Tributo à deusaExcerto do livro "Assim como era no princípio"
Os mais jovens talvez não saibam quem é Roger Vadim, dito assim: Rogê Vadã. Trata-se de alguém que lá, na idade da acne demonizada por suspeitas, consumiu boa parte do meu desprezo. Fiz dele meu principal desafeto. E, numa época que sobrenomes de marca de vodca eram olhados de viés pelo mundo ocidental, fui descobrir que seu nome verdadeiro era Roger Vladimir Plemiannikov, embora cidadão francês. Taí: comedor de criancinha! Mas este fato pouco se me dava. Era apenas um agravante conveniente em função da Guerra Fria patrocinada pelo macarthismo americano, de quem a macacada terceiro-mundista, inclusive este símio, era fã.
Ocorre que entre as criancinhas circulava também Brigitte Bardot, entre outras. Que ódio! Então eu ficava olhando o cara que aparecia mais nos reclames do Sétimo Céu do que no cinema e o que via? Um veículo desprovido de carroceria para carregar tanta areia, e a menos que fosse parente do Mário Pescoço não me ocorria o porquê do seu sucesso, justamente com as namoradas que eu escolhia a dedo nos álbuns de figurinhas de Hollywood. E para ser sincero e cru, verdade eu não escondo: escolhia a dedo e namorava com as mãos.
Brigitte Bardot era o sonho de consumo de dez, entre dez banheiros adolescentes. Não sei qual a melhor imagem que guardo dela, mas tem uma cena de Et Dieu... Créa la Femme, como diria o professor Cyrillo (E Deus criou a Mulher), de 1956, que é infernal. Para nós mortais de babador, a cena vem caminhando demoradamente até um lençol transparente estendido no varal, com a antevisão do nirvana. Depois, ela, que se deixa ver deitada de bruços, tomando sol assim como veio ao mundo, mostrando o quanto o Criador é criativo, tem bom gosto e é dos nossos. Aliás, a obra é Dele, certo, mas que a cena tem o dedo do anjo caído, ah, isso tem.
O filme foi rodado em Saint Tropez. BB é Juliette, dezoito aninhos, cheia de tesão, órfã, acolhida por um casal sem filhos e, claro, com um bando de pelinchos ao seu redor. Casa com o mais mixuruca deles (Jean-Louis Trintignant), mete umas guampinhas com outro (Georges Poujouly - o famoso “quem?”), e a galera aqui indo a loucura, só no chupa-ganso. O filme não é nada, não fossem as vertigens causadas pela protagonista.
Mas retornando à vaca fria, veio-me à cabeça a criatura que dirigiu o filme – o Rogê, de quem continuo com inveja - em função de um clip onde se juntam duas das coisas mais belas que a terra me deu de presente: a música, C’est ma vie, com o Adammo se derramando em meu lugar, e ela, Brigitte Bardot. Mostra em slides toda beleza exuberante da moça até a fase atual, velha que em nada lembra o que foi, mas com uma energia fantástica no olhar, provando que continua ousada, que continua símbolo, agora na causa que abraçou: os irracionais em crise causada pelos mesmos predadores racionais que a encurralaram . Sabendo que ela defende uma causa tão nobre e desprendida me dá uma vontade enorme de latir. Cachorro não está em extinção, mas é o que está ao meu alcance.
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