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segunda-feira, 12 de maio de 2014

CONTROLE DA MOTRICIDADE SOMÁTICA




(Os movimentos podem ser voluntários ou involuntários. O motor neurônio leva informação para os movimentos voluntários, equilibrados, associados, que mantêm o tônus muscular e a referência postural)

O córtex está na camada externa do cérebro dos vertebrados, rico em neurônios, e local dos processamentos mais sofisticados. É uma pequena peça cerebral de massa cinzenta, mas que desempenha o papel central e complexo, como atenção, consciência, linguagem, percepção e pensamento. Possui importantes funções cognitivas, essencial para a formulação de planos de ação dirigidos e metas projetadas, bem como supervisão e controle. Também é importante para a regulação das emoções e instruções simbólicas e verbais.

Todos nós sabemos onde fica a cabeça na estrutura bizarra de um time de futebol. O setor pensante. Digamos que na segunda linha do meio de campo fica o cérebro da equipe. Sendo assim podemos dizer que um dos meias-armadores deva ser o córtex, o de papel central e de funções que envolvem planejamento, comando e ações. Ali deve se situar o pensamento treinado. A memória do que foi visto, ensaiado, com amplo espaço para improvisações. Antigamente se dizia do jogador-termômetro que em determinado momento botava o pé sobre a bola, olhava para os lados como se olhasse de cima, com desdém pelo baixo clero.   

Por ali circulam os gênios que levam as tais informações para os movimentos voluntários e ordenados, e os exemplos mais antigos são fartos. Diferentemente do que dispomos hoje.

No Brasil, o melhor meia-armador que conheço é argentino. Ninguém joga mais do que D’Alessandro, do Internacional de Porto Alegre, incrivelmente esnobado pela seleção do seu país. Mas será que a Argentina produz tantos armadores assim, a ponto de abrir mão de um jogador que seria titular absoluto da seleção brasileira? Pior; produz. E eis que aqui reside um dos nossos descaminhos. Eis porque não somos mais o que éramos.

Na terra onde brotavam as mancheias talentosos meio-campistas, morremos hoje nas mãos, ou pés, de medianos, não mais que isso, ou adaptações de sistemas que compensem essa carência.  

De resto, e sem trocadilho infame, sinto pena por Ganso. Teria muitas das ferramentas necessárias para assumir a camisa 10 que escolhesse. Teria, caso tivesse outros fatores indispensáveis para compor a mecânica do córtex: personalidade, profissionalismo e liderança.

E sinto pena por nós, duzentos milhões em ação, tendo o D’Alessandro à mão, e que logo ali vai abandonar os gramados, sermos órfãos de córtex. 

Fora isso, D'Alessandro além de craque, é um cidadão que faz muito bem a Porto Alegre com sua obra social. É um  cidadão que merece toda consideração e respeito.

sexta-feira, 2 de maio de 2014

CINCO DIAS DE MAIO


                                      Escrito dia 07/05/1994 – publicado no Jornal O Investidor 

Pego o senhor Igor Portela, meu filho, no colo, banhado, cheirando a Johnson e penso no distante dia em que me obrigarei a dizer: “vai filho, vai ser um Senna ou um Quintana na vida. Seja feliz cercando-se de carinho. Viva intensamente, como o primeiro, porém não tenha tanta pressa, e seja longevo como o segundo. Sobretudo não passe em vão”.

Impossível não falar a respeito. O marketing da morte grassou soberbo sobre por esta primeira semana de maio, amargurando o peito frágil do florão da América, fazendo com que, se eu jamais tivesse percebido, descobrisse o quanto as lágrimas são salgadas, e as amargas, ainda muito mais.

Toda a emoção que se derramou olhos à fora pelo Ayrton trouxe à luz que além da vida, a morte também pode ser invejada. Das definições tantas que ouvi sobre sua partida, guardo uma: “a dor é tamanha, porque perdemos um brasileiro que deu certo, conquistou o mundo e se chamava Silva”. Não sei quem disse isso.

E de quebra perdemos o nosso Mario Quintana, deixando Alegrete órfão de seu último expoente cultural. Dele sabemos pouco, o que é quase tudo.  Sabemos que amou Porto Alegre tanto quanto amou Greta Garbo; que foi sempre poeta, e porque poeta deve ser curtido em dores sempre se fez sozinho; que expôs a verdadeira cara da Academia Brasileira de Letras, onde foi recusado, mas se fosse aceito teria de dividir o chazinho da tarde com José “Marimbondos de Fogo” Sarney. E está claro que os dois não podem frequentar a mesma classe.

Dele sabemos que foi boêmio e por isso esperto. Tão esperto que, dando-se conta da enorme distância entre o céu e a terra, apressou-se em pegar carona com o Senna. Pista limpa, sem ondulações, curvas, ou retardatários, logo-logo estarão lá.

Acelera, Ayrton, que o Mario viaja quieto. Só fuma e dorme.

Mãe, aproveito a passagem do teu dia para subscrever um pedaço do coração. Mando no lugar de flores essas duas jóias, que são das melhores coisas que tínhamos por aqui. Espero que goste.

Recomende-os ao Velho.


sábado, 1 de fevereiro de 2014

AGORA, JOSÉ?


Agora, José? A festa iniciou, a luz acendeu, a noite esquentou, o povo reuniu!...

Mas agora, José? Você que tem nome, assina coluna, que teve tempo de sobra para protestar e nada fez. Se você gritasse; se você gemesse; se você tocasse quando dava tempo, vá lá. Mas agora, José? Agora já era.

Gritar contra a Copa do Mundo agora é tarde. O dinheiro já foi gasto, e o que não foi, está comprometido.  Não tem control Z. A grana dos estádios não reverterá para hospitais ou escolas. Já não está mais nas mãos do governo. E o que fazer com o que já foi gasto? E os contratos?

Leio e ouço a posição de setores da imprensa contra o evento. Justo é. Apenas tardio. E por que não dizer, oportunista. Reverberam a gritaria da massa, com o mesmo objetivo dos partidos políticos que desfraldam  suas bandeiras nas manifestações de rua. E não leio nem ouço dessas partes, alternativas do que fazer para ressarcir o dinheiro investido. 
    
