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sábado, 12 de outubro de 2024

OS GIRASSOIS DA RÚSSIA

 




"Não acredite em nada do que você ouve e apenas na metade do que você vê" - Edgar Allan Poe, poema "O corvo".
Giovanna seguiu à risca. Não acreditou nas informações oficiais e se foi à Rússia em busca do marido Antonio, desaparecido desde o fim da segunda guerra. E achou! A questão é: sabe aquela máxima que diz que às vezes é melhor amar uma lembrança e, se for o caso, até viuvar por ela? Pois então...
"Os girassóis da Rússia", de 1970, é um romance lindo, suave, com imagens maravilhosa da então Cortina de ferro pouco conhecida no ocidente, com seus campos pintados de verde e amarelo. Soma-se a isso uma trilha sonora que, só de ouvir, dá vontade de passar o inverno na Sibéria.
Sophia Loren é Giovanna, Marcello Mastroianni é seu marido Antonio, o desaparecido que, por gratidão à sua salvadora deixou que a fila andasse, e Ludmila Savelyeva, a salvadora, era a senha nº 1 da fila. Esta, uma russinha linda que já tinha brilhado em "Guerra e paz" anos antes, e em "Girassóis...", consegue a façanha de furar os olhos da Sophia.
O filme ainda tem duas assinaturas de peso: Henry Mancini na trilha e Vittório De Sica na direção. Mas atenção: se você gosta de Pablo Vittar, Anitta ou MCqualkerkoisinha não ouça.

Tenho feito postagens sobre o tema "Rússia", porque sei, ou desconfio, ou tenho a esperança de que ela seja bem mais do que Putin e os filhos do Putin que pisoteiam os girassóis e empestam as neves.

SUAVE É A NOITE




Assisti a "Tender Is the Night" na primeira vez um pouco contrariado. Ainda estava viuvando do casal Drª Han Suyin (Jennifer Jones) e Mark Elliott (William Holden), de "Suplício de uma saudade". Portanto, não me conformei com a presença do Jason Robards, ao lado da Jen, Mas este, na qualidade de borracho e quase gigolô, manda muito bem,

O título do filme, estranhamento é tradução literal para o português "Suave é a noite", um baita romance, escrito por F. Scott Fitzgerald, que vai para a telona em 1962 sob a batuta poderosa de Henry King. Um filme que, no meio das carências atuais, pede um remake.
Nicole(Jennifer) era uma mimosa multimilionária americana que não batia bem da cabeça, em função de um trauma familiar, obra do sem vergonha do pai, A tutela da mocinha estava a cargo da irmã mais velha, uma socialite fútil e fria, que é vivida por Joan Fontaine (a saber: irmã da doce Olivia Havilland, a eterna Melanie Hamilton de "...E o vento levou", recentemente falecida aos 104 anos).
A mocinha, Nicole, a abou sendo internada em uma clínica psiquiátrica na Suíça. Recebeu um tratamento tão eficaz e completo do Dr. Dick (Robards), que acabou casando com ele. Na real, o doutorzinho deu um braguetaço, e com todo o dinheiro que a mulher tinha, encostou-se. Foi viver entre as águas azuis da Riviera francesa e as engarrafadas, com bolinha e sem bolinha, mas necessariamente acima de 10 na graduação alcoólica. Mas acabou afrouxando os tentos; descuidou-se da mulher, e perdeu a boca. Tinha um gavião predador silencioso sobrevoando a área, fato que a gente começa a desconfiar depois que a mocinha Nicole enfia o pé no marido.
A música de fundo é um espetáculo e levou o caneco, ou melhor o boneco da Academia. Uma seleção top gravou essa trilha, como Tony Bennet, Andy Willians (a melhor), Vic damone, Johnny Mathis, e o nosso Moacyr Franco. Quem não cozinha na primeira, vai lembrar bem do sucesso que fez essa música na época. Estava nas paradas desde a "Audição da simpatia" ao "Intermezzo musical", mas disso ninguém vai se lembrar.

