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sábado, 29 de abril de 2017

IX ENCONTRO DOS BASQUETEIROS DE URUGUAIANA... OS DIAS ERAM ASSIM




Explicar o sentimento de amor a terra para um gaúcho é desnecessário. Falar sobre o que ficou em um lugar e em um tempo para quem esteve lá nesse tempo e nesse lugar, é levá-lo de volta, ainda que por instantes. Se esse lugar for Uruguaiana e o tempo, o nosso tempo, sou capaz de dizer que um pedaço importante de nós nunca saiu de lá.

Esse pedaço ainda assombra a velha casa onde nascemos, arrastando correntes douradas inocentes, do bem, pelo assoalho velho. Que importância tem se no lugar da casa haja hoje um prédio enorme e moderno? A terra é revirada para que se revigore e cumpra sua missão de transformar, mesmo assim não sai do lugar. Portanto, essa parte importante de nós não está nem ai com que o que fizeram sobre as nossas primeiras pegadas. Nada vai tirá-las de lá, porque elas estão tatuadas no universo em seu conjunto, e na memória mais afetiva.

Uruguaiana também é o epicentro de uma geração de apaixonados por uma juventude, que se nega a assumir os efeitos dos seus brancos, caso haja ao menos brancos; suas rugas e modificações de estrutura físicas. Estar em Uruguaiana em um momento especial é ser, por um lapso roubado de história, um pouco do que fomos. É como se saíssemos dos álbuns velhos de fotografia, colados com Goma Arábica, para as calçadas, a fim de corrigirmos status, e sem o lamento pela brutalidade cronológica do foto shop natural. Não somos então o que somos; somos brevemente o que fomos, abençoados por bafejos fortuitos de energia, de fonte autossustentável. Eis porque chamo a minha cidade de Terra Santa. Lá ganho fôlego de vida.

Lá também é célula de um grupo de amigos que adotou o basquetebol como início, meio e fim, por suas circunstâncias convergentes e catalisadoras, capaz de produzir reações improváveis; retornos inimagináveis. Porque um dia alguém ousou sonhar com uma bola quicando nas quadras de antes; porque outro alguém se perguntou “por que não?”. E, por fim, porque nesse caso todos os meios conspiraram para que o fim se justificasse.

Assim, no nosso espaço/tempo de 2001, a nave não era uma nave, era uma bola, e o diretor não era Kubrick, era Saldanha. De comum, o fato de ambos terem dirigido uma odisseia no espaço. Kubrick para o futuro do presente, Saldanha para o passado mais que perfeito. 2001, ano da remasterização de nós mesmos; ano do Primeiro Encontro dos Basqueteiros de Uruguaiana.

E lá se foram 16 anos! Neste abril de 2017, acabamos de viver intensamente o IX Encontro. Um acontecimento difícil de narrar, porque é um coquetel de sentimentos, onde os cérebros apenas flutuam sem registros novos, e é como se estivéssemos contando várias vezes a mesma história. São momentos em que raciocinamos com os olhos e nos manifestamos através de beijos e abraços.

O fato de passarmos dois anos nos preparando para esse evento, em tese, quando de sua realização, haveria de ter esgotado o fator surpresa. Todos os passos são previamente definidos, com seus dias, locais e horários combinados. Os protagonistas são todos, e seus papéis já estão decorados, basta vive-los lembrando de como eram, meio século atrás, ou apenas se deixar levar.

Certo, alguma surpresa pode haver para um e outro homenageado, mas como tantos já estão potencialmente inscritos, ser escolhido ou não, não muda seus estados anímicos, ou eventuais discursos. Para estes, falar sobre um eventual troféu ou comenda recebida seria apenas contar um pouco de suas vidas.

A sensação de pertencimento de grupo do Encontro dos Basqueteiros, no entanto, se esvaiu. A programação esportiva que já fazia parte do coletivo de abnegados da cidade, e adotada pelo seu calendário, teve agregado a si outra parte do sonho. Jogar, jogávamos, mas também dançávamos. Que juventude dançante aquela nossa! Assim, vendo a migração para a cidade de tantos amigos antigos, alguns músicos, ícones da época, houveram por bem voltar aos palcos e fazer também o que faziam, ou seja, nos encantarem com o som das músicas dos anos 60/70.

O show Jovem Guarda para sempre se juntou a programação esportiva, e Uruguaiana, que já respirava um passado limpo e lindo, com a presença de ex-atletas e aficionados, passou também a dançar ao som das músicas de antes.