A hora de gritar contra era lá, em 2007, quando o Brasil lutou pelo direito de sediar a Copa de 2014. A gritaria que me lembro da época era de festa; de vivas ao Brasil e ao magnânimo e arrojado presidente de então pela conquista histórica (... quase nunca na história deste país...”). Ou que os contrários continuassem esperneando quando das licitações; ou ainda no início das obras. Saíssem às ruas, pintassem a cara, levassem bandeiras, invadissem o Planalto.

Mas agora, José? Sem cavalo preto que fuja a galope, você marcha, José!

José, para onde?

(Perdão, Carlos Drummond de Andrade!) 

segunda-feira, 30 de dezembro de 2013

FELIZ ANO NOVO!




Ainda dá. Tem pouco tempo, mas posso receber uma boa notícia; ser surpreendido; podes ainda fazer algo para melhorar a tua performance... Melhor não. Deixa assim, amigo Doismiletreze. Sem surpresas de última hora.  Vá que resolvas te superar.

Este não haveria de ser um ano para festejos, mas por que está no fim e eu estou vivo; vivíssimo, e com mais saúde que o anterior, por que não comemorar? Não foi fácil manter a pressão doze por sete, a cintura abaixo de cem e IMC de vinte e poucos. Do resto não falo por que faz tempo que não vejo, mas respiro que é uma beleza. O coração bate normal, apesar  dos esquemas táticos do Grêmio. Ademais está guardado por mãos firmes e lindas.

Vou festejar sim. Vou comer e beber a tua partida, meu caro Doismiletreze, nem que prejudique os números acima e acrescente a eles mais dois furos no cinto. Esperando, claro, que não tenhas deixado o modelo a ser seguido pelo próximo.  E um recado ao Papai do Céu: Que não se repita! (Humildemente peço: “por favor”)      

E por que sei que para muitos amigos foi um ano glorioso, acabo por sepultar também o meu egoísmo. Já é uma alegria muito grande sabê-los felizes e ao alcance das minhas teclas.

2014 está no partidor aguardando o “se vieram!” Tenho esperanças, as que sempre tive, que vez por outra tentam me abandonar. Mas, amigos, a caixa de Pandora está comigo, e como vivo na terra das gralhas, ela está bem protegida.

A todos, meu abraço, meu carinho, e desejos de que a felicidade  se realimente em cada momento futuro, ou que esteja apenas começando no ano que vem.

Que possamos fazer tudo para que 2014 jamais seja esquecido!




quinta-feira, 26 de dezembro de 2013

UM DEDINHO DE PROSA OU DE VIDA.


Um dedinho de prosa com meus contemporâneos. Não estamos acostumados, claro, nascemos com estrutura “out”, e falo da quase absoluta maioria dos amigos que tenho (não vou explicar o “quase” por que tenho alguns amigos que apenas não se garantem por que não querem se garantir). Mas neste momento isto é absolutamente irrelevante.

Cinqüenta anos. Quem chegou lá; quem passou por lá e ainda não fez exame de toque retal, ou está na hora ou passando dela. Não há saída, e mais hoje, menos hoje, todos nós vamos ter de nos posicionarmos a lá Napoleão e esperarmos alguns instantes pelo golpe mortal no nosso machismo imbecil. Trata-se de salvar a vida; trata-se, antes disto, de encaminharmos uma velhice mais saudável, com dores apenas do tempo, controladas e... Micções fluentes. Este é um dos prazeres humanos quase nunca relatado.  

As mulheres vivem nos dizendo: “deixem de ser frescos, nós fazemos isto com muita freqüência”. Entretanto elas estão mais acostumadas, tem plataforma “in” e por isso não servem como referência. Para nós é, sim, uma violência. Mas que diabos, violência é também arrancar um dente, circuncisão ou operação de fimose, cortar os cabelos e a barba. E nem vamos falar sobre outros procedimentos traumáticos ou mais invasivos. Ainda assim enfrentamos.

Não deveria ser tão difícil convencer o homem que o constrangimento é nada, comparativamente às dores e sofrimentos físicos e espirituais, próprios e circundantes. É, portanto, tarefa de cada um de nós, via mídia, marketing de rede, megafone ou “voz do poste” multiplicar o controle desta doença maldita. Cabe a cada um de nós, mais esclarecidos e/ou mais homens.

Copiando minha mulher: “Deixem de ser frescos!” 

quarta-feira, 11 de dezembro de 2013

TER ESPERANÇAS, COMO O'HARA


O calendário me informa que hoje é o dia da Graça de 11.12.13, e gisa o fato de que esta data nunca mais acontecerá. Não nesta sequência. Óbvio, uma vez que não repetiremos mais 2013, e eu emendo: Graças a Deus!.

Pois vá, 2013. Vá que outros tantos já foram e a estas alturas da vida não sei quantos outros ainda poderão vir para irem-se. Logo ali você será uma lembrança vaga que não rodará no VT do melhor das minhas saudades. Vou lhe colocar as culpas dos meus atropelos. Um pouco por humano, outro pouco por covarde. Não posso assumir tudo sozinho. Paciência. Alguém que não me cobre depois deve ser sacrificado.

Vá, 2013. Vá que o outro está mordendo o freio de ansiedade, e se bobear lhe atropela, e eu estarei batendo palmas para isso, um pouco por sádico; um pouco por redimido. Bom pensar que 2014 interfira por mim. Você, 2013 haverá de perceber no espocar dos fogos e vivas ao novo rebento, um pouco das minhas vaias. Assim, sepulto contigo os dissabores sem riscos. Tempo não ressuscita, portanto, sem essa de pagar depois em nova vida que começa, dizem, três dias depois. Você não terá esta chance.

Há uma camada de fel que deve ser removida e estou fazendo agora. Vivo com tanta ansiedade e pressa, justamente por me saber além do meio da quadra para a última esquina, que escorraço as mazelas do jeito e forma que sei, e faço isso no final do ano, quando este, em espasmos, bate em retirada já sem munição. Mas não dá para facilitar.

