No sexto dia, às seis da tarde,
antes do primeiro bocejo, estava o Criador sentado à beira do Ibirapuitã, num
pequeno cepo, admirando sua obra.
Estava tudo perfeito, mas bastou um lapso
de tempo de observação e pronto, já lhe acendeu a luz amarela. “A perfeição das
curvas exatas tornará este espetáculo muito monótono”, deve ter pensado.
Não se troca o que está perfeito. Mas
quem sabe um pequeno ajuste, uma troquinha imperceptível, só para temperar
ânimos; um trocadilho qualquer. “É isso!”, um trocadilho. Mas não haveria de
ser Ele, sério como gostaria de ser lembrado, o responsável por desviar o que
estava pronto e perfeito, portanto, alguém que o fizesse. Alguém que tivesse nome
e sobrenome, e de preferência que rimasse.
Assim, a beira do Ibirapuitã, depois
de algumas cuias e já começando a alongar, o Criador começou a moldar com barro
nobre o enviado, que se encarregaria de formar os trocadilhos, a fim de que a
obra perfeita que criara não caísse na monotonia.
Esta, portanto, seria a missão de Heitor
dos Santos Filho, que não nasceu com esse nome, mas assim se fez por exigência
do Criador, que gostava de rima. Há, inclusive, quem pense que Rima é um negócio
de fachada, e é outra exigência do Homem.
Então... Não consta que Teseu, o
cara que invadiu os labirintos de Creta e acabou com o Minotauro, viesse a sofrer
de labirintite. Também não me lembro de ter lido que Perseu vivesse com
minhocas na cabeça, após decapitar a Medusa; nada indica que Arthur Gil possa
ser um bom secretário de transportes, com a terrível missão de descongestionar
as vias públicas, nem que Novalgina seja apenas remédio unicamente feminino,
mas que hélio, além de raro, é um gás especial, não tenho dúvidas.
Alegrete tinha Helio Ricciardi, ou
Heitor dos Santos Filho, para rimar com trocadilho. Lá tinha.
A capa bordada de estrelas que cobre
o céu foi inventada bem ali, à beira do Ibirapuitã, numa sexta-feira, fim de
tarde, antes do primeiro bocejo do Criador. Hélio brincou de bordar a capa,
cobriu o infinito e gostou tanto que se foi viver com elas.
Adeus, meu amigo, que a paz dos justos te receba. E siga as pegadas de luz por onde vieste.