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quarta-feira, 25 de abril de 2012

ROSEBUD


Do livro Castelo de guardanapos 
Era o nosso último ano de ginásio, passar era a missão precípua. Era também um tempo, uma idade e várias circunstâncias que se sobrepunham, e se tornava imprescindível deixá-lo marcado para sempre. Passamos o ano inteiro juntando dinheiro. Fazíamos shows, almoços, jantares. Estava decidido que iríamos a Montevidéu, onde ficaríamos no mínimo uma semana.

Esse preâmbulo tem somente uma justificativa: um cinema. 


Para quem migrava do Avenida para o Corbacho ou onde pudéssemos assistir o Búfalo Bill dar um pau no Cavalo Doido em CinemaScope e Technicolor, trocava alguns gibis na frente do Carlos Gomes e tratava de entrar antes que o Nego Duda e séquito chegasse para arrebanhar o saldo, era um luxo supremo. Tela gigantesca, com direito a óculos tridimensionais. O que assistimos não interessa, mas me marcou tanto que guardei o título: Vacaciones en Rússia. Dá para imaginar que maravilha seriam umas férias na Rússia? E antes do Gorbachev? Já gostava, mas ali foi o marco definitivo da minha paixão pelo cinema.

De tantos filmes que vi e gostei guardei detalhes. Alguns vi a exaustão, como E o vento levou, Casablanca e Gilda. Apaixonei-me por atrizes. Tive um caso muito mal resolvido com Suzzane Pleschette, achava que tínhamos tudo para dar certo. Ela preferiu o Troy Donahue e sua carreira não decolou. Em compensação, mais tarde eu a troquei pela Michelle Pfeiffer. Amei e odiei Rita Hayworth, ou a Gilda, porque sempre me fazia de bobo, fosse qual fosse o personagem masculino com quem contracenava, ao qual eu me incorporava. Ademais, bebia e fumava o tempo inteiro, um nojo! 


Morri com El Cid Charlton Heston e, solidário, me deixei amarrar no cavalo para lutar contra os mouros, deixando a Sophia no auge da beleza chupando o dedo. Briguei, reatei, tornei a brigar e a reatar inúmeros casamentos com Liz Taylor, mais por seus olhos violeta do que pelo seu talento, que também tinha. Devo também ter sido amante da Marilyn, embora não tenha uma foto dela saindo de um enorme pacote de presente no meu aniversário, um bilhetinho enigmático qualquer ou  uma camisa manchada pelo seu batom. Mas também não puderam me acusar de nada quando ela morreu.  

Teve uma época que eu curtia La belle de jour. Passava as tardes com a Catherine, no cinema ou no banheiro. Também pude, aprendendo com o  Marlon Brando, entender que nem só de pão vive a manteiga. Serve igualmente para untar. 

Tive ídolos masculinos, porque não, como Robert Redford. Queria ter sido igual a ele, mas não o incorporei em Entre dois amores, questão de gosto pessoal, nem gastaria um milhão de dólares, caso tivesse, pela Demi Moore. Antes dele achava o Rock Hudson um boa pinta. Algo, no entanto, me dizia que aquele não era um padrão masculino a ser seguido. Aí está!  Não era mesmo. E dizer que eu estive na pele dele, sujo de petróleo, lutando contra o James Dean pelo amor da Liz! 

Também não entendia como um sujeito baixinho, feio e mal-humorado como Humphrey Bogart sempre se dava bem, despertando paixões. Coisas do cinema, onde os sonhos são possíveis e podemos viajar um pouco vestindo outras roupas ou ver o queixo despencar, sem parecer ridículo, ante uma cruzada de pernas da Sharon Stone, liberando o instinto para que ele cumpra o seu papel. Selvagem, ainda que sozinho.

Tenho um amigo que quando se deprime assiste Muito além do jardim, com o Peter Sellers. É muito intenso, e deixa à mostra toda a genialidade do ator. Eu, nestas horas opto por Patch Adams e fico tentando enxergar além dos quatro dedos.

Hoje não me sentiria à vontade em me transportar para a tela e bicotar os lábios da Angelina Jolie ou amassar a Nikole Kidmann. Ficaria feio, têm idades de filhas, Quanto as minhas musas contemporâneas, umas tiveram o juízo de morrerem jovens e belas, outras esticaram tanto a pele que parecem japonesas. As que resolveram assumir os desenhos do tempo ficariam muito bem no papel de vovozinha, cujo papel de lobo, respeitosamente declino. Pensaria duas vezes, entretanto, caso colocassem a Suzzane Pleschette na história. Um resgate, talvez.

Rosebud é o quarto mistério da Santíssima, ou um outro enigma da Esfinge. Tentar dar-lhe um significado é declarar amor ao cinema. Kane, o cidadão, moribundo, talvez soubesse o que queria dizer, mas quem garante? Como ficou consagrado que significaria qualquer coisa ou até coisa nenhuma, e a mim parece um nome bonito e sonoro, dei-o a um cachorro ovelheiro de grande estima, que por sinal desapareceu misteriosamente para os lados da antiga carreteira de Uruguaiana, nunca mais sendo encontrado. É estranho chamar um cão de  Rosebud, mas  me parece mais chique do que Dois-contigo. Em casa quando falo rosebud, seja para brincar ou para xingar um juiz, ninguém mais diz nada, apenas meu filho pede “sem cebola”.

Rosebud ... prometo ficar calado quando me preparar para dançar ao som da orquestra do Titanic.

Um comentário:

Anônimo disse...

Às vezes,sou tentada a avaliar teus textos na condição de professora de Português.Imediatamente,desisto...Quem sou eu? Tuas descrições são perfeitas.Lembram-me de Érico Veríssimo,nosso grande conterrâneo,um dos meus escritores favoritos,e meu DESCRITOR nota máxima.E,tu, como descreves bem!Tua descrição pinta cenas com palavras e com humor gostosíssimo.Queria ser assim quando crescesse! Ah,queria...(Ana Maria Garcia de Figueiredo)