Bom de lembrar Scarlett O"Hara no auge da depressão: “apesar de tudo, amanhã é um novo dia” (...E o vento levou). Pois então, quando uma paleta de neonato Texel estiver choramingando lágrimas de gordura nas brasas do purgatório caprichadamente produzido, pendurada lá no alto, até que descole os ossos, estarei brindando a chegado do novo. Nunca mais 2013! E nem que chova, vou sair e olhar o céu. Lá estará, por certo, a mesa posta pelo Altíssimo Confrade: uma toalha azul-marinho salpicada de diamantes, um prato branco da mais fina porcelana, com relevos discretos (ouvi dizer quando criança que se tratava de uma foto do amigo Jorge dando um pau no dragão). E nesse único prato servido para todos os comensais de fé, descansará o cordeiro por brevíssimos momentos, depois virão outros bichos inocentes do presépio que não escavem para trás, e que não matam nada além da nossa gula. E a lentilha! Ah, essa mentirosa.   


Que nos seja leve o 2014. Que revitalize as esperanças, aproxime as gentes e multiplique os afetos. Que continuemos produzindo coisas que nos tornem inesquecíveis para alguns, e que haja muitos momentos bons de serem guardados. Que a nossa usina de vontades continue juvenil, superando as contrariedades das pernas, dos braços e dos ai-ai-ais do resto da estrutura. E que, por fim, não haja vazios.  

FAZENDA TARA. CENÁRIO DE ...E O VENTO LEVOU


terça-feira, 10 de dezembro de 2013

SOBRE CHEIRO E LÁGRIMAS ARDIDAS



Vão-se as cascas da cebola num strip-tease ardido e fedorento: Dirceu, Delúbio, Genoino, como outras já tinham ido, não ao mesmo tempo e não para o mesmo lugar. A polpa está à mostra e está mais do que na hora de picá-la.

Lula, a polpa da cebola, induzido ou patrocinado, junto com seus companheiros criou um partido. Firmes na convicção de que os fins justificam os meios, não mediram conseqüências em atingirem seus objetivos. Pelo raquitismo ideológico vigente e carência de lideranças, chegaram lá; abocanharam o osso. Operacionalizaram então um monstrengo com nome e sobrenome, que haveria de ser fatal para a concorrência: o assistencialismo populista.

O passado, entretanto, um dia cobraria seu preço. Agora cabe uma pergunta: é crível que se os parceiros de jornada, de mesmos ideais e lutas, que trabalharam duro e juntos para consolidar a mais organizada rede de influências, quiçá do mundo, estejam com o rabo sujo e somente o dele esteja limpo? Tem um brasilzão por aí que acredita e dá fé. (Mas por esses, também o coelhinho da Páscoa põe ovos de chocolate meio amargo e sem glúten, e eu não deixo barato: corro já para casa porque a Angelina Jolie ficou de chegar mais cedo).

O desencanto de uma boa parte da população se dá na razão direta daquilo que Lula, o “neo-timoneiro”, pregava e prega como moral e ética. Sua retórica atravessada de discurso cuspido, semeador de novos sonhos, num resumo simples, apenas germinou idéias antigas e processos políticos recheados de doenças administrativas, já em metástase.

Pelé, o rei de majestosa inocência, disse uma vez para o espanto e indignação da elite cultural engajada que o brasileiro não sabia votar. Eu não vou dizer isso porque corro dois riscos, para os quais não me sinto preparado: tornar-me rei ou ser chamado de ignorante. Mas dá vontade, ao perceber que o ronco da barriga continua fazendo a trilha sonora que unge essa confraria bizarra, que tem como ícone um poste iluminado pelo messias das caatingas, de passado cada vez mais curioso. E um presente inquietante.  

As cascas da cebola continuam caindo, a polpa está à mostra e a gente vacila no momento de cortar. Sem ela ficará incompleto nosso molho básico, ainda que venha a servir tão-somente para a nossa tradicional pizza a moda da casa. Resta saber se não cortam por medo de chorar ou por que não querem ficar fedendo.

Mas vai feder do mesmo jeito.


sexta-feira, 29 de novembro de 2013

PTHIRUS RANSUS


Eu sou um chato. Convicto, juramentado e praticante. E a estas alturas da vida me resta tratar de amenizar impactos que eu possa produzir, driblar desconfortos causados por uma e outra palavra ou gesto, e tratar de segurar os tesouros que são os meus afetos restantes, sobreviventes ou teimosos. Acima de tudo, mais do que me aturarem, gostam de mim. Afinal, tem gosto para tudo.

Sou o tipo de chato que concomitante ao bom dia deveria pedir desculpas. Me desculpar pelo que poderei fazer no largo do dia. É sem intenção, ou quase isso. Uma espécie de legitima defesa putativa.

Chatice é um estilo de vida, contrário senso, para evitar que esta seja muito chata. Um chato social é um ser interativo, que alguns lêem ou ouvem apenas para ficar com raiva. Um chato que passa despercebido não é um bom chato, mas atenção: não ser percebido não é não receber retornos. As vezes as respostas não vêm por que os eventuais incomodados sabem que "não vai ficar por isso mesmo”.

Mas se tenho esta convicção o correto seria contar carneiros, respirar fundo, olhar ao largo, e outros tarja - pretas comportamentais naturais. Sim, esse seria o correto, entretanto esse não seria eu, e no ato contínuo morreria engasgado pela bili do sarcasmo. Seria uma violência e eu sou da paz. Chato, mas da paz.

Me conforta o fato concluso de que para ser esse chato social ativo requer certo talento e humor. Há que saber o que dizer, a quem chatear, escolher momentos sensíveis e estar preparado para réplicas, tréplicas e também exclusões de listas de amigos

Eu sou, portanto, confessadamente um chato. Há quem seja e não diz. E há uma categoria acima destes: quem não se acha. Mas toda esta confissão de culpa tem um sentido: nem todo chato é rançoso.

O ranço é algo terrível. Tem um poder inimaginável. Ele é superior as inteligências; transpõe quaisquer prioridades; é obsessivo-destrutivo. Por ele perdem-se amigos, causas, projetos... Seu programa de qualidade estabelece como missão “a contrariedade”, como valor “o que eu acho”, e como lema o “não”. Não escolhe motivos nem o tamanho deles e se manifesta, as vezes apenas pelo beiço. Sim, o beicinho. Agora imaginem o chato rançoso.