𝐀 𝐏𝐑𝐈𝐌𝐄𝐈𝐑𝐀 𝐍𝐎𝐈𝐓𝐄 𝐃𝐄 𝐔𝐌 𝐇𝐎𝐌𝐄𝐌


 
Muitos guris que amavam os Beatles e os Rolling Stones tiveram seus momentos Benjamin Braddock. Na época, era uma atividade curricular, essencial para a boa formação da turminha de espinha na cara e pelos nas mãos, proporcionada generosamente por senhoras de bom coração. Hoje seria abuso, sujeito às penas da lei.
Mas não há quem não tenha tido uma paixão inocente por alguém como Elaine Robinson (a mimosíssima Katharine Juliet Ross, no auge dos seus 27 aninhos, com cara e jeito de 17, e aqueles olhões pedintes de cachorrinho Basset). Era impossível colar os olhos nela e não sentir nada.
Em "𝘼 𝙥𝙧𝙞𝙢𝙚𝙞𝙧𝙖 𝙣𝙤𝙞𝙩𝙚 𝙙𝙚 𝙪𝙢 𝙝𝙤𝙢𝙚𝙢", que também poderia ser conhecido como o primeiro filme de um homem, Dustin Hoffmann debuta na constelação hollywoodiana. Ele vai viver um jovem recém formado, que volta para casa, com pompa e circunstância.
Mal chega e já é consumido pelo fogo inconformado da senhora Robinson, que é a sensualíssima Anne Bancroft. Seria moleza ser seduzido por ela, menos para o Ben, que teve a pachorra de questioná-la: ""Mrs. Robinson, you're trying to seduce me. Aren't you?" ("Sra. Robinson, você está tentando me seduzir. Não é?"), ora Ben... Ela que depois causa um baita estrago, quando percebe que quem dá as cartas e joga de mão no coração do abobado é a sua filha Elaine, a mimosíssima. O estrago foi tanto que a filha deu no pé, e foi preciso um ato heroico do Ben, quando resolveu honrar as calças. Algo como roubar uma noiva e fugir de ônibus, por exemplo.
O filme foi grandemente reconhecido e premiado, entretanto, a trilha sonora como um todo é inesquecível, sob o comando de Simon & Garfunkel. Tudo o que toca no filme é genial, como The Sound of Silence. Mas nada igual a "Mrs Robinson", composta por Paul Simon, que carrega uma curiosidade em especial: a referência ao ex-astro de futebol americano Joe DiMaggio, casado, descasado e recasado com a casadoira Marilyn Monroe.
A trilha é uma viagem maravilhosa no tempo.



sexta-feira, 11 de outubro de 2024

𝐌𝐀𝐌𝐌𝐀 𝐌𝐈𝐀


Não gosto de musicais. Acho que eles não foram feitos para a tela e sim para o palco. Mas é só o que eu acho e nem quero estar com a razão. A verdade é que tenho sede de história bem contada.

Dificilmente assistiria Mamma Mia (mas assisti mais de uma vez), não fosse por Meryl Strep. E se não fosse pelo ABBA. Como muitos setenteiros, fui abduzido pela Síndrone de Estocolmo. Acho que todos sabem que o grupo leva o acrônimo de 𝑨gnetha Fältskog, 𝑩jörn Ulvaeus, 𝑩enny Andersson e 𝑨nni-Frid Lyngstad, suecos de Estocolmo , que sequestraram o que sobrou dos meus tímpanos, entregues antes aos guris de Liverpool.
Revi Mamma Mia, ou melhor, meio que assisti, porque mais ouvi do que prestei a atenção. No entanto é difícil não se deixar envolver por Meryl. Essa moça pode ser a durona Dama de Ferro; frágil e doentia como Sofia Zawistowk, perdida como Joanna Kramer ou doce como Francesca Johnson. Ela pode ser o que quiser, que será o melhor que esses personagens jamais poderiam supor.
O filme é uma historinha juvenil, com alguma pieguice, mas bem arranjada e valorizada pelo time, que conta com a olhuda e mimosa Amanda Seyfried, que emplacou seu hat-trick, do jargão boleiro, nos dois anos seguintes com Chloe e Cartas para Julieta, e mais a participação do bonitão Pierce Brosnan.
Bom para ver domingo de tarde comendo pipoca. É para ver, mas se quiser, apenas feche os olhos e ouça. Você vai viajar.