Que dias, esses que vivemos! Dias de realimentar a saudade, porque saudade a gente não mata. Mas é fato que poderemos morrer dela, caso não a realimentemos.

Há muitos agradecimentos a fazer. À organização geral do evento; à dedicação e desprendimento dos músicos; à entidade realizadora SESC FECOMERCIO, aos patrocinadores; ao vendedor de sonhos Matheus Saldanha Filho, e a toda comunidade uruguaianense que sempre nos abraça quando chegamos, e custa a nos soltar dos braços quando precisamos ir embora. Saibam todos que também são esses abraços e laços que nos prendem e nos fazem ter sempre vontade de voltar. Seja em matéria, como estas cedidas em comodato pelo Criador; seja como “poeira ou folha levada, no vento da madrugada...”

Resta dizer do sentimento que tive ao ver o teatro lotado, quando do show, que me sugeriu repetir Paulo Leminski: “haja hoje para tanto ontem”. E haja amanhã para tanto hoje; e haja eu para tantos nós.




sexta-feira, 28 de outubro de 2016

O INVERNO E DEPOIS (Livro de Luiz Antonio de Assis Brasil)




(Depois do inverno, meu querido... Não sei, dependendo de você, algo virá, e não apenas a primavera. Constanza Zabala)

"O inverno e depois", de Luiz Antonio de Assis Brasil, é um livro apaixonante. A obra também poderia chamar-se Outrora, ou Al otro lado del río... Ou simplesmente Constanza. É um romance refinado, instigante, exigente, especialmente lindo, com um vocabulário rico e sofisticado, ao mesmo tempo que palatável.

Apresenta o protagonista como um homem tímido, introspectivo, mimado e observador, características invariáveis de todo filho único. Julius, o personagem, é violoncelista, e leva a vida dentro de uma partitura, fria e exata, que executa quase sem desafinar. No primeiro movimento é regido pelo seu talento imberbe e a vontade de tia Erna, que o cria após tornar-se órfão. Troca de regente, mas se mantém ainda em um primeiro movimento, quando vai desenvolver-se na escola clássica de Würzburg, na Alemanha. Lá é assaltado pela sensação própria dos mortais, que não estilizam sentimentos nem os definem com frases mentais. Ao invés das frases, se queda na descrição frenética do óbvio: “Estou apaixonado, é isso”.

Julius conseguiu sair do primeiro movimento quando retornou ao Brasil, dolorido, deixando para trás uma parte de sua vida “a mais rara, a única que foi capaz de amar”.  Passando para o segundo movimento com a regência da esposa Silvia, e dali só começou a sair para o terceiro, 25 anos depois, ao “chocar-se” com Antônia, a meia-irmã, causa de dissabores familiares. Então descobre o afeto e a cumplicidade que só existe entre irmãos, ainda que irmãos pela metade. A obra conspira no terceiro movimento, que tem um momento decisivo, quando Julius despretensiosamente, mira o espelho do camarim exclusivo, de visão poliédrica e, enfim, vê um homem.

O inverno e depois é um romance em que vamos entrando devagar, quase que imperceptivelmente. Uma espera cansativa no aeroporto; uma viagem ainda mais cansativa ao pampa desolado, às lembranças que nunca morreram.  Desconfio, entretanto, que não se consegue sair tão cedo desse enredo.  Ao término, vi um filme, o meu filme de roteiro inacabado, com os personagens me olhando atônitos esperando as últimas falas. Ao invés disso, eu apenas repito a Julius o recado do Elton John, e que Constanza, seu único e definitivo amor, levou a pé da letra: and never forget I'm your man (e jamais se esqueça de que sou seu homem).

Vivo de ser um latinista, em forma e conteúdo. Portanto, da mesma maneira que passei um terço do livro aborrecido com Julius e suas inseguranças, sempre batendo em retirada, me apaixonei perdidamente por Constanza. Nela coloquei todos os rostos dos meus amores, os que tive e os que imaginei ter, e todas as amarguras que se sucederam após as eventuais separações, sempre temperadas por sons, cores e músicas de época.

Onde andará Constanza? Cheirando a água Farina Gegenüber, misturado com tabaco e cloro de piscina?  E súbito me dou conta que ela está aqui, bem aqui ao meu lado, me olhando curiosa. Que não tem segredos ou mistérios, porque deve estar no pacote das atenções de quem ama, perscrutar as entrelinhas do outro.  É assim que se faz, seu Julius! De resto, jamais esperar trinta anos para viver cada segundo sem hesitar, como ensina o Elton.