Faça o auto-exame. Apalpe-se, toque-se. A qualquer sinal de Pthirus ransus procure ajuda. Isso pega, e o portador pode ser afetado até pelo antídoto.


sábado, 23 de novembro de 2013

MALANDRO SEM SORTE



Lendas "sharpeanas" 6

Estávamos em Curitiba. O motivo era um seminário de reciclagem para a equipe comercial, com previsão de uma semana. Delegações de todo país se fariam presentes.

Entre nós um colega em especial, muito conhecido pela fama de conquistador. Sem barreiras, mínimos escrúpulos, e não muito exigente. “Caiu na rede é peixe”, embora fosse um homem de boa aparência, permanentemente bem vestido e perfumado.

Na primeira noite, recomendados pelo gerente do hotel fomos jantar e "tirar o avião do corpo" numa casa de espetáculos. A ordem era, entretanto, que não demorássemos; Que ninguém se dispersasse, e que em hipótese alguma desperdiçássemos energias, pois a partir da manhã seguinte o pau iria pegar.

Jantamos, assistimos shows, alguns se dispuseram a dançar, mas antes da meia noite o grupo foi reunido a fim de retornarmos ao hotel. Entretanto faltava um. Ele! Procuramos e nada. Enfim, alguém o vira sair e assim fomos embora.

Pouco depois de chegarmos ao hotel um colega, companheiro de quarto do galã apareceu com uma queixa: ele estava com uma menina da boate e ao invés de mandá-la embora, insistia em compartilhá-la. Fomos até lá em comitiva. Lá estava o casal em pelo, rindo e convidando para a orgia. Ela ainda não havia recebido seu cachê, pois o colega pretendia com um eventual compartilhamento baratear o custo. A garota, por sua vez havia concordado, ante a possibilidade de aumentar seu faturamento. Simples assim. Frustradas as tentativas, a moça foi embora levando um pouco das reservas financeiras do colega, deixando uma pilha de preocupações que jamais imaginaria. 

Mas aquele desaforo não haveria de passar assim no mais. Não mesmo. Na manhã seguinte, sentado no saguão do hotel alguém se deparou com uma propaganda da tal boate. Lembrou de ter lido numa revista algo sobre o alto índice de AIDS. E então brilhou a idéia. Mixou a matéria sobre a doença, assustadora novidade da época, com o  panfleto da boate e fez algumas cópias ajustando imperfeições. Serviço pronto, mostrou ao colega garanhão. Ele entrou em pânico. Pânico? Além do pânico. Tinha um relacionamento sólido e a companheira era tão bonita quanto ciumenta. Ficou de tal forma desesperado que um dia depois saiu do apartamento examinando o “documento” no corredor, afirmando como uma súplica “vejam, não tem mancha nenhuma!”, e se foi até o elevador examinando-se.

O tempo do seminário passou rápido, proveitoso e divertido para alguns, trágico para o colega “saidinho”.

Quando preparava-nos para retornar, no aeroporto, um querido colega estava conversando com o diretor comercial que tecia os melhores elogios ao grupo gaúcho, gente nova, idéias novas, ativos e um, em especial, extremamente concentrado. O diretor então pediu para lembrar-lhe os nomes. Assim fez, citando cada um sem mirar o grupo, mas quando foi referir-se ao “concentrado”, o querido colega, venenosamente virou-se e apontou-o (este se enterrou ainda mais no sofá). O diretor olhou balançando afirmativamente a cabeça, mas como nunca ria, fez com que o colega em desespero acabasse demitindo-se por justa causa. O que faria? Desempregado, doente e abandonado pela mulher?

Todos os colegas de todas as delegações sabiam da história. Então alguém se chegou ao coordenador da sacanagem e sentenciou: “Chega! Vou contar pra ele”. Ok. Assim fez. O gostosão, depois de disparar rajadas de olhares assassinos ao coordenador e libertar aquela galinha, temporariamente presa, que vivia dentro dele era só risos e piadas. Estava aliviado, feliz, potencializado pela raiva antes contida, e já exagerando em brincadeiras, como era seu feitio.

Diante disso, um outro colega resolveu chamá-lo a um canto e dizer-lhe mais ou menos isto: “Cara, não sei o que te contaram, mas mentiram pra ti a fim de te tranquilizar. Cuidado.  Tu estás correndo um risco muito grande. Quando chegares em Porto Alegre, corre para a Policlínica. E não transa com a tua mulher! Não vais querer prejudicá-la”. Pronto. Desterro, o retorno!  Depressão e muitos vômitos durante o vôo foram o futuro imediato do caro colega.

Nos dias seguintes o expediente dele foi coberto de expectativa e apreensão. Já não adiantava mais dizer que fora tudo brincadeira. Ele tinha todos os sintomas. Estava certamente contaminado. E o que dizer para a mulher? Galo reprodutor, cheio de tesão, depois de quinze dias chegado de viagem só dando boa-noite e até amanhã?!  Não era mais o mesmo.


Por fim chegou o resultado dos exames. Estava limpo. A partir de então não restou pedra sobre pedra. O alivio foi tão grande que não sobrou espaço para raiva contra o autor da brincadeira (?) e seus cúmplices. A Sharp recuperou o vendedor dinâmico e produtivo; nós recuperamos o colega brincalhão e, claro, as colegas  recuperaram a pressão auricular. 

quarta-feira, 20 de novembro de 2013

LUIZ HENRIQUE SCHEFFER


Certa vez eu perguntei a um amigo: “tu és doador de órgãos?” Não me lembro da resposta por que a minha intenção era continuar falando, e assim fiz. Disse-lhe: “antes de partir me deixa tuas cordas vocais”. Mas Luiz Henrique se foi e eu vou continuar saudando os novos dias do mesmo jeito mortal e simplesinho de sempre.  

E neste momento, ao agradecer a Deus pelo milagre que se renova há tanto tempo quando dou bom dia à vida, aproveito para também agradecer ao Velho o fato de ter colocado no meu caminho, ainda que por pouquíssimo tempo um profissional; um amigo dos amigos; um cidadão que carimbava seus dias de gentilezas e boas palavras.

Luiz Henrique se foi assim, como quem tem pressa de chegar a algum lugar melhor. Mas cansado daqui não deveria estar; tinha planos, um em especial, uma gestação demorada, por vezes tensa, mas que prometia logo ali o seu nirvana. Sei que vivia cada dia com esta expectativa. Sua voz estava presa, e falar, para quem vive disso é remédio e alimento. Retroalimento.