MOULIN ROUGE



Não sou fã do gênero, mas além de "Hair", muito mais pelo que representou do que pela obra em si, "Moulin Rouge - amor em vermelho", talvez seja o outro musical que eu realmente gosto e vez por outra revejo. Dos outros dançantes da década de 70, como os de Olivia e Travolta, só as músicas. Não me ocorrem outros.

"Moulin Rouge"- o filme - é um teatro de revista, caricato e circense, ambientado no século XIX, que tem como cenário o famoso cabaré parisiense fundado em 1889. Dizem que a partir dele que a cidade ganhou o apelido de "Cidade luz", em especial a vermelha. Paris foi um grande rendez-vous.
Há personagens reais, como o pintor pós impressionista Toulouse Lautrec, boêmio, viciado e com uma doença rara nos ossos que impediu seu crescimento. Toulouse era um extrato de genialidade. Influenciou fortemente o design gráfico e recebeu o carimbo de padrinho da Art Noveau. Morreu cedo (36), face a sua doença degenerativa, somado a sífilis e porres intermináveis.
A lindíssima Nicole Kidman é Satine, personagem central e china-mor da tasca e um combo sensual, sonhador e tragicômico. Um pouco de Margarite Gautier, a nossa Dama das Camélias. Ewan McGregor é Christian, escritor, parceiro juramentado e praticante do combo lúdico de Satine, por quem cai de quatro logo de cara (quem não cairia?). A cena onde selam sua paixão é mágica. É como um namoro de gato no telhado, quando soltam a voz em dueto, com um pot-pourri maravilhoso.
A trilha sonora é atemporal. Como um todo, se formos buscar suas letras e significados, é uma outra forma de contar a história do filme e dos personagens centrais, que estão soberbos.
Imperdível. O único senão é o destino de Satine. Não se faz isso com a Niki.

CASABLANCA



"Casablanca", de 1942, não é apenas uma obra magnífica por ser rico em frases que se eternizaram. Também não ficou famosa pela música que, se nunca saiu da cabeça de um renegado como o Rick Blaine, proprietário do "Café Rick" (café de fachada), como haveria de sair da nossa? Por fim, não é porque tem uma musa como Ingrid Bergman, contracenando com aquele que foi eleito pelo Instituto Americano do Cinema como o maior ator de todos os tempos, o feioso Humphrey Bogard. Não é por nada disso individualmente, que vamos colocar esse filme na cinemateca dos sonhos. É mais. Casablanca é um filme rico por tudo isso junto.

Não se deve comparar histórias diferentes, mas se eu pudesse votar no melhor romance já filmado, Casablanca seria o meu escolhido. É uma trama quase que totalmente gravada em estúdio, ambientada entre as tensões da Segunda Grande Guerra, vivida no Marrocos, território controlado pela França, onde se reencontram Isa e Rick, antigos amantes nos tempos de Paris. Ela e o atual marido pertencentes a resistência antinazista e Rick, apenas um gerente de bar, atormentado de lembranças e, teoricamente, neutro em relação a guerra, mas que facilitava o trânsito de armas, camufladamente.
Entretanto é extraordinário o clima mágico que se mantém entre eles. Provavelmente, o resultado dessa magia tenha sido o motivo do segundo divórcio de Bogard, com a ciumenta Mayo Methot.
O detalhe curioso é que para nivelarem as faíscas de olhos nos olhos, o baixinho Bogard teve que usar sapatos de solado especial para dançar e subir em caixotes, a fim de ganhar alguns centímetros.
Além dos protagonistas, outra presença marcante é a do ator Claude Rains, que vive o capitão Louis Renault, que antes do "The end" ouve de Rick "Louis, acho que este é o começo de uma bela amizade".
"As Time Goes By" (conforme o tempo passa). Passa, mas deixa suas pegadas nas linhas de tempo do corpo e do espírito. ("E quanto a nós?" - "Nós sempre teremos Paris")



"𝐂𝐇𝐋𝐎𝐄 - 𝐎 𝐏𝐑𝐄Ç𝐎 𝐃𝐀 𝐓𝐑𝐀𝐈ÇÃ𝐎"