Sei, e não vou esquecer tão cedo como são, em vida, todos os personagens de O inverno e depois. De Julius a Peter Ustinov, passando por Boots, Antonia e Mickey Rooney. Os reconheceria na rua, caso nos cruzássemos. Já Constanza... Ah, Constanza com seu jeito e cheiros... estará sempre comigo.

Dvorak compôs a obra, obsessão de Julius, em três movimentos, como a vida que vi no protagonista. Este, entretanto, porque custou a descobrir-se e pelas intercorrências que viveu, contentava-se em executar somente o primeiro.   Ao fim, entretanto, não poderia, depois de um lapso tão longo de tempo, um amadurecimento repentino, culminando com uma extraordinária sucessão de “coincidências”, deixar de executar a obra completa, que tinha “de cor e salteado”, à plateia do presente; do pretérito que poderia ter sido mais-que-perfeito, e para um especial futuro do pretérito.

Depois de ouvir Dvorak, porque se impunha que ouvisse, fui ouvir as Bachianas, do Villa Lobos. Quando Bidu Saião terminou, fui àquele que, de certa forma, inspirou o romance. Ouvi Elton John e sua apostolar I Guess That's Why They Call It The Blues (Acho que é por isso que eles chamam de tristeza - ou algo assim), tema de vida de Julius. O texto instiga a ouvir clássicos concomitante e compulsivamente.  


sábado, 7 de maio de 2016

A TODAS AS ÚNICAS





Mãe é uma só, dizem, e biologicamente é incontestável. Mas a vida e a história de cada um traz peculiaridades.

A minha querida se foi cedo demais, nem tivemos muito tempo e eu só fui saber de fato o que é uma mãe, na sequência triste de sua ausência.

Ernestina era uma guria de 28 anos quando foi trilhar o mesmo caminho de luz que a trouxe.

Então vieram as outras: Nena, Toninha, Iolanda, Neci, Mercedes e outras, que antes de me colocarem debaixo de suas asas carinhosas, eu mesmo invadi e fui lá dividir espaço com os irmãos que adotei. Alguns até nem ficaram sabendo disso.  Mas sempre recebi amor, conforto e cuidados.

Teve, porém, uma que também viajou cedo, mas teve o tempo suficiente para, como se lê por ai tornar-se inesquecível. Amada e incomparável Cecy, que transbordava em carinho. Tinha idade de mãe, ou tia, mas gostava que eu a chamasse de vó.  Talvez por querer ser duas vezes minha mãe.

Deixou comigo essa lembrança que escondo além dos meus guardados, como uma foto mimosa ou uma tatuagem em lugar estratégico, no caso, no coração, e que exponho neste Dia das Mães para homenageá-las. E por elas, todas as minhas amigas que tem a felicidade de serem mães.

Beijo em todas. Em suas faces ou em suas memórias, mas sobretudo em minhas saudades, com muito amor.          

domingo, 1 de novembro de 2015

GOLD FINGER

Do livro Castelo de guardanapos

Você chega aos cinqüenta anos e nada, nunca mais, será a mesma coisa. É uma idade que dá para contar em séculos, meio, o que impacta até o mais despercebido ego.

A idade traz na mala de garupa muito mais do que uma eventual e simples aposentadoria. A vida cobra pesados ônus, na razão direta das gastanças físicas, intelectuais e financeiras. Mas cobra também pelo simples fato de estarmos vivos e ousarmos desafiar a idade. Antes éramos velhos aos cinqüenta, hoje podemos ser quase jovens ou metidos a isso. 

Há homens que justificam plenamente esta versão. Em nossos encontros anuais de Uruguaiana, observamos companheiros cuja cor dos cabelos em nada se alterou, o Wieczorek, por exemplo, ou o porte do Nogueira, que até hoje chama a atenção de seu antigo professor de geografia.

Na balada dessa pretensão, as mulheres, felizmente estão anos-luz à nossa frente. Há um grupo de amigas, quase um clube, que se intitula PQG (Pensa Que é Gatinha) e curtem muito isso, mas dá um trabalho danado conferir calorias, medir índices de gordura e outras ginásticas, além das atividades de mães e profissionais. Tudo dá trabalho a partir da meia-idade.

Dia destes chegou a minha vez. Busquei no plano de saúde um especialista. Ninguém conhecido meu ou de meus amigos. Urologista.  Marquei consulta. 