A boca se fechou, mas voz vai continuar por ai, flutuando em várias freqüências, randômica, migrando da memória para os ouvidos e destes para nossa saudade.

Siga em paz, meu amigo. Que teu espírito volte pelo mesmo rastro de luz que o trouxe.  

segunda-feira, 18 de novembro de 2013

NARCISO


Lendas "sharpeanas 5"

Tínhamos um colega que era objeto da sua própria paixão. Vivia dizendo: “Chefia, a maior frustração que eu tenho é não conseguir dormir de conchinha comigo mesmo”. Narciso era fichinha perto dele. O seu próximo era ele, a quem amava tanto ou mais do que a si mesmo. Entende? Não precisa.

Num dia qualquer foi preparada uma surpresa para ele, cuja execução carecia de uma encenação prévia.

 Era muito crédulo, principalmente nas questões que envolviam religiões afro. A partir daí, foi montada a estratégia. Primeiro foi-lhe dito que uma fulana qualquer (e ele tinha os pés de barro neste quesito) o teria colocado "na boca do sapo", e mandara fazer alguns trabalhos com o intuito de prejudicá-lo. Inicialmente ele perderia o cabelo, sua segunda paixão depois do todo, o qual lhe custava bom tempo de cuidados antes de ir à rua. E posteriormente haveria danos à saúde e, muito especialmente, à sua masculinidade.

 Mais ou menos impressionado, mais menos do que mais, se foi trabalhar, como sempre, de alma leve, não retornando à empresa no fim da tarde. Era o que o grupo de “queridos colegas” precisava para dar sequência ao plano.

Seu armário no departamento de vendas tinha na parte interna da porta uma enorme foto sua com pose que faria de Marlon Brando um amador. A foto foi retirada e copiada algumas vezes. Nas cópias feitas eram apagados os cabelos, até que chegassem a uma imagem fidedigna com o galã totalmente careca. Hoje, com os recursos disponíveis seria moleza, mas na época foi uma verdadeira engenharia. E depois foram às próximas providências.

 No dia seguinte, primeira hora da manhã  chega o colega, flutuando como sempre. O impacto foi grande. Na mesa que correspondia a sua equipe de vendas estava armado um “trabalho” contendo pipoca, cachaça, charuto, velas, no centro um papel onde estava escrito seu nome. Atônito abriu a porta do armário e... A sua foto... Estava careca! Esfregou os olhos e foi arrancar aquela imagem grotesca, quando ouviu um grito: “NÃO TOCA NISSO, PODE SER PIOR!”. Incontinente recuou, sentou-se cabisbaixo, tentando relembrar algum pedaço de vida em que pudesse ter deixado tanto rancor.  Adeus alma leve!
O colega entrou em desespero. E como a cumplicidade no departamento era grande, ninguém moveu uma palha  para consolá-lo, ao contrário, alguns ainda pisavam dizendo: “eu avisei...”

 Aos poucos, e com a pressão de algumas chefias, o mistério foi se dissipando, tendo levado alguns dias o quase “coma psicológico”. Alguém foi encarregado de lhe contar em detalhes sobre o tal trabalho, naturalmente que sem assumir culpas, nem indicar culpados.

 Como foi dito, era um sujeito de alma leve, e assim, não guardou mágoas e não quis saber de responsabilizações individuais. Preferiu culpar a todos, o que era justo. E imediatamente voltou a desfilar seu impressionante ego pelos corredores da filial.


 Dizem, porém, que se tornou mais seletivo nas suas futuras conquistas. Dizem também, que em uma oportunidade, durante um rola-rola desnudou-se um pescoço, e lá havia duas guias vermelha e preta. Visão mais do que suficiente para recompor-se e abandonar o "campo de batalha", sem mais delongas.

sexta-feira, 15 de novembro de 2013

CORNO PROFISSIONAL




Lendas "sharpeanas 4"

Os apelos do mercado quando se é jovem, recebe bons salários e usa boas roupas é muito atrativo. Sempre foi e sempre será.

A Sharp proporcionava razoáveis benefícios e os garotões não deixavam por menos. Nunca saiam da pista.

Numa oportunidade um colega conheceu uma mulher. Linda e loira, vivendo a vida noturna. Começaram a se relacionar, evoluiu para cliente preferencial, mas a coisa foi ampliando, ampliando, e engataram um caso de alto envolvimento. Todos os horários livres eram dedicados à gastura de energias do moço, cuja capacidade de raciocínio mudara de lugar.

Certo dia ela fez um pedido especial, seria uma grande demonstração de carinho, que naturalmente receberia generosas recompensas. Ela tinha um parente que necessitava emprego. Era vendedor, segundo  ela muito experiente e qualificado, mas estava momentaneamente sem trabalho. Eis o pedido: uma oportunidade de emprego para o parente dela.

O colega conseguiu que o  candidato fosse chamado para uma entrevista, onde se mostrou não muito convincente para a condição que postulava. Mas enfim, tinha certa experiência e acabou sendo aproveitado, muito também em função do esforço do segundo interessado. Mas não havia convicção nenhuma que daria certo, ao contrário, a aposta era outra.

Passaram algumas semanas e nada de venda; um mês e necas. Em compensação, o romance seguia torrando colchões.

Num dos tantos momentos de imersão, o sharpeano, deitado no quarto da namorada que havia saído para fazer algumas compras resolveu mexer em algumas gavetas. Não procurava nada, mas achou algo que mudaria os rumos daquela história. Uma foto de casamento. Nela os fofos protagonistas eram, nada mais, nada menos, que o vendedor da história casando com a namorada da história. Cacete!

Vestiu-se rapidamente e esperou a moça chegar. E foram às necessárias conversas. Chorosas conversas de esclarecimento. Bingo. Era verdade! Pior, o marido sabia e estava de acordo com as condições. Aliás, ele sabia da atividade dela.  

Dia seguinte na empresa o fulano foi chamado para conversar. O diálogo foi mais ou menos este, segundo os autos da história:

- Tu sabes exatamente quem eu sou, não é?
- Sim
- Então sabes com quem eu estou saindo?
- Hum, hum
- Tu não tens vergonha?
- Vergonha é ficar sem dinheiro. Mas fica frio, vamos levando...