Natasha Richardson, esposa de Liam Neeson, também atriz, que tinha como pedigree ser filha da maravilhosa Vanessa Redgrave, sofreu um acidente enquanto esquiava no Canadá, bateu a cabeça, foi hospitalizada. O acidente ocorreu durante as filmagens de "Chloe", cujas gravações foram interrompidas para que Liam acompanhasse a esposa em seus últimos momentos. Com morte cerebral, teve os aparelhos desligados, poucos dias depois do acidente.
"Chloe" ou "O preço da traição" é um filme real e humano, que foca a vida de um casal esfriado pela rotina, exposto a uma arapuca que se realimenta pelos segredos. Um tiro no pé dado pela vítima, no caso a esposa supostamente traída que, ao testar o marido, talvez não tenha feito a melhor escolha do método ou da "interface".
O filme é de 2009, refeito de uma versão anterior de 2003. Tenso e um pouco (ou muito) doentio. A história é ótima, mas penso que o roteiro peca um pouco no final, Não achei o "The end" e as circunstancialidades legal. No entanto, é possível que o acidente da esposa de Liam tenha contribuido para perturbar o processo. Impossível que não. Nada, no entanto, que possa deslustrar a atuação de Julianne Moore e da "olhão-cabelão-bocão" Amanda Seyfried, a mimosa de "Cartas para Julieta", que faz uma performance meio "Lolita", porém, muito mais perigosa que aquela. Ambas roubam a cena. E com Liam em um papel fora do seu estilo, uma vez que não dá porrada nem tiro em ninguém. Só tirinho.

𝗔 Ú𝗟𝗧𝗜𝗠𝗔 𝗖𝗔𝗥𝗧𝗔 𝗗𝗘 𝗔𝗠𝗢𝗥"


Muitos viventes dos anos 60/70 que se arriscaram nas escritas, começaram escrevendo em guardanapos. Um guardanapo, uma Bic emprestada do garçon, um chope e um prato de fritas frias, cenário perfeito para a catarse.

Mas escrevíamos também cartas. Parte gorda dos meus magros recursos eram gastos em blocos, envelopes e selos. E sei que, em algum canto por aí, ainda há pilhas de cartas de minhas, as que sobraram, uma vez que sei de muitas que viraram artefatos ou se incendiaram em momentos de profundo desamor.
"𝗔 ú𝗹𝘁𝗶𝗺𝗮 𝗰𝗮𝗿𝘁𝗮 𝗱𝗲 𝗮𝗺𝗼𝗿" é um pouco do que aconteceu na vida desses muitos de nós. Uma história de amor que tem começo, um lapso interminável e dolorido de tempo linkado a uma carta perdida, que foi achada por mãos curiosas e dispostas a juntar remetente e destinatário, a fim de que resolvessem o que as mal traçadas haviam prometido.
Assisti ao filme porque gosto da senhorita Shailene Woodley, que ainda não decolou, e do desengonçado que se parece comigo quando eu era jovem Callum Turner. É baseado no livro The last letter from your love, da apaixonada Jojo Moyes, Não li o livro,, mas caso o roteiro tenha sido fiel, o livro também é recomendável.
O gênero não me agrada muito, o tema sim, mas gostei do filme..História meio clichê, mas muito bem feita. Serviu para dar uma amolecida nesta velha, cansada e cheia de calosidades bateria, que vez por outra anda atravessando o samba.
PS: Escreva cartas. Serão sua cápsula do tempo.

"𝐎 Á𝐋𝐁𝐔𝐌 𝐃𝐄 𝐌𝐄𝐌Ó𝐑𝐈𝐀𝐒"



Caso a semana tenha sido, sem querer ser grosseiro, mas já sendo, uma bosta, mercê de qualquer coisa, a escolher entre tantas possibilidades atuais, e haja a necessidade de uma boa dose de glicose, tipo algum filme que você possa assistir, clichezão meloso meio anos 60, sem espaço para papo-cabeça, com final previsível, eu tenho uma dica: "O álbum de memórias".
O clichê obedece a saga de outras tramas como "Uma carta de amor", com o Kevin Costner ou "Cartas para julieta" com o casal Vanessa e Franco. Só que ao invés de cartas é um álbum de fotografias achado em um mercado de pulgas.
Meghan Ory, a personagem central é boa, mas não chega a ser uma grande atriz, nem extraordinariamente bonita. O que é extraordinário nela é o olhar; a forma de olhar. Pode ser doce como um sorvete de pistache, amargo como uma bomba de rúcula; seja no modo paisagem, seja no modo veneziana, tanto faz. É como dizia o Tibete, "mais verde que guspida de mate". E encantador!
É um filmezinho leve, fofo e, claro, muito menor que o tema que, se bem explorado renderia muito, mas como disse, serve como dose de glicose para dias amargos. A melhor cena do filme é a projeção que faz o espectador varão, ao encarnar o personagem que recebe uma declaração criativa de amor como a feita no final, junto com uma encarada de derreter iceberg. Bó! Só isso vale o filme.