Na noite anterior não dormi e na manhã do dia fatídico experimentei acordar mal-humorado. Jamais sou mal-humorado de manhã. Tenho várias testemunhas, todas femininas que atestam isso. Criei pretextos para não acordar, depois para não sair de casa. Sentia-me velho, um traste, indigno de vestir as calças que até então atestavam a minha condição de  homem. Na porta do edifício de casa fingi que havia esquecido as chaves do carro, na porta do consultório quis voltar, deixar para lá, afinal não tinha nada mesmo. A saúde estava como nos velhos tempos. Entrei. Na porta do consultório vacilei. Não uma vaciladinha qualquer como aquela quando o sinal troca do verde para o amarelo. Uma grande vacilada, como uma falha na hora H, brincando de bombeiro com a Luma.  Mas enfim, não era o único homem a fazer exame de próstata.

Entrei. Havia dois senhores quietos, quase sem respirar para não serem notados, olhos fixos em  revistas que até poderiam ser sem letras. Não queriam ler, queriam esconder os olhos. A educação me ensinou a dar bom dia. E fiz isso, mas nem eu ouvi o som da minha voz. Por outro lado, bom dia quando e onde, cara pálida? 

Sentei e busquei desesperadamente uma revista, qualquer uma. Sabe revista de consultório? A mais nova mancheteava: Caras-pintadas derrubam Collor !  Acho que uma das outras era O Cruzeiro. Não importava nada disso, queria, como todos os desafortunados presentes, esconder o olhos. Por prudência ou discrição, o consultório não tinha recepcionista. Já pensou, você ali, mortificado, e uma secretária lhe olhando, séria, talvez com  pena, vez por outra rindo, sabe-se lá de quê, ruminando um chiclete? Seria muito pior.

A porta se abriu e eu gelei. De lá saiu um cidadão, mais constrangido do que nós da sala, boné enterrado até os olhos, olhando para algum ponto do carpete, ou para o infinito além do solo. A seguir saiu o médico. Imediatamente olhei para o tamanho de suas mãos. Meu Deus! Porque não busquei alguém conhecido? O cara era enorme. Como um sujeito daquele tamanho se propõe a passar anos na universidade, gastando os olhos da cara, normalmente explorando os pais, só para se tornar urologista? E sai de sua sala sorrindo e dando bom dia! Só pode ser sádico. Vacilei de novo. 

O seguinte, ou a próxima vítima, foi chamado. Levantou-se da cadeira como uma ovelha cansada de se debater contra a fúria dos cães selvagens, entregue, arrastando-se penosamente até ser recebido à porta por aquele monstro. Fecharam-se.

Na sala de espera restava-mos dois, olhos fixos nas páginas da mesma revista de horas atrás. Então nos olhamos com profunda sinceridade. Ele tinha mais ou menos a minha idade e parecia em boa forma. Constrangimentos à parte, conversamos sobre o que nos levava a passar por aquilo, e que estávamos ali mais em respeito aos nossos familiares, etc. 

E variamos os assuntos, e seguimos conversando até o elevador, depois tomamos um cafezinho no bar do prédio, acabamos combinando um jantar com as famílias e um treininho da basquete no final de semana. Nos despedimos, cada um pegou seu carro e nunca mais nos vimos.  O exame!  Pela quarta vez, por motivos diversos foi transferido. Pior é que digo em casa que está tudo ok. Acho até que está, mas quem garante? Aliás, é mesmo da garantia que estou fugindo. Sei que não posso adiar ad eternum, até porque a eternidade pode chegar antes.

sexta-feira, 23 de outubro de 2015

VS 105 – A NAU DOS INCENSADOS.



A esperança me relincha na alma,
Mesmo mantendo a calma e a temperança,
É certo que não vou afrouxar a cincha,
Pois esse mundaréu de lambanças,
Me manda surfar entre o pentelho cristão,
Que gostava do Mano como irmão,
Porém tirou a mão, quando esta deveria ir ao fogo.
(“Pagar pra ver é do jogo, disse o cagão”).
E foi morar na história como chato.
Falo do velho e rançoso São Thomé,
E do outro lado, da Velhinha de Taubaté,
Seu paradoxo comportamental,
Etecetera e tal.

Fico cá, com um olho no peixe, outro no gato,
Esse é o fato, e que a vigilância nunca me deixe,
A fim de que ela, a esperança, saia barato.
Porque, senhores murmuradores,
De cujos temores eu me empresto:
Há deputados, senadores e outros incensados doutores,
Que são verdadeiras bandeiras deste novo país,
(Meu Deus! meu Deus! mas que bandeira é esta, 
Que impudente na gávea tripudia? 
Silêncio.  Musa... chora, e chora tanto 
Que o pavilhão se lave no teu pranto!)