Corno profissional! Fim de papo. Foi mandado embora por falta de vendas, mas muito pelo esforço do segundo interessado.

"E a china”? Nunca mais viu. O romance acabou no dia da revelação. Não se pode facilitar.  

terça-feira, 12 de novembro de 2013

ALFREDOS


No semáforo, quando o amarelo acende, você deve aguçar sua atenção. Há os outros, você não está sozinho na via... Perceba os sinais, você não está sozinho na vida.  

Construí minha vida cercado de afetos, mesmo que brincando de equilibrista em cordas de espinho. E flutuei em versos que me sentenciavam ”nenhum pesar me derruba, qualquer paixão me arrebata” (Luiz Coronel).

Houve o tempo do “bota fora” afetivo, quando se judiava de corpo e alma em nome da grande busca. Da busca, sim, ou não passamos metro e meio de tempo buscando pouso em olhares transeuntes; ninhos de braços; vozes sussurradas de dormir; vozes roucas de acordar, e ouvidos sintonizados numa frequência perto da nossa. Mas o foco foi e sempre será viver arrebatado pelas mesmas paixões. E a esperança de que jamais venham delas os pesares.

Mas a mim acostumaram a identificar, ou a vida me ensinou,  que a primeira lição de afeto que devemos aprender é o auto amor. Ou o Criador não teria mandado, e alguém prontamente obedecido, escrever que devemos amar o próximo como a nós mesmos.  Assim, o máximo de amor que podemos oferecer a alguém é um do tamanho do próprio. Se não há por si, não há o que dar. 

Essa tese invalidaria qualquer auto atentado, seja ele pragmático e drástico, seja por processo depressivo para dar fluxo lento à definitiva consequência. Nunca elaborei bem as mortes vãs, e até já me indispus com o "Velho' por causa de  algumas, Nunca aceitei mortes de amor, mesmo que este seja ultrajado; que tenha enuviado os olhos e trazido  bile à boca, com notas acre de sangue. Recusar-se a isso  é a  forma que temos de duelar com as nossas meio-mortes ao longo da vida.

Há entre eles os que viveram ensimesmados, tornando-se ícones do vazio, com quem nos distribuímos entre carinho e pena extremados. Onde guardavam seus dias, normalmente cheios de sentimentos fortes e amargos, nunca soubemos. Recolhiam-se no baú de tempo onde viviam, definhavam e morriam de amor. Por excesso ou falta dele, onde a reciprocidade é fundamental. Por nunca termos ousado invadi-los com nossa curiosidade solidária (ou mórbida, que fosse), tornamo-nos cúmplices por seus encurtamentos de vida.

Vinicius chamou de Alfredo um  vizinho do lado que “se matou de solidão. Abriu o gás, o coitado, o último gás do bujão!” Triste vida e triste fim de uma metáfora. Não sei porque se matam ou se deixam morrer os “alfredos”, embora carreguem um pouco de cada um de nós. O certo é que não se permitem  deixar que as etapas se cumpram naturalmente; que a morte chegue no seu tempo. Nossos "alfredos" não conseguem lutar contra a degradação dos mapas corporais, os algarismos dos planos de saúde e os ais sofridos de organismo e alma. Os "alfredos" sofrem disso. Não absorveram  o valor desse senso, e amargam suas sequelas. Não se permitem deixar que simplesmente morram encharcadas suas patologias espirituais entre tangos e malbec’sVivem de ser a própria letra trágica do tango. Deixam de sentir para se tornarem saudades, quase sempre cedo demais; irremediavelmente esperado, mas sempre incompreendido. Entretanto e ainda assim, nos permitimos a surpresa e o espanto. 

Há pessoas que me fazem falta. Amigos que partiram para a última grande viagem, e estão por ai dando uma voltinha pelo cosmo. Não por alma penada, mas por terem deixado conosco uma presença tão forte, que nós mesmos os aprisionamos na memória, e de tal forma que é impossível não percebê-los como personagens permanentes nas paisagens cotidianas. Suas luzes (ou grilhões) são nossas saudades. 

segunda-feira, 11 de novembro de 2013

ZIFIA MARIA



Lendas "sharpeanas" (2)

Maria era uma mulher de fé. Não só por suas ações como pela quantidade de guias multicoloridas que pendurava no pescoço, uma para cada entidade, e segundo ela, todas do bem. 

E a filial Porto Alegre da Sharp era cheia de criaturas sempre dispostas a fazer graça com tudo, inclusive com a boa fé dos outros. Mas uma em particular.

O fato de esta criatura ter, certo dia, quebrado uma bolinha de pingue-pongue na sala da associação de funcionários lhe sugeriu uma idéia. Imaginou de cada metade da bola um globo ocular enorme. Então, com pincéis atômicos preto e vermelho desenhou pupilas e vasos sanguíneos, testou para ver se seguravam bem franzindo o cenho, e reservou.

A cozinha da filial, reduto da Maria, era um pequeno corredor escuro, com os equipamentos necessários à limpeza e ao cafezinho, situados no final deste espaço.  

Na primeira oportunidade, quando Maria voltava do almoço e se recolhia à sua cozinha, lá estava o engraçadinho esperando por ela, na luz difusa do ambiente. Mas ele simulava um ritual de umbanda, girando, gesticulando e resmungando cantos típicos, de costas para a porta. Maria entrou, se impactou, mas imediatamente se sentiu privilegiada, afinal, estava sendo visitada por uma entidade de poder, ela tinha certeza. Em posição de respeito e ansiosa por participar perguntou: “Saravá, que tu qué de mim, meu pai?”. O “pai” atendeu: “Saravá! A zifia tem colírio?”. E virou-se para ela mostrando o rosto com os dois enormes olhos inventados. 

Maria desmaiou, houve pedido de socorro, muita preocupação, sobretudo demoradas explicações, e uma grande mijada com ameaça de demissão. E por muito tempo um comportamento quase exemplar do engraçadinho.



Maria nunca mais tratou o malandro, que era mimado por ela, da mesma forma. Não gostava mais dele, claro, mas tinha um respeito... Vá que fosse? 

sábado, 9 de novembro de 2013

FITA PARA PORNÔ...



