas a mercê de versões convenientes, e de mentiras que passam para a história como na velha propaganda nazista de Joseph Goebbels: "Uma mentira repetida mil vezes torna-se verdade".

Ah, “criança, não verás nenhum país como este...” (Bilac).       

Devo ter dormido por um tempo, não sei quanto, mas sei que antes de adormecer cantávamos hinos e hasteávamos a bandeira derramados de emoção. Como tínhamos orgulho daquilo! Como parecia ser bom o fato de sermos brasileiros!

Ouvia que Brasil não era só o negrinho esperto, de camisa amarela, com número dez às costas e uma coroa na cabeça, e que socava o ar enquanto fazia noventa milhões em ação irem ao nirvana. Também não era só aquele moleque, de igual camisa amarela, com número sete às costas, anjo rebelde de pernas tortas, que se divertia chamando os outros de “joão”. Não, não... O Brasil era muito mais que aquilo. 

E bem mais tarde, cheguei a ouvir que o Brasil se preparava para ser bem mais do que supunha aquele obstinado condutor de tempestades, louco por pódio, aonde chegava quase sempre no final de suas voltinhas autistas pelos autódromos do mundo. Não sem antes fazer tremular o lindo pendão da esperança, símbolo augusto da paz, aos acordes de outro hino que se consagrou aos vitoriosos. 


A mim disseram que Brasil era muito mais do que tudo que isso. Que suas cores representavam riquezas nossas, de todos nós, que suas estrelas significavam lugares abençoados, e que na faixa transversal estava escrito o que deveria ser nosso dogma de fé. Andam querendo trocar os tais dizeres, talvez por não significarem mais nada.

Lamento por este gigante inerte, entranhado de vermes que me causam dores sociais; coletivas, de tal forma absurdas, que o riso transcendeu o choro e ambos esmaeceram. Anularam-se.  A indiferença anda  absolvendo as raivas.

Silencio por essa massa de democracia reposta a custa de muito sofrimento, e que por isto mesmo deveria ser respeitada. Mas não é. Hoje, aquilo pelo que tantos de nós brigamos é de um nada quase tão dolorido, quanto foram os resultados dos riscos que corremos para que pudéssemos ter de volta o direito de falar. O que não sabíamos (e se passou aos mais novos que só sabem o que lhes contaram) é que estávamos a serviço de quem calaria ainda muito mais a nossa boca, e de forma mais sutil. E viemos capitular e capitulados permaneceremos, sob a regência do mais bizarro sistema de governo, único no mundo, o "parlamentarismo judiciário", onde togados biônicos dão as cartas e jogam de mão. 

Uma parte da minha geração passou de inimiga da ditadura a filhote dela. Por mim e por alguns que sei, fica de graça, pois não são as adjetivações que aborrecem. Minimamente perturbam de onde partem, e mais pelo monopólio da verdade na boca de pessoas queridas. Sobrevivemos ao período dos exageros praticados em nome de seus próprios princípios, com baixas de ambos os lados. Foram interdependentes e se retroalimentaram aos limites do ódio por mais de vinte anos. Injustiças houve, como em qualquer revolução; brutalidade também, cada qual ferindo com as armas que possuía. O que não me aconselha, entretanto, a viver dirigindo a vida com o retrovisor maior do que o para-brisa.  

Adormeci, adormecemos. Vez por outra acordo cantando o hino, com aquele sentimento cívico juvenil que não soube passar para os meus filhos, até porque cresceram justamente no tempo em que esse civismo andava na contramão da boa cultura, e jazia politicamente incorreto segundo a classe. Submergi a isso covardemente.

Na visão de hoje, percebo que a mim importa muito mais não ter me tornado um cidadão com restrições cubanas, norte coreanas ou soviéticas, pois nunca consegui aprender a lição de que “em boca fechada não entra mosca”. E paguei caro por isso. Esse valor, entretanto, a manutenção da nacionalidade com suas virtudes e erros, é subtraído de quem nos manteve brasileiros. Classes de pessoas que simplesmente leram e souberam interpretar em suas cartilhas o significado de: “ou manter a pátria livre, ou morrer pelo Brasil". À sociedade civil das épocas litigantes e às força armadas que lhes deram sustentação, e vice-versa, eu agradeço o fato de continuar vestindo o uniforme verde-amarelo e ter, ainda que enxovalhado de mágoas, orgulho disso. 

Enfim, convicto de que não há mais mundo para girondinos e jacobinos, posto que a virtude está no meio (in medio stat virtus)  durmo. Mas se durmo, logo existo e tenho CPF. É o que indeniza o meu sono e o mesmo que contribui com o sucesso dos muito bem acordados. Per omnia secula seculorum.

sexta-feira, 15 de março de 2013

O NOME DOS ANJOS





Meu pai foi um cantor de bar, voz enrouquecida de abusos e intempérie, com duas espingardas azuis em baixo das sobrancelhas.  Viveu sua juventude à custa do charme e da virilidade. Na idade madura, mesmo desgastado, conseguia arrancar mais do que suspiros das antigas namoradas. Seu nome deveria subscrever os convites para os cultos ou missas de domingo: Santo José dos Anjos, apelidado pelas amantes e os amigos, colegas de copo e de cruz de “Santinho”. Um santo de reino pagão. Quando morreu não resisti, coloquei na sua lápide com toda a minha saudade: “santificado seja o Vosso reino”

Há um ditado que diz: Deus cria, o diabo espalha e eles por si se juntam. Santinho encontrou numa de suas tantas noitadas, uma mulher diferente das que costumava vencer pelos olhos ou pelos ouvidos. Uma ruiva de personalidade fortíssima que lhe custou mais do que um encontro, buquês e muitas canções dedicadas. Era uma mulher vivida, sábia, que aceitara o jogo proposto, mas que se sentara a mesa com um coringa escondido. E quanto mais trabalho gerava aquela conquista, mais foco e empenho do velho garanhão. Um dia ela se entregou, ou se deixou entregar. Nesse dia, contava meu pai, se amaram tanto e com tal intensidade que se finaram à míngua. Horas, talvez dias de confinamento. Despercebidos e sem planos, quando sequer sabiam o que seria da manhã seguinte, se houvesse um amanhã, eu começava a minha caminhada em direção a vida. Quem poderá dizer que o período fértil não era o naipe do coringa?