Muito obrigado, querido Castro,
Falta o mastro, se não para hasteá-los
Como estandarte do lixo que representam, empala-los.

Na ponta dessa lança,
Que a brisa cálida do Brasil beija e balança,
Tripudia, pálida a esperança, 
Como nos porões das trágicas esquadras de negreiros.
Mas seu sobrenome, esperança, atende por Calheiros. 

Que este e tantos outros alcoviteiiros,
Que indelével tisnararm a moral deste país,
Encontrem a corgem de um juiz que os enquadre,
Que não reste apoio de compadre,confrade, nem de padre, 
Porque lugar de bandido é atrás das grades.

Mas nesse jogo da mentira, onde todo honesto é burro,

 Não me achico para o "testa" flor de indigesto
Abro meus "güeimes" e meto o urro:


CONTRA A FLOR E O RESTO! 

quinta-feira, 15 de outubro de 2015

OPS!




Tenho cinco anos. Não existe nada mais fofo que um pai e um filho da minha idade irem ao estádio.  Está bem, existe, mas não vem ao caso.
  
Meu pai gosta do Grêmio e eu também acabei gostando. Eu gosto de ir ao estádio com ele, embora não saiba muito bem do que se trata. Acho zoado demais aquele monte de tiozinhos brincando de pega-pega.

Ah, mas lá tem pipoca, picolé, refrigerante à vontade; um monte de gente gritando, coisa que meu pai não faz, mas lá ele faz. E sabe porque tem todas essas delícias à vontade? Meu pai se concentra no jogo, e cada vez que eu falo, ele me compra uma coisinha para que minha boca fique ocupada.   Mimoso! Ele sabe que meu silêncio não é barato.

Às vezes tanto mimo me dá problema. Por isso, prudentemente, a gente sempre senta perto de um banheiro. Vez por outra, quase nem dá tempo de ir até lá.  E hoje não deu. Foi tanta pipoca, amendoim, picolé, refrigerante (o jogo deveria estar encrencado) que as comportas se abriram, digo, a comporta.

Meu pai olhava o jogo concentrado e eu comecei a sentir qualquer coisa. Essa qualquer coisa foi apertando, apertando... Mas eu não queria tirar o meu pai da concentração. Apenas olhava para ele. Então, despercebido, ele me olhou.  Primeiro carinhosamente, depois ficou sério. Nos olhamos por mais alguns segundos, ele cada vez mais sério e eu cada vez mais vermelho, acho.  Senti que ele ficou muito apreensivo (porra! Apreensivo? E eu?). Finalmente ele me disse uma única palavra:

- Não!

Eu não disse nada, mas arregalei os olhos. Ele repetiu:

- Nããããão! Fazendo uma careta estranha, meio medo, meio raiva. Tipo dia de vacina.

Ai passei a fazer olhar de cachorro (eu sei a força que tem o meu olhar de cachorro). Então, na terceira vez que ele disse não, imediatamente me pegou no colo, baixou o meu calção e pegou no ar (como um gato!) o resultado de tanta comilança. Ufa, que alívio! Acho que isso é o que querem dizer com paz interior.

A cena seguinte foi ir ao banheiro, pendurado no braço direito do meu pai, fedendo. Na mão esquerda dele... Bem, ele não iria deixar na arquibancada aquela nojeira toda. Por sorte (dele) eu era um homenzinho, cocô durinho e tal. Enquanto subia os degraus, sem efeito solo, ouvi gargalhadas da galera que estava por perto. Teria sido gol do Grêmio?  

Ah, minha cuequinha do Grêmio. Ela ficou por lá, mas não deve ter dado para aproveitar. 

sábado, 10 de outubro de 2015

UM DIA ESPECIAL

Disseste-me uma vez: “se tiver chance, não desiste, mas não dá soco em faca de ponta”. Não me lembro de que se tratava, mas independente do que fosse, continuo mantendo como verdade.  Passei um naco de tempo desistindo das coisas, mas não sem antes tentar muito para ver se davam  certo.  Portanto, essa foi uma coisa que aprendi. 

E também repetias, premonitoriamente:  “a gente é o pai, que foi como filho”. Hoje não tenho dúvidas disso.

Mas vezes também não me dizias nada, apenas sacudias a cabeça, vertical ou horizontalmente, aprovando ou reprovando alguma coisa que eu fazia. 