Lendas “sharpeanas” (1)

A Sharp foi pioneira em muitas coisas. Sistema de vendas, remuneração diferenciada, vanguarda tecnológica. Seus comerciais de TV estavam sempre na frente do tempo em produção e beleza. Sem considerar o ambiente de trabalho dinâmico e apaixonante.

Em 1983 lançou o primeiro vídeo-cassete no Brasil. Não era lá grande coisa em termos de tecnologia, mas enfim, era um produto nacionalizado e pronto para revolucionar o nosso mercado, numa época tão carente de novidades.

Na onda deste aparelho, o consumidor  se entusiasmava com a possibilidade de poder escolher  o que assistir em casa, muito em especial o “macherio”, que salivava com as fitas pornográficas. Assisti-las era tarefa muito espinhosa para homens que queriam manter o status de seriedade, já que as salas de cinema que as exibiam ficavam na nossa “boca do lixo”. Então, ante a possibilidade de assistir um filme tipo Garganta profunda em casa deixava em cãibras cabeça, tronco e membros, um em especial. 

A primeira operação de venda feita na filial Porto Alegre, lembrando que a venda era feita direta ao consumidor final, foi realizada para um militar de alta patente. Nosso vendedor foi ao destacamento com visita pré-agendada. O futuro cliente estava fascinado com a idéia de possuir o aparelho, mas abismado com o preço (foi lançado a U$3.000). Após longa negociação, habilmente então o vendedor deu o golpe de misericórdia: “meu comandante, assine o pedido e eu lhe mando uma fita pornô, de brinde”.  Pedido assinado e entrada  na mão, o colega retornou à filial como o pioneiro na venda de vídeo cassete no estado.

A entrega demorava cerca de 30 dias e nesse meio tempo era uma ligação atrás da outra, do cliente para o nosso colega. O aparelho chegou perto de um final de semana, não lembro o dia. Soube depois que, ato contínuo, o comandante mandou mulher e filhos para a praia, com a justificativa de que teria uma operação de alto envolvimento durante todo o final de semana, e não poderia dar a devida atenção para a família. Contou  que  preparou a imersão logo na sexta. Poltrona a um metro da TV, uísque e salgadinho. Uma vez  instalado o aparelho, sala a media luz e já em ebulição, colocou a fita (o aparelho, em função da novidade era entregue com uma fita VHS demonstrando todo o processo operacional, passo a passo).  

Play!” O apresentador contratado pela Sharp começou a demonstração... Passo a passo... Passo a passo... E a tensão aumentando... O telespectador passou então a pressionar o fw para que começasse logo o fudunço... E pressionava cada vez com mais força e a tensão aumentando... E o apresentador passo a passo, didaticamente. E... Terminou a fita. Foi ao lixo para ver se tinha colocado fora a tal fita  pornô prometida... E nada. Nada além de muita raiva e uma imagem fixa: a jugular do colega.

Segunda-feira, oito horas da manhã, toca o telefone do departamento. Atendo, era o comandante. “Cadê o + &@@%#$ X*§-?".  Passei o telefone ao “+ &@@%#$ X*§-”, que ouviu, ouviu, ouviu... E no final disse candidamente: “Mas meu comandante, eu lhe prometi uma fita para por no vídeo-cassete, não foi? Pois então, deve ter ido a fita para pornô vídeo cassete. ..”

Mas antes que o camburão fosse acionado, nosso querido colega se prontificou a ir imediatamente cumprir o prometido. Até hoje não se sabe como conseguiu, por que na época era artigo raro.        

terça-feira, 5 de novembro de 2013

OS BONS COMPANHEIROS

Do livro Castelo de guardanapos

O Tuca se aposentou do serviço público ainda jovem. Justo reconhecimento do Estado para alguém que, ao longo da vida, jamais arrepiou o pelo por medo de trabalho. Tão logo consolidou a aposentadoria, e antes de sentir-se um peixe fora d’água por desocupado, juntou-se a mim num pequeno e infrutífero escritório na Rua da Praia.

O Tuca era um daqueles gordinhos elétricos, ágeis física e mentalmente. Comia como poucos e de tudo, principalmente gorduras nas suas diversas formas. Por ele pensei a frase que eventualmente uso “mais ansioso que gordo em buffet”. E fumava. Mas fumava tanto que se o cigarro acabasse no meio de uma tragada acendia outro para concluí-la. Eram no mínimo três carteiras por dia. Três, sem tirar! Ainda na ativa já era grupo de risco juramentado. Na ociosidade da aposentadoria, então, pule de dez para o enfarte.

Normalmente almoçávamos juntos. O show começava lá pelas 12h30 indo até por volta da 14h00, preferencialmente espeto corrido, com picanhas lacrimejando gorduras e galetinhos com peles crocantes. “Uma beleza”, segundo ele. Um dia falei à sua esposa: “se continuar assim, dou um ano para o enfarte...”

Em seis meses, porém, o meu querido amigo de tantas jornadas, ele que sempre fora um homem de peito aberto e língua solta, lá estava, de peito sim, totalmente aberto, cheio de pontes e pontos. E de língua presa. Escapou; vibramos e renascemos todos com isso. Tão logo pode receber visitas fui vê-lo. Mas, conhecendo-o como conhecia, comprei antes uma carteira de cigarros.

Estava no apartamento do hospital, entubado, constrangido, quase imóvel, mas vivo e esperto como sempre. Pedi então que me deixassem um pouco sozinho com ele; precisávamos conversar. Todos sabendo do afeto que nos unia, atenderam. A sós lhe disse: “meu irmão, eu sei que o sofrimento é grande e que a renúncia dói tanto ou mais que os pontos que te desconfortam, então te trouxe isto (mostrei a carteira de cigarros), com a condição de que só a use em último caso”. Ele me olhou enigmaticamente. Não disse nada, mas pensei ter visto umidade em seus olhos, não sabendo dizer se de agradecimento ou decepção. Depois disto chamei todos de volta ao quarto e fui embora. ´

Antes de sair pude ouvi-lo pedir à esposa uma caixa de fósforos e uma vela. Queria fazer orações depois do almoço; reencontrar-se com Deus, e gostaria de ficar só, e que não fosse interrompido. Pois sim. No momento oportuno correu todo mundo do quarto, arrastou-se como pode até o banheiro, chaveou-se e preparou-se para degustar o fumacento ágape. Levou o cigarro à boca, acendeu o fósforo e puxou a melhor tragada, com o cuidado para não fazer tanta força. Nada. Um pouco mais de força... Nada. De repente amoleceu o cigarro. Tirou da boca e entre decepção e raiva percebeu: era de chocolate.

