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quarta-feira, 11 de abril de 2012

A PRIMEIRA NOITE DE UM HOMEM


Do livro: Castelo de guardanapos

Chamavam-no Cacho. Dito assim: Catcho Gonçalez. Não era nome, era apelido, o nome ninguém sabia, nem a origem. Era um tipo e tanto. Eternamente de linho branco, sapato duas cores, anel de rubi no mingo, cabelos abotoados atrás, e um topete seguro com cinqüenta gramas de Glostora.  Acho que nunca vira o sol. Suas únicas luzes admitidas eram nessa ordem: a vermelha, a da lua e a do seu isqueiro Zipp, de estimação, dado por uma prostituta, nunca lembrava qual. Reinava soberano na Uruguaiana antiga, do Ivo às Cabritas, circuito em que era disputado a tapas pelas frequentadoras. 


Quando o conheci já estava veterano. A idade ninguém sabia, nem o que usava nos cabelos para mantê-los pretos. O certo é que, diziam, não era mais o mesmo, apesar de continuar sendo o xodó das mariposas. Parecia manter total energia, mas tantas noites insones e várias gonorreias depois, não haveria de ter saúde para grandes extravagâncias. 


Cacho sempre tinha uma palavra de incentivo aos novos grumetes da noite. Gostava de ser abordado e perguntado sobre sua vida e experiências. Contava que mulher nenhuma o abandonara, ao contrário, tinha orgulho de proceder as trocas, às vezes várias e na mesma noite, deixando para trás um rastro de corações despedaçados. Contava histórias, ensinava truques que iam desde comportamentos sexuais pouco ortodoxos, até olhares que tinham o poder mortífero de levar à sarjeta os mais rígidos pudores. Era, portanto, o alter de todos nós, iniciantes da indormida arte da sedução.

Guardo dele uma passagem. Tínhamos um amigo com pequenos distúrbios mentais. Nada que o impedisse de socializar-se. Achávamos, porém, que aos dezessete anos já estava mais do que na hora de apresentar-lhe os prazeres da carne. Segundo desconfiávamos, e vimos  comprovar, era totalmente virgem, nem pelos na mão tinha. Seu apelido era Jiboia, não sabíamos se pela volúpia com que se atirava à mesa ou por algum recurso físico ainda não explorado. 


Conversamos com Cacho que de pronto se propôs a auxiliar. Falaria com uma de suas parceiras, explicaria a situação e indenizaria o seu horário. Pediria, entretanto, que fosse paciente, pois estaria iniciando alguém que mais tarde poderia vir a ser um cliente eternamente agradecido. Para ela teria ficado tudo bem. De certo há muito não conseguia a chance de agradar o rufião. Difícil, no entanto, foi convencer o Jiboia. Até a família envolvemos, mas claro que somente o pai, que patrocinaria o evento. 


Conseguimos. Sábado, com o personagem devidamente banhado e perfumado, fomos todos ao encontro do Cacho, solidários. Nosso amigo iniciante tremia, não falava, não sentava, apenas salivava.  Cacho havia tomado o máximo de cuidado na escolha da parceira. Escolhera a mais antiga, daquelas que têm todo o tempo do mundo em função da falta de mercado. Ela chegou ao salão rebocadíssima, como mandava o figurino ambiental, e apresentamos nosso amigo. Cacho era bom camarada, tranquilizara o estreante de que estaria logo ali, atrás da porta, a fim de ajudá-lo em qualquer problema que tivesse. Mas era também desprovido de escrúpulos. Providenciara para que estivéssemos todos no quarto ao lado, de onde poderíamos assistir e ouvir os acontecimentos, em função de algumas aberturas estratégicas. 


O casal entrou, a mulher fechou a porta e o Jiboia grudou-se de pé na parede, de costas, imóvel. Não saia de jeito nenhum. A veterana parceira, conhecedora de todas as manhas, começou então a trabalhar. Esfrega daqui, enfia a mão acolá, depois de vencer as já combalidas resistências, abriu os botões da calça do rapaz. O que saiu de lá, justificava o apelido. Descobrimos então porque se chamava Jiboia. Dali para frente tudo se tornou mais fácil, uma vez que começava a se manifestar o instinto básico adormecido, no seu formato mais animal. Estava sendo uma farra. Subitamente o parceiro, corcoveando freneticamente e em pânico, começou a gritar:  "Ai, ai, ai Catcho, filho da puta, vem cá que tá me dando uma coisa!" Não lembro, mas deve ter sido ao redor de cinco minutos de gritaria, de ambas as partes.Satisfeitos, nos reencontramos no salão. 


Jiboia não cabia em si de contentamento e a todo o momento perguntava a que horas estava marcado o encontro para o dia seguinte. Passou a olhar a vida diferente, muito diferente, e tanto retornou ao útero, muito e amiúde, numa espécie chula de regressão, que corrigiu em definitivo seu distúrbio. Talvez nem fosse só mental, mas uma conexão naturalmente improvável entre hipófise e próstata, com realimentação direta. E a veterana parceira, que prometera recebê-lo a qualquer hora, sem ônus, foi trocada por carnes mais novas e enxutas.

E os holofotes vermelhos mudaram de foco, e o mito Cacho, dito assim: Catcho Gonçalez foi engolido pela jiboia que terminara de criar.      

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