É, meu velho, não foi fácil lidar comigo. Eu sei disso, mas tu sabias muito mais. Sabias por que foste o precursor de uma dinastia inteira, que se caracteriza por ter o beiço mais duro que matungo de quartel. Certa vez te ouvi dizendo a um amigo: “não adianta, esse é meu filho. O beiço não nega”.  Não há orgulho nenhum nisso.  Ao contrário, acho que há muito mais coisas a lamentar, e o preço caro demais. Paciência, que se cumpra a sina.

Orgulho tenho, entretanto, por ter convivido  contigo, lamentavelmente por pouco tempo. Por poder dizer por ai, que sou filho de um cara singular, que brilhou quando quis; no que quis e que depois deixou pra lá, porque sabia como poucos o quanto o brilho é sensível, fugaz e ilusório.

Hoje seríamos quase contemporâneos, contando a idade da tua partida. Amigos, muito amigos, certamente. Não nos sentaríamos no bar, porque tu não bebias e eu não gosto de beber sozinho, mas procuraríamos uma arquibancada para travarmos severa discussão sobre futebol. E não adiantaria nada tentarmos convencer um ao outro, afinal, somos Portella, e isso basta para que não haja acordo. 

Meu querido, meu velho, meu amigo... Hoje, 96 aninhos. Soprem-se as velinhas  em algum lugar do espaço. 

Saudades, muitas saudades,  e muito mais  do que perdi  de viver contigo.





terça-feira, 8 de setembro de 2015

O PRECURSOR DA LIBERDADE



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O Dia dos Farrapos estendeu-se para a semana Farroupilha e dai, como festinha pouca é bobagem, passou para quase um mês de festejos. Nós temos orgulho da data, alguns até nem sabem bem por quê. 

Antes a festa restringia-se aos CTGs, depois ganharam a avenida para um desfile, e agora, em pleno centro da capital gaúcha, ergue-se uma verdadeira cidade campeira, para onde migram famílias, estabelecimentos varejistas e escritórios. Festas movem as cidades do Rio Grande no dia 20 de setembro.

Num desses tantos 20 de setembro, tempos atrás, recebi um amigo paulistano. A verdade é que ele estava encantado com tudo o que via, mas não perdeu a oportunidade para alfinetar. Ele, um jovem letrado e grande conhecedor da história. Lascou uma pergunta:

-Gaúcho, por que vocês comemoram uma guerra que perderam?

Na hora, sei lá porque, me veio a imagem de Jesus Cristo, e então devolvi a pergunta:

- Tu és cristão?

- Claro, me respondeu prontamente, mostrando o crucifixo no peito.

Então fiz outra pergunta:

- Por que tu abraças a causa de um homem que perdeu uma guerra, foi traído, preso, humilhado e crucificado entre dois ladrões?

Não houve respostas, o que para nós dois pareceu ter sido o bastante.

Quem ganha batalhas nem sempre é o que finca a lança no peito do adversário. Para ser considerado vencedor, é preciso ver se o mote pelo qual se levantou o suposto derrotado não blindou seu coração. Se a sua mensagem não foi mais forte que as vidas que se perderam.

O sangue de 35 permanece vivo na bandeira do Rio Grande, representado pela faixa vermelha transversal que corta o verde e amarelo. E fez com que o sufixo se juntasse ao gentílico e passasse a ser nossa profissão de fé. E da fé, como em todas as datas comemorativas, sejam santas ou sociais, para o grande oxigênio da economia, que é o comércio.  

Não há derrotas quando a mensagem precursora de uma luta fica enraizada e se transforma em sentimento de mais puro amor. O que fazemos pela nossa data magna não encontramos parâmetros mundo a fora.

As matérias são finitas; nas guerras ainda muito mais, e mais rápido, mas o gauchismo é alma, não morre. Essa é a vitória que festejamos. Esses demonstrativos, entretanto, são como aquela regra, porque não, presunçosa: para uns não precisa explicar; para outros não adianta. 

terça-feira, 16 de junho de 2015

PERDIDOS E ACHADOS




Eventos que fogem a nossa rotina têm a possibilidade de gerar fatos pitorescos. Para os mortais, não é uma atividade corriqueira lançar um livro, como também não é ir ao lançamento de livro de um amigo.

Dirce viajou 300 km para participar de uma festa, onde se reuniriam diversos ex-colegas do tempo de colégio. O mote era o aniversário do antigo e centenário educandário, de tão lindas lembranças. Quando chegou à festa, soube que um amigo, também ex-aluno, havia lançado um livro e adquiriu seu exemplar.

O evento proporcionou muitos reencontros, trouxe de volta muitas lembranças e cobriu a todos de emoção.