Conta ele que ficou sentado no vaso por muito tempo, contemplativo, até voltar à cama já sem ódio. Chamou a mulher e pediu meio amarelado, entre dentes: “Marlene, me chama o Jair”. Demorei em voltar a vê-lo. E quando fui, guardei respeitável e prudente distância.  

    

terça-feira, 29 de outubro de 2013

OJO POR OJO (TALIÃO)



Um dia alguns trabalhadores rurais resolveram tolher nosso direito de ir e vir. E aceitamos. Outro dia resolveram invadir órgãos públicos, contando com a assessoria de cidadãos urbanos, ideologicamente identificados. E aceitamos. Depois houveram por bem ocupar propriedades privadas, seguindo seu próprio julgamento de direitos. E então passaram a exercer todas as formas de vilipêndio ao patrimônio alheio. De que adiantaria não aceitarmos?

Para que um dia nossas ruas fossem tomadas pela anarquia era uma questão de tempo. Do estopim legítimo à barbárie atual foi "num tapa”. E se não desentortaram o pau quando pequeno, agora só quebrando. Mas quem irá quebrá-lo? Não estes governos covardes que temem as próximas eleições. Que não usaram ações preventivas por medo que fossem vistas como politicamente incorretas, e agora se borram por la pierna na hora das ações corretivas por que, inevitavelmente serão vistas como impopulares. Afinal, daqui a pouco haverá novas eleições e todos os nichos de voto são importantes.

Há muito o anarquismo nos “mete a língua”, e nós fazemos de conta que não vemos. É que um dia fomos jovens; como jovens revolucionários e revolucionário é de esquerda, e esta sempre flertou com a anarquia. Por algum motivo vil não queremos desmerecer nosso passado. Mas até quando vamos pagar pelo pecado juvenil de termos sonhado com liberdade? Passou a hora de acordar.
   
Há muito estamos perdendo para o crime organizado. Passamos agora a perder também para o crime desorganizado. São criminosos que reúnem de ocasião, infiltrados em proposituras legítimas, mas que se tornam coniventes por se permitirem usar como escudo. Ao darem guarida aos infiltrados, muito mais do que se tornarem cúmplices, prejudicam a eficácia das policias e se expõe ao risco. E quando eventualmente feridas, jogam a sociedade contra o Estado, reclamando do uso excessivo de força, na velha ladainha anti-repressiva.

Chega! Que caiam as máscaras! Todas as máscaras, inclusive a nossa que usamos por medo de ouvir alguém nos chamando de filhotes da ditadura, reacionário ou direitista. Que se exploda o anarquismo fomentado por uma ex-esquerda, hoje em adiantado estado de putrefação. Que se desnudem também os black blocks oficiais que acobertam por deliberação ou medo os vandalismos. Estou convicto de que o sonho da sociedade é ver a força policial ganhando a batalha das ruas, trancafiando baderneiros, tratando bandidos como bandidos devem ser tratados. Por fim, é minha convicção de quem joga coquetel Molotov deve receber algo mais do que simples balas de borracha.

O desequilíbrio da teoria física deve estar a favor da sociedade e não de quem quer destruir patrimônios e direitos conquistados.   

      

sábado, 26 de outubro de 2013

A DIVA



Recebi um mail de uma pessoa desconhecida. No mínimo singular e estranha a vida, em um dia destes sem muito trabalho, cansado do borbulhar de sons do escritório, resolvi escutar o que me parece a voz mais próxima do divino em um ser humano. Sim, Nana Mouskouri. Me perguntei, será que já veio ao Brasil? Digito a pergunta no Google ele me responde com uma narração sua, sobre esta voz celestial... Continuo lendo, gargalho quando leio padaria Modelo, Libres, Calle Colón. Sim, também moro em Uruguaiana. Bem, é o seguinte Sr Jair Portela, pela ordem não tão natural da vida, pois é nas situações menos esperadas que as vezes a vida nos presenteia com o que há de melhor. Sim, Nana Mouskouri irá se apresentar em Porto Alegre no teatro do SESI no próximo dia 17 de Novembro às 20 h. Ingressos pelo site... Abraços....Gelson Rodrigues

As sensações que experimento quando ocorre algo semelhante são formidáveis. E uso este termo por sua abrangência bipolar, uma vez que me maravilho e me estarreço. E me estarreço por ontem. Como conseguimos nós, jovens dos anos sessenta sobreviver sem a internet? Como desenvolvemos nosso conhecimento; testamos nossas habilidades? Onde buscamos respostas? A solução desta equação, acho, está na velocidade das exigências. O mundo de antes era um gigantesco barco a vela, que se movimentava ao sabor do vento, logo nossas respostas não necessitariam ser imediatas, o que nos dava tempo para armazenarmos conhecimento, buscados a conta-gotas. Hoje, entretanto, devemos estar treinados para darmos cavalo-de-pau em submarino. E os recursos estão bem aqui, disponíveis. Se não usarmos, nem emergimos.

Fiquei muito feliz com a mensagem e os motivos são vários. Alguém que não conheço, que mora a quase mil quilômetros de onde eu moro, que tem uma paixão igual a minha, que já é singular, aleatoriamente busca informações na rede, que corresponde a uma volta ao mundo, sobre este objeto de paixão. Encontra mais do que ousara querer, e também um parceiro de mesmo sonho e desalento, uma vez que a esta altura da vida, ver Nana Moskouri cantando ao vivo, só por milagre. E eis o milagre descrito em sua mensagem: ela estará entre nós. Bem ali, à nossa frente, incomparável como sempre e palpável como nunca.

Por fim, este novo amigo, de paixão igual a minha vive na cidade onde nasci e me criei, berço dos meus afetos mais inocentes e permanentes: Uruguaiana.


Não há o que não haja! Pena para a Nana, Gelson, que não saberá de nós.