SCARFACE


Al Pacino havia torcido o nariz para Michelle Pfeiffer, quando a viu ser indicada para o papel da cheirada Elvira Hancock, mulher do Tony Montana, em Scarface. As preferidas eram muitas, todas já consagradas e Michelle era uma neófita. Tinha tido uma pequena relevância em "Grease 2..." um ano antes, enquanto que ele já era "seu" Al Pacino. Mas valeu a força do produtor Martin Bregman e ela surgiu como um cometa nesse filme. Meio anjo, meio demônio... Maravilhosamente fútil.

Depois desse filme, enfeitiçou os irmãos Bridges em "Susie e os Baker Boys ", e a partir daí faltou brilho nas manhãs de abril para estabelecer parâmetros. Não vale dizer qual filme é melhor com ela. Seja uma bruxa, um fantasma, uma ave ou uma lambida da mulher-gato. Nunca houve uma mulher como Gilda... Muito menos como Michelle. É um dos rostos mais expressivos do cinema, talvez porque não baste apenas ter olhos lindos, tem que saber olhar. "Micha" é uma Kryptonita. "Quero vivê-la em cada vão momento e em seu louvor hei de espalhar meu canto... E rir meu riso..." Etc...(perdão, Vinicius).
Ah sim, o filme... "Scarface" é uma releitura de um filme de 1932, inspirado nas peripécias do outro Al, o Capone, cujo roteiro foi feito por alguém que justamente lutava para livrar-se do vício de cocaína, Oliver Stone, e dirigido pelo genial Brian de Palma. Conta a história de um marginal cubano exilado em Miami, que começa fazendo bicos com drogas, e vai subindo as escadas da organização mafiosa. Chega ao topo e leva junto a mulher do ex-chefe, assassinado por ele.. O filme é um divisor de águas na indústria, seja pela violência extrema, seja pelas expressões chulas, seja pela exposição crua das intimidades do narcotráfico e seu tenso reinado no mundo paralelo. E como borracho não pode ter boteco, mostra que a regra vale para quem cheira. É um grande filme.

A HISTÓRIA DE NÓS DOIS




A HISTÓRIA DE NÓS DOIS

Não acredito em retornos. Profissionalmente, via de regra, é como tentar soluções antigas para problemas novos. E afetivamente não sei, nunca tentei, e tenho convicção de que, se algo houve que tenha conseguido romper um sentimento, é porque a causa da ruptura foi maior. Quebra-se o espelho e as tentativas de conserto só servirão para mostrar figuras caricatas. Ademais, penso o seguinte: "quando a mão abre a porta e os pés se vão embora, a cabeça já se foi há horas".
"A história de nós dois" é um drama romântico, meio comédia, ou um "Love Story" com final feliz. Um filmezinho de 1999, leve, sem Oscar ou grande mídia, mas se nos introjetarmos na trama, acaba se tornando bem mais do que isso. É uma metáfora da vida em comum
Ela (no caso "dela" não se trata de um inexpressivo pronome pessoal. Eu a classificaria como um adjetivo superlativo), Michelle Pfeiffer é Katie, casada com Ben (Bruce Willys), que vivem às turras, sem conseguirem vencer as dificuldades de uma relação de quinze anos, com dois filhos adolescentes.
Resolvem seguir o caminho dos trilhos, ou seja, apartados, porém, em função das crianças, unidos por robustos dormentes. Tentaram resolver pelo lado mais cômodo que, obviamente, em função do que sentiam um pelo outro, que também fazia parte dos dormentes, seria muito mais difícil.
Pois o resultado da ópera é este: havia um sentimento forte, que valia a pena tentar uma solução. Que fosse à exaustão, mas compreensivamente, sabendo que o tempo e suas circunstâncias conspiram permanente e amplamente contra o que fomos um dia. Acho que sabemos que amor não é um fim. É uma resultante de paixão e outros temperos, que se fortalece por admiração, carinho e respeito, na ordem que quisermos colocar, e que exige as presenças física e espiritual.
Recomendo uma cena perto do final quando ELA faz um monólogo maravilhoso. É um trecho de pouco mais de dois minutos, mas que vale pelo filme inteiro. É filme para domingo à tarde, com chimarrão e pipoca.
Ave, Micha. Te videre in caelo