Finda a festa, hora de voltar para o hotel, onde Dirce ficaria até o dia seguinte. Emocionada, retirou-se, indo até um ponto de taxi perto do local. Sentou-se no veículo e começou a folhar o  exemplar, curiosa. Mas as imagens da festa estavam muito presentes. Não havia concentração. Nesses momentos, a gente sabe que os sentimentos que acabamos de dividir sobressaem, e tomam conta do cérebro. É humano. E assim, o livro descansou no banco, enquanto Dirce rebobinava e reprisava seu dia.

Chegando ao hotel, já no quarto, foi buscar o livro para enfim, satisfazer suas curiosidades. Cadê o livro? CADÊ O LIVRO? Havia deixado no táxi. 

Inconformada, enviou mensagem ao autor, contando a história e procurando saber onde conseguiria outro exemplar.

Dia seguinte, ainda muito chateada, chamou um táxi de um ponto próximo ao hotel para rumar à rodoviária e voltar para casa. Porém, antes que seguisse o seu destino, pediu ao motorista que passasse pelo ponto, onde no dia anterior havia apanhado o outro veículo e esquecido o livro.
  
Ela não conhecia o motorista, tampouco gravara sua fisionomia, mas ao chegar no ponto, no mesmo lugar do dia anterior, identificou o homem pelo motivo singular que este estava lendo o livro.  O exemplar foi devolvido sem constrangimentos, e com uma observação também singular do motorista: não tinha devolvido antes, porque no livro não tinha o celular dela!  

Porto Alegre tem centenas de motoristas de táxi, em pontos fixos e rotativos, mas Dirce sempre acha as coisas que perde.

Historinha vivida por Dirce Ferrão, após a festa de aniversário de 145 anos do Instituto União.  

terça-feira, 14 de abril de 2015

ODE AO SACO DE GATOS





O grande PMDB é uma enorme colcha de retalhos.
Digna de um palavrão logo no cabeçalho.
Figuras como o Barbalho e outros fora do baralho,
Recolhidos a prudente inércia.
Ou compulsória, como o Quércia,
E ainda outros que ouvimos desde o jornal da manhã,
Como por exemplo: o Renan, grande galo alagoano,
Que uma vez entrou pelo cano.
Pensou que o mundo era uma racha e foi riscar fora da caixa.
Mas cabotino, se abaixa, rebaixa, e sempre se encaixa.
Se descuidarem, ainda vai acabar vestindo a faixa.
(A propósito, onde andará a Mônica,
Aquela que trocou um pau de quando em vez,
Por uma pensãozinha de doze paus por mês?)

Quem, afinal, é o senhor dessa sigla lendária,
Que na nossa democracia precária
Ainda posa de fiel da balança?
Na impensada dança de posições contraditórias,
A cúpula peemedebista torra sua história,
No momento, pendurada no saco petista.
Quércia era nacionalista,
Foi chamado pelo PT de nazista,
E este chamou o Lula de fascista.
Como ambos tinham cacife
Seria justo que se dissesse então,
Para simplificar a controversa questão,
Que juntos reeditariam o nacional-socialismo,
Ideologia que levou a Europa ao abismo,
Na época do cabo austríaco atrevido.
Improvável, mas só duvido,
Porque um dos dois foi abduzido.

Que partido!
Partido e repartido, esse PMDB!
Melhor horário na TV e nenhuma ideologia.
Algo que mantenha entre os quadros nacionais a mínima sintonia.
A forte herança da frente ampla,
Que um dia botou banca, enfrentando a milicada,
Ao invés de ser depurada, virou desaguadouro cloacal,
Onde gente que assume honrada logo, logo perde a moral.
Não, não! Não há quem entenda,
Que alguns próceres da legenda,
Mesmo largados à míngua por discursarem em boa língua,
Permaneçam firmes, convictos, leais,
Alheios a suposta rejeição, sem tirar nem por,
Empunhando o multifacetado pavilhão furta-cor.
Resta saber a quem devem lealdade:
Se a quem conhecem as verdades,
Que num regime sério os levariam às grades,
Ou aos votantes de cruel passividade,
Que na ilusão quaternária,
Oferecem-lhes a própria glândula mamária.