Contam que minha mãe segurou meu pai com grilhões de sedução até a primeira percepção da transformação física. Alguns meses depois, entretanto, ele foi embora a deixando parada, pregada na pedra do porto. Mas ela também era dessas que apequenam o mundo e nem teve tempo de me ninar cantando cantigas de cabaré, embora tivesse (aqui se junta o que o diabo espalhou) o que muitas candidatas a santa gostariam de ver escrito na sua certidão de nascimento, o nome: Agnes de Jesus Purezza. Minha mãe, de quem guardo uma foto, nossa única proximidade desde que me pariu, foi ao mundo cumprir o seu destino. Não sabemos um do outro, mas eu a compreendo, acho. Deve ter tentando construir a sagrada vida em família tendo, desafortunadamente escolhido o santo pelo nome.

Santinho, meu pai, acabou sendo o anjo torto que ressurgiu tão logo eu nasci, impedindo que eu fosse parar na roda dos enjeitados. Me deu nome, origem e depois me entregou a um orfanato cuidado por religiosas. Uma espécie de remissão de pecados via terceiros.

Cresci encomendado para o sacerdócio. Minha infância e adolescência conheceram um único mundo. O mundo de rezas e privações, perfeito na visão dos conformados e genuflexos operários de Deus. A primeira inquietação adolescente veio à luz quando vi um padre benzendo uma noviça. Ele não rezava, apenas gemia e segurava a cabeça da religiosa, ajoelhada à sua frente, num ritual estranho, que em determinado momento tornou-se frenético. Quando quis saber que tipo de benção era aquela, a noviça nada falou. Em vez disso me mostrou o procedimento. E tantas vezes outras quis repetir a tal benção que fui repreendido, castigado, confinado e acabei excluído da ordem. Santinho tinha me deixado algo mais do que origem e nome. Mas enfim, eis o que queriam dizer com “crescei e multiplicai-vos”.

A propósito, meu nome, certamente mais por ironia que por amor é quase uma homilia: Angelo Purezza dos Anjos, ou simplesmente Anjo, como chamam os amigos. Mesmo que corte pela metade, faça conjugações diferentes não tenho saída, o primeiro olhar que recebo é sempre de reverência. Afinal os nomes dizem o que somos. Ou deveriam.




Nota: Algumas expressões da música Menino Jesus, Chico Buarque.   

sábado, 23 de fevereiro de 2013

DA TERRA NASCEM OS HOMENS









Ao herói brasileiro Demétrio Toniolo 

A tarde escorregava. Lenta, saldo de ressaca, e comportada. Havia uma viagem pela frente e estrada requer concentração e juízo.

A figura observadora de conversas era um senhor, sentado a parte, quieto. Sentei do lado e falamos coisas à toa. Variamos pela temperatura, clima e a indefectível violência urbana. Mortes ocorrem a toda hora, de todas as formas e por quaisquer motivos. Nada satisfaz este bicho racional e incompreensível que não mata apenas para comer. Daí até a guerra entre nações nem precisou interface específico.

O pracinha Demétrio Toniolo tinha estado na Itália, em 1945, lutando pelos aliados contra o Eixo, na tomada de Monte Castelo. E lutara contra seus ancestrais italianos, mas isto pouco contava porque afinal, quem vai ao fronte vai para causas bem definidas, e no mais fundo do íntimo, vai com esperanças de poder voltar. Lá, mata ou morre. Com a cruel especificidade de que no campo de batalha só estarão inocentes guerreiros compulsórios.

Lembrava com detalhes seus meses de privações, onde a única saída para vencer o medo era não ter medo. Demorou uma vida inteira para limpar dos tímpanos os zumbidos de bala, matraquear de metralhadoras, canhões e minas. Por muito tempo viu sangue em lugar de poças d’água; ouvia gritos em vários idiomas. 

Saíram daqui meninos, e ficaram marcados para o resto da vida, física e moralmente, pelo convescote sangrento com os Quatro Cavaleiros do Apocalipse.

Entre tantos fatos impressionantes de suas lembranças, ele recordou um colega de farda, companheiro de primeira hora, que embarcara junto no Porto de Santos, com o qual permanecera irmanado a jornada inteira, e que junto retornou ouvindo os vivas da vitória. Não só pela amizade formada, mas por um detalhe peculiar: Enquanto a "cobra fumava", o amigo resolvera registrar em um diário todo o processo que passaram. E como era poeta, registrou em versos.

Na conjunção impensada entre a brutalidade da guerra e o lirismo, ficou o relato de um poeta; de um momento inesquecível para o bem e para o mal da humanidade.

É uma figura e tanto, seu Toniolo. Um veterano de guerra, que traz no espírito a paz que foi buscar. Um documento vivo da história; Um herói brasileiro, que só não é anônimo porque onde mora, a cada semana da pátria é reverenciado. Mas a república não o visita vez por outra para perguntar sobre eventuais sequelas, do tempo em que arriscou a vida para que pudéssemos continuar respirando os ares da liberdade.


(*)Dia 02 de maio, dia do Ex-combatente