CONSEQUÊNCIAS




Assisti a "Consequências" (The aftermath) duas vezes em uma semana. Precisava ter certeza de que tinha gostado. Gostei e recomendo, mas nada de extraordinário.

O filme é novinho, de 2021, com Keira Knightley (a sósia da Natalie Portman), Jason Clarke, Alexander Skarsgård. O trio é bom e garante a atenção no filme desde o primeiro momento. Aliás, o sueco Alexander rouba as fichas.
O cenário é a destruída Hamburgo, na Alemanha, pós segunda guerra. O marido de Keira, Jason, é um oficial britânico escalado para ajudar na reconstrução da cidade. Vai morar em uma casa "requisitada" pelos vencedores, cujo proprietário é um rico arquiteto alemão, viuvado pela guerra, com uma filha revoltada e pronta para assumir sua participação no "88", sigla e representação numérica de duas letras do alfabeto: HH, ou seja, Heil Hitler (que o anjo caído o conserve bem quentinho).
Jason meio que simpatiza com o "anfitrião" e o convida para continuar morando lá, em uma ala da enorme mansão. E aí, bacudo, é quando a Alemanha quase ganha a guerra, e o anfitrião, aos moldes da mitologia grega, acaba sendo o pobre coronel inglês.
Mas não há ações de batalha, a não ser protestos do povo arrasado, por ódio e comida. O enredo gira em torno de traumas familiares, carências e revoltas por perdas, num jogo de culpas e represamento de dor. Ou seja: de guerra, só as consequências.
Há uma cena muito tocante, que é quando a mocinha executa ao piano "Clair de Lune" (Debussy), a quatro mãos com a filha do dono da casa. Comova-se.

E O VENTO LEVOU ...



"E o vento levou" é uma obra quase artesanal e de fôlego. 60.000 metros de celuloide e 28 horas de gravação, de janeiro a julho de 1939, que levaram à tela o premiado livro de 1.037 páginas de Margaret Mitchel.

Li o livro e vi o filme, este diversas vezes, que arrebanhou oito estatuetas, inclusive o de melhor atriz coadjuvante para Hattie McDaniel, "que não pôde" comparecer a cerimônia porque era negra. Somando tudo, acho que devo ter perto de dois dias assistindo as 03h54min de projeção.
É um épico impressionante, com ricas histórias de amor, frustrações e força, ambientado na guerra civil americana. Por curiosidade não tem nenhuma cena de batalha na obra, onde sobressai de longe a atuação de Vivien Leigh, oscarizada por isso. Das únicas cenas que sugerem batalha está a caminhada trágica da mocinha sobre os corpos estendidos (800 figurantes, mais 800 manequins).
Scarlet é uma dondoca sulista chata, presunçosa, arrogante, dominadora... E guerreira! Uma mulher pronta para viver em qualquer época, dessas que matam baratas com salto agulha. Ou seja: ela, que era bipolar juramentada, interpretando ela mesma. Pelo papel , Vivien venceu mais de 1400 concorrentes, entre muitas “peso pesado” hollywoodianas. No meio delas estava Carole Lombard, preferida do então marido Clark Gable. A mocinha venceu também o nariz torcido dos nacionalistas americanos, já que era inglesa, nascida na índia. Clark, por sua vez, quase não teve concorrência. O preferido era Gary Cooper que recusou o papel por avaliar que o filme seria um fracasso(!). Errou feio. É dos únicos que ainda fatura quando reprisado, oitenta anos depois.
Qualquer resumo que se faça sobre esse filme maravilhoso corre o risco de competir em tamanho com a obra de Margareth. Mesmo uma sinopse, com alto poder de síntese, não caberia em espaços facebuqueanos.
“Frankly, my dear, I don't give a damn” (Francamente, minha querida, eu não dou a mínima), dita por Rhett Butler (Gable) para Scarlet (Vivien), quando caia fora da relação, enquanto a amada seguia em direção ao fundo do poço, é a frase mais popular do filme que produziu tantas outras memoráveis.
O filme é também recheado de curiosidades e brigas de beleza. Vale a pena pesquisar.
E por falar em curiosidade, Olivia de Havilland, a Melanie Hamilton (prima da dondoca) viveu até os 103 aninhos. Morreu em 2020.