Mesmo que sempre rompam os elos,
Como o Jarbas Vasconcellos,
Que acabou saindo dos chinelos,
Metendo com força o martelo nos confrades,
Pedindo um “se enquadre!” ao maior partido verde-amarelo,
Não passa nunca de um mero libelo.
Jarbas teve um gesto belo, mas nem arretou o castelo.
Pregou no nada até ficar rouco,
Enquanto a parceria mantinha ouvidos moucos.
O Simon, na época, deu maior apoio.
Este, porém, é um dos que vive no meio do joio,
Nunca, entretanto, tomou atitude.
Desde a minha juventude só me ilude.
Conhece, por velho, as nossas vicissitudes,
Mas de bom, só mostra básicas e obrigatórias virtudes.
Ah, sim, e vagos discursos gritados amiúde.
Está sempre a favor do vento, deixando passar históricos momentos, 
Não por sujo, mas pelo inabalável perfil caramujo.

Ouso dizer que não sei quem é o chefe da matilha,
Que a partir de Brasília faz sua bastilha,
Privilegiando a camarilha.
Amigos, a mulher, o filho e a filha,
Desde que continuem rezando na velha cartilha.
Uns dizem que cumpriram sua trilha,
Que encheram a vasilha e já fecharam a braguilha.
Aqui, ó! É armadilha. Dão as cartas e jogam de mão.
E não adianta gritar truco com a manilha,
Eles sempre retrucam com o espadão.  

Nem precisa dizer. Sei que é gritar em vão 
No entanto continuo botando pilha.
De resto, quem é de média leitura,
Tem de ajudar a não entregar a rapadura,
Pois vejo com amargura,
O que se faz com a população de baixa cultura.
Gente de vida dura, que não identifica a postura obscura,
Das mais variadas criaturas,
Abrigadas nas nomenclaturas 
Que concorrem às diversas legislaturas.
São santinhos de candura,
Campeões de fazer mesuras,
Que mostram a dentadura até a investidura.
Depois...  Só aparecem na moldura.

Não custa um pequeno alerta,
Dirigido ao nosso povinho boca-aberta:
Já tivemos coronel de esquerda com pinta de feitor,
Ali, um pouco adiante da linha do Equador!
Apesar de ser na Venezuela é bom ficar de sentinela
E não abafar o grito na goela,
Pois como diria o velho Portella,
Depois de arrombada a porta, pra que serve a tramela?

segunda-feira, 16 de fevereiro de 2015

HELIO, HEITOR E O TRACAFILHO



No sexto dia, às seis da tarde, antes do primeiro bocejo, estava o Criador sentado à beira do Ibirapuitã, num pequeno cepo, admirando sua obra.

Estava tudo perfeito, mas bastou um lapso de tempo de observação e pronto, já lhe acendeu a luz amarela. “A perfeição das curvas exatas tornará este espetáculo muito monótono”, deve ter pensado.

Não se troca o que está perfeito. Mas quem sabe um pequeno ajuste, uma troquinha imperceptível, só para temperar ânimos; um trocadilho qualquer. “É isso!”, um trocadilho. Mas não haveria de ser Ele, sério como gostaria de ser lembrado, o responsável por desviar o que estava pronto e perfeito, portanto, alguém que o fizesse. Alguém que tivesse nome e sobrenome, e de preferência que rimasse.

Assim, a beira do Ibirapuitã, depois de algumas cuias e já começando a alongar, o Criador começou a moldar com barro nobre o enviado, que se encarregaria de formar os trocadilhos, a fim de que a obra perfeita que criara não caísse na monotonia.

Esta, portanto, seria a missão de Heitor dos Santos Filho, que não nasceu com esse nome, mas assim se fez por exigência do Criador, que gostava de rima. Há, inclusive, quem pense que Rima é um negócio de fachada, e é outra exigência do Homem.

Então... Não consta que Teseu, o cara que invadiu os labirintos de Creta e acabou com o Minotauro, viesse a sofrer de labirintite. Também não me lembro de ter lido que Perseu vivesse com minhocas na cabeça, após decapitar a Medusa; nada indica que Arthur Gil possa ser um bom secretário de transportes, com a terrível missão de descongestionar as vias públicas, nem que Novalgina seja apenas remédio unicamente feminino, mas que hélio, além de raro, é um gás especial, não tenho dúvidas.

Alegrete tinha Helio Ricciardi, ou Heitor dos Santos Filho, para rimar com trocadilho. Lá tinha.

A capa bordada de estrelas que cobre o céu foi inventada bem ali, à beira do Ibirapuitã, numa sexta-feira, fim de tarde, antes do primeiro bocejo do Criador. Hélio brincou de bordar a capa, cobriu o infinito e gostou tanto que se foi viver com elas.

Adeus, meu amigo,  que a paz dos justos te receba. E siga as pegadas de luz por onde vieste.