DOUTOR ZHIVAGO




A história, os mistérios e a literatura russa me fascinam desde sempre. Mas o meu fascínio expira em último encantamento ao olhar a arquitetura lúdica do Kremlin. É lindo, mas tem sinistrose na aura. É o mais amplo sentido da palavra formidável.
E é de lá, das nuvens de pólvora; do gosto de vodca com notas de sangue, que chegou a nós o romance "Dr. Zhivago", de Boris Pasternak, cuja maratona para ser publicado mereceria outro romance. Boris foi excomungado pelo fundamentalismo comunista, foi obrigado a recusar o premio Nobel de literatura em 1958, e o filme só foi exibido por lá em 1987, após a dissipação das trevas vermelhas mais densas.
Doutor Jivago, é uma história de amor trágico. Lara (Julie Christie) é uma enfermeira jovem, pobre, usada por um crápula amante da mãe. Vai encontrar Jivago (Omar Sharif), que é um médico aristocrata e casado, em uma operação de campanha. Se aproximam e se apaixonam. Isso rende o início de uma linda história, cheia de impossibilidades, com um final amargo e algumas lacrimejadas.
História construída na forja de um tempo rude, sanguinário e frio. Tempo que esqueceu de passar e não cansa de ser hoje.
A música "Tema de Lara" é daquelas que faz com que a gente feche os olhos e se vá àqueles enormes salões principescos, dança a noite inteira com a dona dos olhos que se cruzaram com os seus, e quando tudo termina, vai para casa valseando com as folhas tocadas por vento, judiado por uma certeza: vocês jamais voltarão a dançar. É poesia em partituras.
"Tema de Lara" não se define. A gente ouve, fica triste e agradece o fato de Maurice Jarre ter encontrado tanta beleza na tragédia.


PERDAS E DANOS



Assisti no início dos anos 90, quando foi lançado por aqui. E gostei. Mais de Juliette Binoche, não só pelos motivos óbvios, mas pelo que representa como atriz. Em especial nesse filme, ela só precisaria do olhar para interpretar.

Dia desses assisti novamente e... Não gostei. Não gosto do Jeremy Irons. Acho ele inglês demais, e nesse filme, em particular nas cenas de sexo, é teatral, caricato, sem elã. Posso ter colocado um olhar muito crítico, mas achei uma história boa, como já tinha achado da primeira vez, porém mal aproveitada, com um roteiro atrapalhado e sem sal, e uma condução modorrenta.
Trata-se da vida de uma família normal, rica e equilibrada, com um casamento morno, entre uma dona de casa e um político. Stephen Flemming (Irons), o marido, de súbito é atropelado pelo olhar da futura nora. Um olhar que era a exaltação do céu beirando o abismo; que transitava entre o vulcânico, prestes a jorrar lavas libidinosas e uma paz de vitrine. Anna Barton (Binoche), a noiva do filho e dona dos olhos vulcânicos, esconde uma alma perturbada, carregada de demônios e trata, nas horas vagas de ser vetor do caos. Mas Fleming não está nem aí. Mergulhou fundo na lava incandescente.
É uma trama que cria logo de cara, sem que possa se estabelecer empatia entre os amantes, uma relação extremada. O drama está bem definido, já o erotismo proposto, com notas de sexo selvagem, só tem de convincente a dominação pela submissão. A forçação de barra, em determinado momento fica tão estereotipada, que faz com que a nossa Juliette pareça um boneco de posto.
O ponto alto fica por conta da demonstração de que a relação é de fato doentia e não de afeto, e das cenas de revelação do caso e suas trágicas consequências.
Não vai fazer cócegas no currículo do Louis Malle, que gostava de chocar pela ousadia, e nos deixou três anos após este, que foi seu penúltimo filme, acho que ele errou a mão, mas é só a minha opiniãozinha.